Rara foto do Conte Grande no porto de Santos, em 1941
Foto: coleção do pesquisador José Carlos Rossini
(...)
Com exceção de um par de viagens, em 1935, entre Trieste e Nova Iorque, o Conte Grande permaneceu na linha sul-americana - serviço que não foi interrompido
nem ao deflagrar-se o conflito europeu em setembro de 1939.
Em junho do ano seguinte, porém, Mussolini e o rei Vittorio Emmanuele decidem embarcar na aventura da guerra ao lado do III Reich, e esta grave decisão encontrou o Conte Grande navegando no Atlântico Sul.
No dia 6 de junho de 1940, cinco dias antes da declaração oficial de guerra da Itália à Grã-Bretanha e à França, o Ministério das Comunicações italiano iniciou a enviar um aviso para todo os navios que compunham a
frota do país e que se encontravam em navegação fora do Mediterrâneo.
O texto oficial do telegrama enviado era o seguinte: "Secreto - Urgentíssimo - As naves nacionais que se encontram fora da bacia do Mediterrâneo e que não estejam em condições de entrar no Mediterrâneo nas próximas
48 horas devem se dirigir para o porto neutro mais próximo. Devem, porém, ser evitados os portos metropolitanos e colônias de Portugal, assim como os portos dos Estados Unidos". (...)
O Conte Grande havia zarpado de Gênova com destino ao Brasil e o Prata em 22 de maio, em viagem regular de linha. (...) Na sexta-feira, 7 de junho, o Conte Grande escalou em Santos, desembarcando
cerca de 300 passageiros. Na tarde daquele mesmo dia, o transatlântico largou as amarras com destino ao Prata.
Refúgio - Às 23h00 de 8 de junho, ao receber a mensagem codificada, via rádio-telégrafo, que provinha do Ministério das Comunicações, o Conte Grande encontrava-se na altura da costa do Rio Grande do
Sul, e seu comandante, após consultar os outros oficiais superiores, decidiu retornar ao porto de Santos.
Na noite do dia 9, o Conte Grande apareceu na barra santista, para a grande surpresa de todos os profissionais do porto. A bordo estavam 866 pessoas, das quais 486 eram tripulantes. As únicas pessoas
informadas sobre esta inversão de rota eram o capitão-de-fragata Torriani, que ocupava na época o cargo de adido naval na Embaixada da Itália no Rio de Janeiro, e o representante da Italmar, agentes do transatlântico no porto santista. (...)
No dia seguinte, 10 de junho, quando desembarcavam esses passageiros no cais do Armazém 25 de Santos, em Roma o Conde Ciano (na época ministro de Relações Exteriores italiano) recebia, às 16h30, no Palácio Chigi, o
embaixador francês na Itália, entregando-lhe a seguinte declaração: "Sua Majestade, o Rei e Imperador Vittorio Emmanuele, declara que a Itália se considera em estado de guerra com a França a partir de amanhã, 11 de junho". Horas depois, idêntica
comunicação foi feita ao embaixador da Coroa Britânica na capital italiana.
No Brasil, face aos acontecimentos, o então presidente da República, Getúlio Dornelles Vargas, assinou decreto-lei mandando observar completa neutralidade na guerra entre a Itália e a Alemanha de um lado, e a
França e Grã-Bretanha do outro.
Hóspede do porto - Em Santos, a Italmar providenciou o encaminhamento dos passageiros destinados ao Prata. (...) O adido naval italiano no Rio de Janeiro, Torriani, passou a ser o responsável pelo grande
transatlântico, tão logo o último passageiro passou pela prancha de desembarque. O futuro era incerto e a grande maioria dos tripulantes do Conte Grande foi posta em terra firme, alguns sendo acomodados em pensões e pequenos hotéis de Santos
e São Vicente, enquanto um menor número foi levado para São Paulo e interior do Estado.
Nos meses que se seguiram, as autoridades navais italianas estavam propensas a fazer o navio sair e retornar, em uma aventura, às águas européias, tendo como destino portos alemães do Mar do Norte. Outra
possibilidade era a de fazê-lo atravessar o Atlântico Sul e, dobrando o Cabo da Boa Esperança, penetrar no Oceano Índico com destino a Massaua, porto sob domínio italiano na Eritréia.
Estas duas possibilidades estiveram abertas até o fim de 1940. Mas, em 1941, foram abandonadas, considerando-se a primeira hipótese demasiado arriscada (os exemplos do Columbus e do Cap Norte em 1939
eram significativos), e a segunda havia perdido sua razão de ser com a expulsão das tropas italianas da África Oriental no início de 1941.
Assim sendo, o Conte Grande permaneceu no porto de Santos como ilustre hóspede; necessidades operacionais da Compahia Docas obrigaram, porém, a várias operações de transferência de cais. (...)
No início de março de 1941, esteve atracado por alguns dias no cais do Armazém 1 e em outras ocasiões esteve fundeado diante de outro ilustre transatlântico, também em estadia forçada no porto santista, o alemão
Windhuk, ambos na altura do cais do Armazém 25.
Em abril de 1942, alguns dias antes de deixar o porto de Santos, com destino aos Estados Unidos, o Conte Grande e o Windhuk estiveram atracados no cais do Armazém 22, o primeiro com suas chaminés
pintadas de preto e o segundo ainda disfarçado nas cores de navio japonês - com as quais havia entrado em Santos em fins de 1939.
Presença incomum - A presença do Conte Grande em Santos, entre junho de 1940 e abril de 1942, marcou a vida do cotidiano na cidade. Seus tripulantes desembarcados, sobretudo os homens de copa e
cozinha (garçons, cozinheiros, copeiros, camareiros) foram albergados, bem e mal, por aqui e por ali, uns encontrando trabalho em bares e restaurantes da cidade e em São Vicente, outros vivendo no ócio e sendo sustentados por uma magra contribuição
financeira do Consulado Italiano.
No Hotel Parque Balneário, no Gonzaga, foram tocar os músicos da orquestra de bordo, e o cozinheiro-chefe do Conte Grande, contratado pelo então proprietário, o senhor Fracarolli, foi enriquecer o cardápio
à l'italiana do prestigioso hotel.
Outros membros da tripulação de serviço encontraram emprego em hotéis e restaurantes de Santos, São Paulo e até do Rio de Janeiro. Entre esses, um cozinheiro-auxiliar e dois garçons foram parar no Restaurante
Bologna da Ponte Pênsil em São Vicente, e vários garçons, barmen e cozinheiros foram para o Hotel Quitandinha, do Rio de Janeiro.
Alguns serviços de bordo do transatlântico permaneceram na ativa, como por exemplo a gráfica, que diariamente imprimia um pequeno jornal para os tripulantes italianos que, ainda embarcados, eram responsáveis pela
manutenção do navio.
Estes eram alimentados pela cozinha de bordo, que se abastecia de gêneros junto aos comerciantes do Mercado, inclusive de farinha, o que permitia o funcionamento da padaria do navio.
Criou-se, assim, uma rotina de vida que fez aparecer um comércio florescente de fornecedores e prestadores de serviços ao transatlântico. Uma lavanderia do centro de Santos viu seus negócios aumentarem em muito,
pois a do Conte Grande havia cessado de funcionar.
(...) Em 15 de janeiro de 1942, o Windhuk, e em 22 de janeiro, o Conte Grande, tiveram seus pavilhões arriados e a bandeira do Brasil içada nos mastros principais dos dois transatlânticos. (...)
Assumiu o comando do Conte Grande o comandante Hamlet Vitor Boisson, designado pela direção da companhia de navegação estatal Lloyd Brasileiro, a cuja frota o navio foi incorporado.
(...) Três meses depois, [o Conte Grande] foi vendido pelo Governo Vargas à Marinha dos Estados Unidos (U.S. Navy), para participar, assim, do esforço de guerra desse país. Negociada em segredo a sua venda,
foi também em segredo, na escuridão de uma noite de abril de 1942, que o Conte Grande foi levado rebocado do cais do Armazém 22, barra afora, com destino ao Rio de Janeiro, para reparos internos e limpeza de seu casco.
Raríssima foto do Conte Grande entrando na barra de Santos no início de 1940
Foto: coleção do pesquisador José Carlos Rossini
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