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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
O nome em 1839: Andradina ou Bonifácia? (3)

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Em janeiro de 1944, a antiga revista mensal santista Flama registrou (grafia atualizada nesta transcrição):
 
A elevação da vila de Santos à categoria de Cidade

O dr. Costa e Silva Sobrinho, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, pronunciou, no dia 26, no Rotary Clube, a seguinte palestra:

"Quando, há cinco ou seis dias atrás, o meu preclaro colega dr. Frederico Neiva, em nome do vosso presidente, me convidou para este almoço e, ao mesmo tempo, para vir fazer uma palestra sobre a ereção de Santos em cidade, senti-me de tal maneira embaraçado e perplexo, que dilatei a resposta por algumas horas.

Antes, porém, assim não o fizesse. Ter-me-ia poupado, sem dúvida alguma, às torturas de um largo e íntimo conflito entre a inópia e a amizade, entre a minha confessada insuficiência e a minha gratidão.

Resignei-me, afinal, com o triunfo da gratidão e da amizade. Entreguei-me aos labores da honrosa tarefa. Assim, primeiro que me liberte desse ônus, a cuja delicadeza não estou seguro de corresponder, quero deixar-vos aqui a expressão leal do meu maior agradecimento.

***

Agora, já que estamos numa assembléia de evocação e homenagem à cidade de Santos, quiséramos rastrear o que seria o nosso vilório na primeira metade do século XIX.

Em nossa retina interior, vemos vivamente vista a povoação de 1839. Perlustrando o traçado irregular e tortuoso das suas ruas estreitas, a sua casaria espacejada, modesta, entre hortas, capinzais e escasso arvoredo, o seu porto lodoso, os seus lagamares, notamos com admiração crescente que a grande, bela e moderna cidade de hoje ocupava, então, uma área bem restrita! Ia somente do Valongo aos Quartéis e da orla marítima à rua do Rosário e à rua Nova do Rosário. Esta era uma parte da atual rua S. Leopoldo.

Aquela pequena alfombra pintaigada de telhados escuros contava setecentos e poucos fogos, ou casas com família, e conforme o recenseamento de três anos antes, a saber, de 1836, numerava apenas 5.063 habitantes entre brancos, pardos livres e cativos e negros livres e cativos!

É que o nosso litoral ainda sofria as conseqüências da grande revolução demográfica que lhe causara o descobrimento do ouro, nas Minas Gerais. Num de seus livros mais primos, a "Formação do Brasil contemporâneo", escreveu Caio Prado Júnior a esse respeito: - "O ouro, descoberto sucessivamente em Minas Gerais (último decênio do século XVII), Cuiabá, 1719, e Goiás seis anos depois, desencadeia o movimento. Afluem então para o coração do continente, levas e levas de povoadores. Alguns são colonos novos que vêm diretamente da Europa; outros, os escravos trazidos da África. Muitos, porém, acorrem dos estabelecimentos agrícolas do litoral, que sofre consideravelmente desta sangria de gente e cabedais. É este um período sombrio para a agricultura litorânea, que assiste então ao encerramento de seu primeiro ciclo de prosperidade, tão brilhante até aquela data. Terras abandonadas, engenhos em ruínas; a vida cessara aí quase, para aparecer, vigorosa e pujante, no eldorado das Minas".

Esse deslocamento intenso e rápido da população do litoral para o interior não foi só dos estabelecimentos agrícolas, como assevera o ilustre historiador e sociólogo paulista; procedeu também das próprias vilas, proveio de S. Vicente, que estava em 1775 com só e só 765 habitantes e em 1808 com 775, e promanou igualmente de Santos.

A corrente migratória de Santos foi mesmo uma das primeiras a chegar aos distritos mineradores. É este um fato curioso, que escapou aos estudiosos das nossas cousas, e, por isso, sobre a sua averiguação nos entregamos atentadoramente.

Para Caio Prado Júnior, o ouro foi descoberto em Minas no último decênio do século XVII, isto é, de 1690 a 1699.

Ora, em abono do nosso asserto, podemos produzir provas irrefragáveis de que em 1689 - "a maior parte do povo desta vila se ausentou para as Minas Gerais ao descobrimento do ouro".

Noutros papéis preciosos encontramos que, por essa época, um sem número de pessoas daqui partiram para os Campos de Goitacazes, cujas terras foram aproveitadas primeiro pela pecuária, depois pela agricultura.

Ainda uma circunstância muito interessante vem, por fim, roborar o que acabamos de expender.

Desde 1638, pouco mais ou menos, existe em Santos a Irmandade do Senhor dos Passos. Pois bem: numa ação judicial movida em 1801 por essa Irmandade contra a Ordem Terceira do Carmo, ficou demonstrado que no ano de 1869, com o descobrimento do ouro em Minas Gerais, a maior parte do povo se ausentara da vila, inclusive muitos irmãos devotos do Senhor dos Passos - "por cuja falta se não fez por alguns anos a respectiva procissão". Outro tópico eloqüente: "Por causa desta ausência decaiu a irmandade". Chegou ela, de fato, quase a desaparecer. Em razão disso, o procurador, vigário provincial frei Salvador da Costa, visitando o Convento do Carmo em 1691, determinou que os Irmãos Terceiros da Veneranda Ordem fizessem a procissão.

Para a restauração da Irmandade do Senhor dos Passos foi concedida licença em 1698, o que, aliás, só se efetuou em 1760, sendo governador da praça Alexandre Luiz de Sousa e Menezes.

O despovoamento da vila durou seguramente cinqüenta anos. No fim do século XVIII, extenuadas as minas, principiou lento, lento, o refluxo da população.

Isto posto, não podemos deixar de concluir que não havia um motivo plausível interno para a elevação da vila em declínio à categoria de cidade. A par do despovoamento, a agricultura estava reduzida a uma vida local e vegetativa. Os lavradores, como se vê dos recenseamentos, mal colhiam para o sustento.

Qual o motivo, então, que determinou se erigisse a vila em cidade?

Esse motivo, vamos encontrá-lo nas entrelinhas da lei n. 122, de 26 de janeiro de 1839. Preceitua ela no artigo único: - "Fica elevada à categoria de Cidade de Santos, a Vila do mesmo nome, pátria do Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva..." que a 6 de junho do ano anterior, acrescentaremos nós, desaparecia do número dos vivos.

Está evidente, ela quis laurear o túmulo de José Bonifácio com a elevação de seu torrão nativo à categoria de cidade.

E Santos, a precursora da abolição, a pioneira da liberdade, Santos, berço próspero de um povo caritativo e forte, onde o coração da pátria pulsa vigoroso, bem merecia a justiça desse preito!