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Engenho São Jorge dos Erasmos: Prospecção Arqueológica, Histórica e industrial
Margarida Davina Andreatta (*)
INTRODUÇÃO
O presente trabalho refere-se à prospecção arqueológica que
foi realizada de acordo com o plano de trabalho intitulado Projeto de Pesquisa Interdisciplinar Engenho São Jorge dos Erasmos, Santos - São Paulo
e apresentado aos diferentes órgãos de preservação nos níveis federal (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, em junho de
1995), estadual (Conselho e Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo - Condephaat) e Municipal
(Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos - Condepasa).
Em abril de 1992, foi firmado o Termo de Cooperação Técnico-Administrativo, entre a
USP e a Prefeitura Municipal de Santos, visando à realização de pesquisa arqueológica, histórica e industrial em uma área aproximada de 48.070,23 m²,
que abrange o Engenho dos Erasmos, incluindo suas ruínas e o entorno do monumento.
Em agosto de 1994, foi designada pelo prof. dr. João Baptista Borges Pereira, na época
diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, de comum acordo com o prof. dr. José Sebastião Witter, diretor do Museu Paulista -
USP, uma comissão a fim de elaborar um projeto para a recuperação e preservação do Engenho São Jorge dos Erasmos, composta dos seguintes membros:
profª. drª. Ana Maria Camargo Marangoni, do Departamento de Geografia, como coordenadora administrativa; prof. dr. Norberto Guarinello, do
Departamento de História; profª. drª. Cecília Helena Salles de Oliveira, do Museu Paulista; e profª. drª. Margarida Davina Andreatta, do Museu
Paulista da USP, coordenadora da Pesquisa Arqueológica.
Em maio de 1995, a USP e a Prefeitura Municipal de Santos assinaram Termo de
Compromisso de Ajustamento de Conduta visando à prospecção, realização do projeto de revitalização, valorização cultural e a preservação do
engenho.
Em julho de 1996, iniciou-se a prospecção arqueológica na área da ruína, a qual foi
concluída em 10 de dezembro do mesmo ano. O trabalho de laboratório realizado in loco foi executado concomitantemente ao inventário de peças
arqueológicas coletadas nas pesquisas de campo.
Os trabalhos se desenvolveram em etapas, como seguem:
Documentação:
levantamento documental para compreensão do processo de desenvolvimento e implantação do Erasmos, as diferentes etapas evolutivas da fabricação do
açúcar, a ocupação dos espaços de trabalho e as demais atividades correlatas no Brasil entre os séculos XVI e XIX (notas
- item 1, p. 40).
Pesquisa de
Campo: com a prospecção obtiveram-se amostras e testemunhos que permitiram a avaliação do potencial arqueológico para posterior escavação mais
detalhada e sistemática na área.
A utilização de métodos e técnicas da arqueologia pré-histórica, associados aos da
arqueologia histórica industrial, permitiu "a leitura da estratigrafia inscrita no próprio patrimônio industrial sedimentado na paisagem" (Custódio,
1994, p. 7) e o resgate "dos espaços que se referem a qualquer atividade humana [...] e que não possam ser removidos do sítio [...] como a
habitação, a fábrica de açúcar, a capela, a senzala" (Santos, 1995, p. 14).
Escavação:
foi inicialmente programada para ocorrer nos anos de 1997 e 1998 e prorrogada até 1999. O confronto das fontes documentais com os vestígios
materiais irá fornecer dados de embasamento para que os demais projetos possam ser elaborados: Projeto de Restauração das Ruínas, Projeto
Paisagístico e Projeto Museológico.
Com relação ao trabalho de campo, a prospecção delimitou a área de interesse
arqueológico e evidenciou os vestígios materiais. Ao término da prospecção, será possível elaborar os sucessivos projetos já mencionados, a fim de
atender aos interesses culturais, ambientais e turísticos da comunidade.
1. ASPECTO HISTÓRICO
Em 1516, o rei d. Manoel procurou introduzir o cultivo da cana e a tecnologia da
fabricação do açúcar no Brasil. "Naquele mesmo ano, além de machados, enxadas e outras ferramentas, enviou à colônia um homem prático e capaz, com
instruções para instalar um engenho de açúcar, mandando fornecer-lhe ferro, cobre e mais todo material necessário para a construção" (Cordeiro,
1945, p. 13).
A expedição de Martim Afonso de Souza a São Vicente, em 1532, pode ser considerada o
ponto de partida para a indústria açucareira no Brasil, pois, segundo a citação de padre Simão Vasconcelos, a da Capitania de São Vicente "foi a
primeira que teve plantas de cana de açúcar [...], foi na vila de São Vicente onde se fabricou o primeiro açúcar no Brasil" (Cordeiro, 1945, p. 18).
A produção regular de açúcar no Brasil só poderia se desenvolver com a fundação de uma
vila, a de Martim Afonso de Souza, donatário da Capitania de São Vicente, considerado pioneiro na colonização do Brasil. Ele foi responsável pelo
lançamento das bases da ocupação da região, criando uma infra-estrutura que permitiu a fixação dos portugueses no território. Além de doar sesmarias
e construir fortalezas, introduziu o cultivo da cana-de-açúcar na capitania, levando à construção do engenho.
Dentre as unidades produtoras de açúcar, destacamos o outrora denominado Engenho do
Governador, posteriormente "dos Erasmos", quando adquirido pela família Schetz de Antuérpia.
O Engenho dos Erasmos tornou-se propriedade dos Schetz por intermédio do flamengo
Johan Van Hielst ou João Vaniste que, desempenhando a função de representante comercial da família, contraiu sociedade com Martim Afonso, Pero Lopes
de Souza, Francisco Lobo e Vicente Gonçalves em 1533 (os acionistas desta companhia chamavam-se "Armadores do Trato"). Nessa época o governador da
capitania objetivava arrecadar recursos para levantar o dito engenho que seria construído em 1534.
A sociedade desfez-se quando Martim Afonso viajou para as Índias e seus sócios negaram
recursos para dar continuidade aos investimentos na manufatura açucareira. Van Hielst permaneceu no empreendimento mas, em 1540, as outras partes
foram empregadas por Erasmos Schetz, que alguns anos mais tarde incorporou o que cabia a Van Hielst.
Originários da Franconia ou Achen (Aquisgrania), atual área de fronteira entre
Holanda, Bélgica e Alemanha, os Schetz iniciaram suas atividades comerciais por volta de 1500, com a iniciativa do patriarca Coenraedt Schetz, pai
de Erasmos.
Ainda no primeiro quartel do século XVI, Erasmos Schetz aparece como fundador de uma
empresa em Leipzig. Seus negócios na Alemanha envolviam uma casa bancária, seguros marítimos e minas de cobre e prata. Em seguida, suas atividades
comerciais estenderam-se até Antuérpia, Bruxelas e Amsterdã. Os Schetz distribuíam seus produtos por toda a Europa e tinham ligações de caráter
comercial com italianos, holandeses, franceses, portugueses, alemães, além da Companhia de Jesus.
Sem dúvida, o período de apogeu do Engenho São Jorge dos Erasmos como manufatura
mélica foi sob a direção da família Schetz. Os documentos da época colonial registram que esses negociantes flamengos fizeram várias tentativas de
vender sua propriedade no Brasil entre 1593 e 1612.
O engenho funcionou, segundo Paul Meurs, até o século XVIII. E, ao longo desse
período, produziu cana para exportação, além de rapadura e aguardente para consumo interno no século XVIII. Ao longo desse século, porém, podemos
constatar a decadência da propriedade.
Para a produção do açúcar e derivados, além da fábrica propriamente dita, o engenho
comportava unidades administrativas e residenciais, inclusive dependências dos escravos (senzalas). A documentação escrita revela, segundo Stols,
que o engenho se compunha de "[...] uma casa muito grande com seis lanços, uma senzala com uma ferraria provida de baluartes e ainda duas casas
cobertas de telhas, muito boas e fortes [...] todas essas casas se erguem numa altura e todas juntas e próximas de maneira que nenhuma fazenda seja
tão forte para os contrários" (Stols, 1988, p. 416).
Existem divergências em relação à data em que o Engenho São Jorge dos Erasmos teria
sido construído. Historiadores como Maria Regina da Cunha Rodrigues e Pedro Taques de A. Paes Leme apontam o antigo Engenho do Governador como sendo
o primeiro da Capitania de São Vicente (1533); Francisco Martins dos Santos afirma que foi o segundo (1534-35); e Basílio de Magalhães e Paul Meurs
acreditam que o Engenho dos Erasmos foi o terceiro empreendimento desse tipo a ser construído na região.
Em 1943, os terrenos com as ruínas foram adquiridos por Otávio Ribeiro de Araújo, que
loteou a propriedade e doou o Engenho São Jorge dos Erasmos à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, no ano de 1958.
Em 1958, Luís Saia, chefe do 4º Distrito da Diretoria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional do Ministério da Educação e Cultura, relatou ao presidente da Comissão Especial do Engenho São Jorge dos Erasmos que realizou
prospecção e definiu o partido arquitetônico como de "modelo açoriano, tipo real e movido à água" (Saia, 1958). No entanto, é importante salientar
que o engenho é o único exemplar que restou na Baixada Santista, como testemunho dos tempos em que a indústria açucareira era o produto essencial
nos negócios e na economia da Capitania de São Vicente.
Figura 1 - Localização da área do Engenho São Jorge dos Erasmos - Santos-SP
2. LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE PESQUISA ARQUEOLÓGICA - 1996
A área do sítio São Jorge dos Erasmos localiza-se no município de Santos
(SP), na porção Este do maciço de São Vicente, em uma vertente voltada para a planície costeira (Pires Neto et. al, 1979), nas proximidades do sopé
do morro localmente conhecido pelo nome de Caneleira (Figura 1) [1].
A prospecção arqueológica concentrou-se entre as coordenadas
7.350.8747.350.974 UTM e 361.271361.387 UTM, numa área aproximadamente de 6.500 m² entre as cotas de 3 e 16 metros (Figura 2)
[2].
Figura 2 - Área de prospecção arqueológica em 1996
[...]
(*) Margarida Davina Andreatta é arqueóloga do
Museu Paulista-USP e coordenadora do Projeto de Pesquisa Interdisciplinar Engenho São Jorge dos Erasmos - Santos - SP.
NOTAS DE RODAPÉ
[1] M. D. Andreatta,
1996-97, pp. 41-2.
[2] Idem, Ibidem. |