Em
1962, foi publicado em Sorocaba/SP este livro de 200 páginas (exemplar no acervo do historiador santista Waldir Rueda), composto e impresso nas
Oficinas Gráficas da Editora Cupolo Ltda., da capital paulista (ortografia atualizada nesta transcrição):
Pequeno histórico da Mayrink-Santos
Meus serviços prestados a essa linha entre Mayrink e Samaritá
Antonio Francisco Gaspar
[...]
2ª PARTE - ESTUDOS E CONSTRUÇÃO
XXIV - Opiniões de abalizados engenheiros
De um álbum da Sorocabana, recentemente publicado, vou transcrever algumas palavras do
ilustre engenheiro dr. Urbano Pádua de Araújo, sobre a Mayrink-Santos:
"Em 1924 foi incorporada à Sorocabana a linha da antiga
Companhia Agrícola Funilense e que desde 1905 estava em poder do Estado de São Paulo; em dezembro de 1927, mais uma incorporação, desta feita da
linha Santos-Juquiá, construída entre 1913 e 1914, única via de acesso ferroviário ao Vale do Ribeira, ainda hoje. Finalmente incorporou-se à
Sorocabana a linha Mayrink-Santos, construída por iniciativa do governo Júlio Prestes, entre 1927 e 1937, e pela qual se ligaria diretamente ao
litoral, ficando em condições de poder manipular sua carga por um caminho mais curto.
"Desde fins do século passado lutava a Sorocabana para levar suas linhas até o porto
de Santos. Não podia fazê-lo diretamente de São Paulo, de vez que a concessão dada pelo governo à São Paulo Railway impedia se construíssem novas
estradas de ferro para a cidade de Braz Cubas dentro de 60 quilômetros do eixo da ferrovia inglesa, atual Santos-Jundiaí.
Foi no Governo Júlio Prestes que, vencendo extremas dificuldades internas e externas,
os trilhos da Sorocabana, em simples aderência, venceram a Serra do Mar, transpondo abismos, superando obstáculos, numa afirmativa do quanto vale a
tenacidade do homem".
O grande chefe da Comissão de Obras Novas da Sorocabana em 1950, engenheiro dr. Heitor
Severo de San Juan, dizia: "A velha Ituana, atingindo Campinas, permite aos vagões da Sorocabana irem pela Mogiana,
buscar a produção do Triângulo Mineiro e de Goiás. Faltava entretanto a essa magnífica rede ferroviária uma saída para o oceano. Era preciso,
vencendo a alcantilada Serra do Mar, atingir Santos com a bitola métrica, levando-lhe diretamente as riquezas produzidas pelo trabalho de São Paulo.
"A coragem de Gaspar Ricardo, sua confiança invencível nos destinos da Sorocabana,
foram as alavancas que moveram a solução desse problema. E surgiu a Mayrink-Santos. Outro benefício nasceu, como corolário dessa grande obra:
adquirida a Juquiá, pôde o litoral Sul receber também os influxos benéficos de seu entrosamento com a imensa rede da Sorocabana. Mas não era
preciso, apenas, crescer em extensão. O lema de Gaspar era: 'Tudo por uma Sorocabana maior e melhor'".
O incansável chefe da 5ª Divisão, engenheiro dr. Mário Sales Souto, de saudosa
memória, não tinha mãos a medir.
Seus serviços de escritório, tendo a seu lado bons auxiliares e valorosos engenheiros,
não pereciam. A causa da Mayrink-Santos era sagrada, e tinha de qualquer forma ser empreendida. O governo tinha dado ordens terminantes.
"De vez em quando, o dr. Souto percorria de cima para baixo, ou de baixo para cima,
todo o projetado traçado, inspecionando os serviços de campo das turmas, setores dos engenheiros residentes, seções e obras de arte, serviços esses
que estavam prosseguindo por toda a Serra e Planalto.
Em seu relatório apresentado ao sr. diretor da Sorocabana em 1929, o dr. Mário Souto
concluiu-o com estas concretas palavras: - "Conclusão - ao findar-se o ano, no tocante à construção, já havia uma boa
parte do serviço feita, tendo-se despedido, em geral, para todos os trabalhos referentes a estudos e construção da Linha Mayrink a Santos, a
importância de 19.941:912$956, como se poderá verificar no quadro que apresentamos.
"Dada a circunstância muito especial da pressa com que eram atacados os trabalhos, ao
mesmo tempo, em quase toda a extensão da linha, tornou-se necessário a organização de seis seções de fiscalização, cada uma entregue a um chefe de
seção, com autoridade sobre duas residências. De extensões diferentes porque as dificuldades eram também diversas, procuramos, com essa
distribuição, dar a máxima eficiência aos trabalhos, o que de fato conseguimos. Nenhum serviço foi retardado e muito menos paralisado por falta
nossa, sobretudo quanto ao estudo de obras de arte. Só na rubrica 'Direção e Fiscalização dos Serviços' estávamos gastando mensalmente cerca
de 135:000$000 rs.".
Com estas opiniões que relato, temos muitas outras sobre a Mayrink-Santos e acho que
será supérfluo transcrevê-las todas. Todos sabemos que a Mayrink-Santos foi uma estrada de ferro de acesso ao mar e importante para o Estado de São
Paulo. Foi um "osso" duro de roer, não resta dúvida, mas ela está aí, se não fosse a instigação do inesquecível engenheiro dr. Gaspar Ricardo
Júnior, com o Governo, a Mayrink-Santos teria ido parar nas mãos dos ingleses, que estiveram quase que adquirindo-a.
Boca do túnel 5 (lado de Santos) - 1ª Galeria, com o fim de ser perfurado o túnel,
e trabalhadores, em 1931
Imagem e legenda reproduzidas do livro
Outrossim... Ao finalizar este capítulo, nele relembro que, em 1933, houve uma
acalorada polêmica pela imprensa paulista entre engenheiros da Sorocabana e o diretor dos Diários Associados sobre a Mayrink-Santos e a bitola de
1,60 m.
Estes artigos eram inseridos na Folha da Manhã.
De um longo artigo escrito pelo engenheiro dr. Ruy Costa Rodrigues e publicado em 28
de março de 1933, destacamos alguns tópicos interessantes, os quais deram causa ao paradeiro dessa ingrata polêmica. Ei-los:
"Nem sobre todos os pontos de vista é a bitola de 1m60
superior à bitola de 1,00, mas mesmo que o fosse, no Brasil seria desaconselhável, sob o ponto de vista econômico, a unificação das suas principais
redes ferroviárias em linha de 1m60.
"O fato de se ter ligado a capital do País com o estado de São Paulo por 1m60 não pode
prejudicar a tendência geral para a uniformização da bitola de 1,00 nas nossas grandes redes ferroviárias, tendo a Sorocabana com 1m00, pelos seus
naturais prolongamentos, atingido de um lado aos confins de Mato Grosso e de outro lado as nossas fronteiras do Sul.
"Foi por isso que se resolveu, como já mostrou muito bem o dr. Gaspar Ricardo, o
prolongamento da Sorocabana de Mayrink a Santos, em condições de se poder futuramente, com toda a facilidade, fazer-se a ligação dessa linha a São
Paulo. A questão é bem antiga, pois, devido ao privilégio da São Paulo Railway, não se podia construir outra linha de São Paulo a Santos até o ano
de 1947.
"Da ligação da Sorocabana a Santos cogitaram muitos outros governos, sendo que já em
1891 o Estado de São Paulo havia concedido à Companhia Estrada de Ferro Sorocabana o privilégio para o seu prolongamento até Santos, partindo da
Estação de São João, tendo feito os estudos e projeto, mas de Mayrink a Santos, que foram aprovados em parte, chegando a ser iniciados os serviços
de construção para serem logo abandonados.
"Em 1912 e 1913, devido ao aumento rápido de nossa importação, houve congestionamento
no porto de Santos, cuja responsabilidade coube, como ao que já se havia dado anteriormente, à São Paulo Railway.
"A Brasil Railway, em 1914, tentou novamente o empreendimento do prolongamento da
Sorocabana ao Mar, fazendo estudos e organizando projetos, tendo também fracassado todas as tentativas.
"Em 1924, nova crise de transportes sobreveio com a única responsabilidade da São
Paulo Railway, dando, como não se desconhece, à economia paulista um prejuízo calculado em soma superior a 300 mil contos. Menos que isso custará a
Mayrink-Santos e com a sua execução e a incorporação à Sorocabana a Noroeste ganhará toda a enorme e rica zona servida por esta última Estrada, além
de uma linha contínua, independente e sem baldeações, o grande benefício das tarifas diferenciais, como muito bem salientou o dr. Gaspar Ricardo com
um só ponto de início, quando agora, encarecendo e dificultando transportes, tem três (via Paulista e São Paulo Railway). Dessa maneira, haverá
redução de fretes e uma tal redução estimula sempre o tráfego, imediatamente ou no fim de algum tempo".
E... o dr. Ruy Costa Rodrigues remata esse seu longo artigo, com o prepotente
provérbio: "Cada macaco no seu galho".
O bem intencionado dr. Alberto Rocha Lima também defendeu a boa idéia que teve o
governo do estado de São Paulo e o saudoso dr. Gaspar Ricardo Júnior, em serem levados os trilhos da Sorocabana a Santos. Esse senhor escreveu uma
série de artigos sobre a Mayrink-Santos, os quais foram publicados em jornais de São Paulo no ano de 1933.
Pedindo escusas ao dr. Rocha Lima, transcrevo neste capítulo alguns trechos desses
concretos e interessantes artigos:
"O dr. Gaspar Ricardo Júnior, como toda a gente o sabe, é
um perfeito cavalheiro e de uma superioridade moral a toda prova.
"Utópico e contraditório o sr. dr. Gaspar Ricardo, porque a Mayrink-Santos ficará em
um milhão de contos na imaginação borboleteante do jornalista! Utópico o sr. dr. Gaspar Ricardo, quando na sua função de engenheiro, de paulista, e
de diretor da Sorocabana, defende sinceramente o plano de viação proposto pelo Governo de São Paulo ao da União. Utópico e contraditório o sr.
diretor da Sorocabana, quando propõe a unificação da Sorocabana e Noroeste, ambas da mesma bitola e ambas com as mesmas diretrizes geográficas,
econômicas e estratégicas.
"Entretanto, o jornalista não é utópico e contraditório quando pretende criar um
estrategismo bitolar de 1m60 na Noroeste, tornando assim irrealizável, depois, o prosseguimento das paralelas de aço até os mais ínvios sertões do
nosso querido Brasil - pelos enormes dispêndios que essa bitola larga exigiria fatalmente do Governo da República. Utopista o sr. dr. Gaspar
Ricardo, quando defende a necessidade da terminação da linha Mayrink-Santos. No entanto, não é utopista o homem que pretende a paralisação desse
melhoramento - o que importaria em atirar pela janela afora 200 mil contos do Estado de São Paulo, já despendidos com os serviços da nova linha!
"O sr. dr. Gaspar Ricardo, em seus artigos, a propósito do assunto, já demonstrou
brilhantemente que a bitola métrica tem grandes autoridades a seu favor, e, dentre elas, a do grande engenheiro brasileiro que foi o dr. Osório de
Almeida. O sr. dr. Ruy Costa Rodrigues pulverizou, ao mesmo tempo, com seu artigo - O Macaco".
E... sobre as vantagens da bitola métrica em Santos, muitos outros engenheiros e
homens de bom senso e tino escreveram e deram sua opinião favorável a esse plano dinâmico: os trilhos da Sorocabana em Santos, transpondo a Serra do
Mar, por meio de simples aderência.
Viaduto na Mayrink-Santos - 1936
Imagem e legenda reproduzidas do livro
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