Em
1962, foi publicado em Sorocaba/SP este livro de 200 páginas (exemplar no acervo do historiador santista Waldir Rueda), composto e impresso nas
Oficinas Gráficas da Editora Cupolo Ltda., da capital paulista (ortografia atualizada nesta transcrição):
Pequeno histórico da Mayrink-Santos
Meus serviços prestados a essa linha entre Mayrink e Samaritá
Antonio Francisco Gaspar
[...]
2ª PARTE - ESTUDOS E CONSTRUÇÃO
XVII - Do meu diário... mais serviços
Cipó - 1933 - Na quarta-feira, 6 de junho, segui no trem MX1 a Cipó. Estava
instalado um aparelho telegráfico num vagão. Eu fui com ordem de mudá-lo para uma casa de madeira. Era ali agente dessa estaçãozinha o sr. Luiz
Perini. Nos dias 7 e 8, fiz a mudança do telégrafo e pertences. Depois de estar pronto o serviço e tudo em ordem, dia 9 fui fazer outros serviços em
Dúvidas, Monos e Rio dos Campos. Regressei para São Paulo dia 14 à tarde.
Em 13 de fevereiro de 1934, fui de bonde a Santo Amaro, levando um pacote com
materiais. De ônibus prossegui até a "parada Lígia" e num caminhão que passava por esse lugar, arranjei carona e consegui chegar a Cipó às
12,30 horas. Fiz o serviço de trocar bastões de zinco na bateria de pilhas leclanchê no aparelho telegráfico. Pernoitei no vagão imprestável
que servira de estação.
No dia seguinte, 15, a pé de Cipó à "parada Lígia". Embarquei no ônibus que passava
para Santo Amaro. E, de bonde a São Paulo, chegando às 18,30 horas. Pela S.P.R. fui pernoitar em São Caetano do Sul. Em 20 de maio de 1936, então,
estando pronta a estação de tijolos, eu fui escalado para definitivamente fazer a mudança de aparelho telegráfico para esse novo prédio. O
empreiteiro das estações e casas de turmas de tijolos foi o sr. Abel Jorge. Era um bom companheiro. Muitas vezes viajei com ele nos ônibus entre
Dúvidas e Santo Amaro.
Dr. Argeu Pinto Dias, Mário Musa e dois balizas,
locando a ponte provisória de madeira sobre o rio dos Monos em 1933
Imagem e legenda reproduzidas do livro
Dúvidas - 1933 - Quinta-feira, 17 de agosto, às 5,30 horas, preparei-me em
Mayrink para seguir com o trem de lastro, locomotiva nº 113, para ir a Dúvidas, levando o vagão nº 277. A viagem correu normal. Em M'Boy-Guassu
houve uma pequena parada com o fim de serem descarregados alguns materiais. Chegamos em Dúvidas às 10 horas. Junto com a turma telegráfica, ajudamos
a ser desocupado o vagão em que eu ia instalar o aparelho telegráfico. No local em que ia ser colocado o vagão, fora da linha, foi preciso três
postes de trilhos e puxar 140 metros de fio até onde ficou estacionado fora da linha o dito vagão que ia servir de estação. Foi iniciada uma valeta
para se fazer a chapa de terra distante 60 metros.
Pernoitei no vagão da turma do telégrafo, feitor sr. Joaquim de Almeida. No dia
seguinte ficou concluído todo o serviço. Fui à seção P.15 e trouxe para Dúvidas o telefone que estava instalado nesse acampamento. Instalei-o no
interior do vagão nº 277, Dúvidas. Ficou funcionando com Itaquaciara, Rancho Fundo, escritório do dr. Tomé Passos, escritório do dr. Carlos de
Araújo e dr. Argeu Pinto, Rio dos Campos. Passei o telegrama, o nº 80: "De Ele, Antonio Francisco Gaspar, a Iti dr. Probo Falcão Lopes, São Paulo.
Telegrafo e telefone em Dúvidas está pronto e funcionando. Aguardo hoje condução para seguir a Mayrink. Dúvidas, 19-8-1933".
Um mês depois, eu fui instalar mais um aparelho telegráfico para Dúvidas poder
trabalhar com São Paulo diretamente. Às 13 horas, viajei no trem de lastro, locomotiva nº 107, para Mayrink, 16,30 em Itaquaciara, 18,30 em Boca
Túnel nº 32, 19 em Rancho Fundo. Partimos dessa estação às 21,06 e chegamos em Mayrink às 22 horas. No trem NO1 (horário daquele tempo: 22,30
horas), Sorocaba, às 23,20. O agente em Dúvidas foi o sr. Pedroso. Ali também esteve a sede do escritório do dr. Argeu Pinto, tendo como ajudante o
dr. Mursa.
Em uma ocasião eu fui ali fazer um urgente serviço. Depois de estar desocupado, o dr.
Argeu convidou-me para ir a Rio dos Monos, precisava locar uma ponte provisória (de madeira) e fui com ele, dr. Mursa; dois seus camaradas levavam
os aparelhos de engenharia. Chegando naquelas matas e entre montanhas, corria o tal rio dos Monos. Foi locada a ponte. Ajudei a segurar as balizas e
os camaradas iam fincando estacas. Eu como nunca deixei de levar a minha Kodak de caixão, apanhei fotografia desse local. Pedi para os drs. Argeu e
Mursa fazerem pose e queimei uma chapa que, aliás, saiu boa. Regressamos depois a Dúvidas. Após o jantar, ali mesmo pernoitei.
Sr. Abel Jorge, empreiteiro dos prédios das estações e casas de turmas.
Ônibus entre S. Amaro e Dúvidas - 1936
Imagem e legenda reproduzidas do livro
Monos - 1933 - Estando na estação de Boituva no dia 20 de outubro desse ano,
fazendo a reforma de luz elétrica, e como dormia num canto do Armazém, o telegrafista, à 1 horas da madrugada recebeu o telegrama seguinte, e foi
acordar-me e entregar-me. O trem N.O.2 passava ali às 2,40 dessa memorável madrugada. O aviso telegráfico: "O. 433. ITI a Ele Boituva. Deveis vir
para Domingo estar instalado em ponta trilhos um telefone. Acusai." Eu então, vendo que era sábado, embarquei no trem noturno e fui a São Paulo. De
bonde fui a Santo Amaro. Tomei um caminhão que passava carregado de cimento e que destinava-se à Mayrink-Santos. Passando em Dúvidas às 14,30 horas,
dali segui na locomotiva 113 até o rio dos Monos, onde cheguei às 16 horas.
Esse aparelho instalei-o num cômodo do próprio Especial de Pontes, para o sr. João
Roncon ter comunicação com Dúvidas e com o dr. Argeu Pinto. Tendo as turmas do avançamento atingido o rio dos Monos com o assentamento dos trilhos,
pois o leito da linha já estava pronto para encaminhar a via-permanente, tinha sido requisitado novamente o sr. Roncon, para ser construída uma
provisória ponte de madeira, sobre esse rio, a mandado do dr. Gaspar Ricardo.
Domingo, 22, o telefone foi inaugurado pelo senhor diretor, drs. Carlos Araújo, Ramiro
e Argeu. Eu regressei a São Paulo, via Santo Amaro, e no dia seguinte, 23, estava de volta a Boituva. A construção foi atacada, e essa ponte ficou
tão sólida que deu passagem aos inúmeros trens de passageiros, cargas e lastros, por mais de dez anos. Hoje, ali, existe uma resistente ponte dupla
de cimento armado de um só vão.
Nota interessante: no bairro Capela do Socorro, onde eu tomei o caminhão, eram 12
horas. Eu ia em cima dos sacos de cimento. A certa altura da estrada, o caminhão parou. O chofer desceu e perguntou-me: "Não viu nada, senhor?".
"Não vi". "Então desça". Eu desci da condução e o chofer pegou um pau e chamou-me. "Venha". Eu fui e um bicho-preguiça estava vivo à margem da
estrada. O chofer pegou-o e o levou no caminhão.
Sr. Casimiro Busk, seu filhinho e Antônio Francisco Gaspar em 1934 premeditando
escrever um livro sobre a Mayrink-Santos, no acampamento desse feitor
(N.E.: SIC. Notada a data na foto: 10-12-1933)
Imagem e legenda reproduzidas do livro
Monos - 1934 - Em poucos meses a ponte de vigas de peroba ficou pronta, segura,
firme e deu passagem ao trem de lastro. Este por sua vez ia levando rumo ao oceano Atlântico os dormentes, trilhos, talas de junção, parafusos... e
a nova linha assim penetrando e descendo a serra do Mar, iria, como foi, beijar as níveas areias das praias atlânticas. O feitor geral Casemiro Busk
foi um dos heróis nessa brilhante arrancada de levar os trilhos até o rio dos Campos e depois poder ligá-los, quando encontrou com o dinâmico
pessoal que também vinha, na mesma ocasião, desde Samaritá, lutando com numerosos reveses, para enfim conseguirem em 17 de setembro de 1937 ligar as
duas pontas de trilhos nas proximidades do afamado morro do Chapéu (hoje Sebastião Ferraz).
Eu vi Casemiro Busk e fotografei-o quando dirigia o arrojado avançamento das paralelas
de aço. Uma turma ia na frente acondicionando os dormentes no leito já pronto da linha; outra turma ia levando aos ombros os trilhos (40,7) por
metro corrido; outros trabalhadores jogavam-nos em cima dos dormentes; uma outra vinha pondo na bitola e parafusando-os nos dormentes; enfim, quase
um quilômetro ou mais por dia, esses abnegados trabalhadores iam com suas forças ultimando a solução da Mayrink-Santos.
Em 23 de julho de 1934, recebi ordem de ir a Monos instalar luz elétrica na residência
e escritório do dr. Argeu Pinto, que ficava onde é hoje o pátio de Rio dos Campos. A ponta dos trilhos já atingia esse lugar onde estava sendo
construída a ponte 5 (sobre esse rio). O dr. Argeu, como era o engenheiro encarregado desse trecho e fiscal, tinha que, de 4 em 4 horas, fiscalizar
essa grandiosa obra, o mais alto viaduto (30 metros) da Mayrink-Santos. Então, como já estava funcionando a usina elétrica do Capivari com um
pequeno dínamo elétrico, foi por mim feita a instalação de luz na casa-sede de seção.
Rio Capivary, linha Mayrink-Santos, acampamento do dr. Abílio Gondin, em 25-7-1934
Imagem e legenda reproduzidas do livro
Estive ali alguns dias e no dia 25 o dr. Abílio Godrim, engenheiro do estudo das águas
do Capivari e rio dos Campos, convidou-me a ir almoçar com ele e seus auxiliares. Trouxe-me um cavalo, porque a sede do seu acampamento era um tanto
distante. Ficava à margem esquerda do rio Capivari, onde as águas represadas eram escuras e formavam um belo lago. Todas as noites, um cisne vinha
serenamente banhar-se nele ao lado do acampamento. O dr. Godrim mandou pintar uma tabuleta com o nome "Praça Abílio Godrim, lago do cisne preto".
Tanto a família do dr. Argeu Pinto e o dr. Abílio Godrim, me deixaram saudosas recordações.
Como tinha que executar em 26 de março de 1935 mais alguns serviços entre Dúvidas e
Rio dos Campos, segui para ali com o ajudante Juvenal Ferreira Barros, onde pernoitamos num barracão. Era telegrafista ali nessa época o sr. Romeu
de Melo, pois o sr. Otávio de Campos já estava em Monos. Na manhã de 27, fui de caminhão da estradinha paralela ao traçado da Mayrink-Santos, até a
seção S.5, ponta dos trilhos lado de Santos. Ali, com o feitor da turma telegráfica sr. Alfredo Silva, que vinha trazendo os fios por dentro dos
túneis, carregamos em cima do caminhão um trole de linha, isoladores, cruzetas, fios, ferramentas e três trabalhadores.
Ao chegarmos no pátio do rio dos Campos, foi uma festa quando pusemos o dito trole na
linha. Estavam os engenheiros, o telegrafista, o pessoal da construção e o mestre-linha reunidos no páteo. "Um trole que subiu a serra da
Mayrink-Santos sem trilhos!" Foi a conta. Todos queriam saber como o trole veio sem trilhos. "Ora, pela estradinha. Em cima de um caminhão". Uma
chistante gargalhada ecoou no espaço. Verdade é que fizemos todos os serviços ordenados e depois de 4 dias o trole ufano, em cima do caminhão,
desceu a serra. Foi o primeiro trole que apareceu nesse trecho, nesse tempo - Rio dos Campos a Acarau. Noutro capítulo
havemos de falar dos saudosos engenheiros drs. Sebastião Ferraz, Salles da Cruz e outros destemidos bandeirantes ferroviários.
O trole que subiu a Serra da Mayrink-Santos sem trilhos... em cima de um caminhão
Imagem e legenda reproduzidas do livro
No Rio Capivari
"Lago do Cisne Preto"
Com música da "Casa Branca da Serra"
No seio da mata virgem,
entre gigantes montanhas,
à beira de enormes brenhas,
numa elegante cabana,
vive, feliz, acampado,
muito alegre e prazenteiro,
distinto moço engenheiro,
da estrada Sorocabana.
Por ele foi escolhido
esse agradável lugar
onde o sol vem rebrilhar
de manhã até a tarde!
De "Lago do Cisne Preto"
batizou a confluência
dos rios, que, em diligência,
o tem ali, sem alarde.
E com pujança e desvelo,
reunido com seus colegas,
vai afrontando as refregas,
na sua espinhosa empresa...
Estuda profundidades,
banhados, grotas e rios,
lugares e chãos baldios,
para a futura represa.
Nessa longínqua paragem,
permanecendo afastado,
por algum tempo isolado
do bulício da cidade,
nas horas de seu descanso,
põe-se quêdo, meditando...
- de sua noiva se lembrando
com expressiva saudade!...
Em meio de seus trabalhos,
esse lugar montanhoso,
torna-se, às vezes, brumoso,
com seus expressos bulcões...
E a cerração, dominando,
encobre o sol todo o dia,
ficando a mata sombria
nos vales dos ribeirões.
Margens do Capivari!
Fragorosas cachoeiras!
Abismos e pirambeiras!
Acolhei bem esse moço,
que aí vive, convosco,
escravo do seu dever,
procurando com prazer
demonstrar o seu esforço!
Rio Capivary, linha Mayrink-Santos: acampamento do dr. Abílio Gondin e auxiliares em
25-7-1934
Imagem e legenda reproduzidas do livro
[...]
|