Em
1962, foi publicado em Sorocaba/SP este livro de 200 páginas (exemplar no acervo do historiador santista Waldir Rueda), composto e impresso nas
Oficinas Gráficas da Editora Cupolo Ltda., da capital paulista (ortografia atualizada nesta transcrição):
Pequeno histórico da Mayrink-Santos
Meus serviços prestados a essa linha entre Mayrink e Samaritá
Antonio Francisco Gaspar
[...]
2ª PARTE - ESTUDOS E CONSTRUÇÃO
XV - Venha com ferramenta...
Como era somente eu que amiúde ia a serviços de minha profissão na Mayrink-Santos, e
tendo na oficina telegráfica muitos outros eletricistas, certa vez eu quis saber o motivo dessa determinação. Era eu sempre apontado, para seguir
para essa linha, cognominada "Mandichuria". (N.E.: possivelmente referência à planície da Manchúria, território remoto
do Nordeste da China, na Mongólia Interior, entre a montanhosa Mongólia,
a Coréia do Norte e o Mar Amarelo).
Então o dr. Probo Falcão Lopes, inspetor dos telégrafos e iluminação, pacientemente
explicou-me que, eu como era o mais conhecido por todos os engenheiros das diversas seções da Mayrink-Santos, eles, nesse caso, é que pediam a minha
ida, para ali executar os serviços elétricos e telegráficos, quando necessários.
Fiquei ciente e satisfeito em saber da preferência que os srs. engenheiros davam à
minha modesta pessoa. Outrossim, nessa ocasião, ficou combinado com o dr. Probo o seguinte: que quando eu recebesse o telegrama com os dizeres
"Venha com ferramenta a São Paulo", era para eu ir à linha Mayrink-Santos. Esse código era a mim dirigido para o local onde eu estivesse
trabalhando. Certas vezes os recebi em Botucatu, Piraju, Assis, Sorocaba (minha sede), Boituva etc., etc.
De posse desse aviso telegráfico, eu guardava os materiais elétricos na estação em que
me achava em serviço; tomava minha caixa de ferramentas e embarcava para São Paulo no primeiro trem, a fim de receber as ordens para o ponto da
Mayrink-Santos em que eram necessários os meus préstimos sobre instalações de telégrafo, telefone ou motor elétrico para acionar betoneiras.
Certa vez, ao chegar a São Paulo, eu recebi ordem de ir a Cubatão (S.P.R.) e dali ir
instalar com urgência um telefone na 4ª Seção, S.16. O embrulho, bem acondicionado, tendo um telefone, duas pilhas secas e alguns metros de fios, já
estava pronto e também o passe com 75% para o trem da S.P.R. Faltava 1/2 hora para o comboio partir. Saí da oficina quase correndo pelo largo
General Osório e Rua Mauá com o embrulho e a caixinha de ferramentas. Entrei na Estação da Luz.
Ao chegar à borboleta, o sr. porteiro me interpelou: "O sr. não pode embarcar
com esse embrulho. Precisa despachá-lo". - "Não tenho tempo. Faltam 10 minutos para partir o trem, e eu não posso perdê-lo". - "O que contém essa
muamba?" - Eu sou empregado da Sorocabana. É um telefone. Vou instalá-lo lá na Serra da Mayrink-Santos". - "Deixe aí o embrulho com o telefone e
vá falar com o chefe da estação. Ele vai passando ali". Olhei e corri. Contei-lhe o caso. O chefe perguntou-me: "Onde está o telefone?" - "Está com
o sr. porteiro", disse. - "Vamos lá" - Caminhou comigo para o lado da borboleta e ordenou que eu passasse com o telefone. Desci as escadas da
Estação da Luz e entrei num dos carros de 2ª classe. Foi a conta. O trem partiu.
Depois da estação do Brás, o chefe de trem, picotando a minha passagem, perguntou-me:
- "E o telefone?" - Mostrei-o em baixo do banco. Ele disse-me: - "Pode viajar com ele sossegado".
No alto da Serra, trocou de chefe de trem e foi a mesma pergunta. - "Onde está o
telefone?" - "Embaixo do banco". "Muito bem, sr. Gaspar. Pode sem novidade viajar". - Admirado fiquei, pois meu nome até proferiu. Depois da descida
da Serra, quando o comboio partiu da Estação de Piassagüera, foi a mesma pergunta quando o chefe de trem veio conferir a minha passagem. Ao chegar
em Cubatão, desci do trem. O chefe dessa estação estava me esperando junto à borboleta com o porteiro. Quando lhe fui entregar o bilhete
picotado na saída dessa gare, o chefe de Cubatão me disse: - "Pode sair sem receio com o telefone".
Fiquei bobo por ver tanta solicitude para com o aparelho telefônico.
Foi talvez um fato virgem, esse que se deu comigo, durante tantos anos que viajei em
vias férreas. Todo o pessoal de estações e trens da São Paulo Railway sabia que eu levava um telefone. Muito bem, criteriosa Administração, muito
bem! - Já fora da estação de Cubatão, tomei a jardineira (ônibus) e segui para a seção S.16, onde
cheguei às 13 horas. Era chefe dessa seção o incansável e dinâmico dr. Nobre Mendes.
Em outra ocasião, 19 de janeiro de 1934, fui de bonde a Santo Amaro e de jardineira
a Dúvidas (atual Engenheiro Marcillac) e desse local, na locomotiva nº 118, a Monos (hoje Evangelista de Souza), onde pernoitei no vagão da turma
telegráfica. Achei-me no dia seguinte, 20 de janeiro, no escritório do dr. Argeu Pinto, chefe da 5ª seção, S.22. Fui ali consertar dois telefones
que estavam sem funcionar. Troquei os magnetos e fiz uma boa limpeza neles. Já estavam funcionando com a estação de Dúvidas, quando, às 16 horas,
soube-se que havia rebentado greve no Tronco da Sorocabana, e os trens de passageiros e cargas estavam estacionados. O trem de Pagamento, que era
para ir até Rio dos Campos, regressara por precaução a São Paulo.
O dr. Argeu Pinto, como tinha um bom automóvel, e eu já estava sem serviço,
convidou-me para irmos para São Paulo, via Santo Amaro. Saímos então com essa sua condução e às 18 horas estávamos na Rua Domingos de Morais. Como o
dr. Argeu, naquela época, residia em Vila Mariana, ele pediu-me que o representasse perante o dr. Gaspar Ricardo e que estávamos ao lado da
Administração. No dia seguinte ele apresentava-se na Diretoria.
Tomei o bonde que nesse tempo, de Vila Mariana à Ponte Grande, era direto e o preço
irrisório: 200 réis!
Eram 19 horas. Desembarquei na esquina das ruas Mauá e Florêncio de Abreu. Segui para
os escritórios da Sorocabana. Dois soldados de armas embaladas estavam à porta principal. Como era conhecido do Guarda Noite do Prédio, eu pude
subir ao 4º andar e estar em contato com o dr. Gaspar Ricardo, a quem dei a incumbência do dr. Argeu Pinto e também a minha, que estava ao lado da
Administração.
Fiquei de plantão no prédio. A greve continuou três dias e depois tudo entrou nos seus
eixos.
Durante a greve, até escriturários estiveram em Osasco, ajudando a consertar a rede
telegráfica e telefônica da estrada, que os grevistas tinham danificado.
Eu, como estava de plantão por ordem do dr. Gaspar Ricardo, somente atendia serviços
nos escritórios.
Serviço regular de ônibus na linha Mayrink-Santos entre Cubatão e S-16 -
setor do engenheiro dr. Nobre Mendes. Transporte de passageiros e operários
para diversos pontos das zonas de trabalho, nessa arrancada formidável
Imagem e legenda reproduzidas do livro
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