No Rio São Jorge, os meninos mergulham, nadam e gozam momentos de lazer
No rio poluído, a alegria das crianças
O Morro do Ilhéu não é mais aquele. Perdeu boa parte de suas
terras, perdeu altura, já não tem tantas árvores de frutos gostosos, tão cobiçados pelos moleques. E, como um sinal inexorável dos novos tempos,
os carros podem subir até o seu topo.
Mesmo assim, descaracterizado, o morro continua sendo um recanto agradável, que proporciona uma vista
privilegiada de toda a Zona Noroeste e dos municípios vizinhos, São Vicente e Cubatão.
Em dias de calor, lá no alto sopra uma brisa gostosa que vem dos lados do Largo da Pompeba. E são justamente o
Largo da Pompeba e o vizinho Rio São Jorge que garantem uma das mais belas vistas. Sabe como é: de longe não se percebe que o largo e o rio não
têm mais aquela cor azul de antigamente, nem peixes para lhes dar vida. Estão poluídos demais. Foi-se o tempo em que os robalos e paratis eram
tantos a ponto de pularem para dentro dos barcos dos pescadores.
Toda a Zona Noroeste parece mais bonita vista do alto. Perdem-se na distância os buracos, as ruas sem asfalto e
sem árvores. E vão-se fazendo descobertas, como o fato de o Rio São Jorge correr paralelo à pista da Via Anchieta, embora não se tenha noção disso
quando se trafega por ela.
Longe, bem longe, observam-se as chaminés de Cubatão, sempre escurecendo o céu; o canal por onde escorre toda a
poluição industrial que atinge as praias; e a ponte sobre a Rodovia dos Imigrantes. E, de um outro ângulo, pode-se distinguir a caixa-d'água da
Cidade Náutica, em São Vicente, com sua estrutura tão peculiar.
Não resta dúvida: um mundo diferente e interessante surge à frente.
As crianças e suas brincadeiras no rio, no morro e nas ruas - De vez em quando, aparece até cachorro
morto boiando nas águas do Rio São Jorge, mas, apesar disso, é lá que as crianças gozam seus melhores momentos de lazer. Nos dias de sol e muito
calor, pode ter certeza que estarão por perto o José Lindomar, o Maurício Matos, o Sérgio Félix, o José Roberto, o Roni de Carvalho, o Marcos, o
Wanderlei Fernandes e tantos outros. Apenas de short ou cueca, eles mergulham, nadam, tentam dar uma escapadinha nos barcos atracados.
Quando o sol não anima a tomar banhos gelados, divertem-se por perto, catando jambolão nas árvores que restaram
no Morro do Ilhéu ou se atolando na lama que se forma junto a ele. Ficam sujos da cabeça aos pés, correm o risco de apanhar em casa, mas nem
ligam. Tudo pelo prazer da diversão.
Como todas as crianças espertas e travessas que se prezam, sempre inventam novidades e constroem seus próprios
brinquedos. Montam desde os tradicionais carrinhos de rolimã, até "armas" para matar passarinho e pequenos jogos nos quais a matéria-prima não
passa de pedaços de madeira, elástico, canudinho de antena e coisas do tipo. Exercem a criatividade, como fazia a molecada nos tempos em que a
televisão não vivia anunciando os brinquedinhos super-geniais que brincam sozinhos.
E não é que um dia desses o Ronaldo Gomes, de 15 anos, cismou de construir um barco? Juntou-se com o João
Nélson, 12 anos, e pôs mãos à obra. Catou madeira no fundo do quintal, pegou mais pelas ruas, comprou pregos, pegou serrote e martelo do irmão e
em três dias o barco estava pronto. Não é muito grande, mas suficiente para uma pessoa se instalar confortavelmente e remar. E mais um detalhe: o
remo não passa de um cabo de vassoura com um pedaço de madeira, dessas de forro, pregado em uma das pontas.
Não há parques ou praças, e o Horto está em total abandono - Ninguém pode negar que a água representa um
grande atrativo. Mas também não se pode esquecer que, se as crianças se submetem a brincar no imundo Rio São Jorge, o fazem por falta de opção.
No Bom Retiro existe uma única praça, a José Lamacchia, mas não se caracteriza como uma praça dessas que a gente
costuma ver: está tomada por casas, não tem gramados, bancos, enfim, nenhum espaço livre para o lazer. Como continuar chamando o logradouro de
praça?
Além disso, no Bom Retiro não há parques de diversão. Embora o Parque de Recreação Manoel Nascimento Júnior
fique bem pegadinho, entre o Jardim Castelo e a Areia Branca, anda tão abandonado e sem atrações que não desperta interesse em moleque algum.
Em compensação, o bairro é sede do Horto Municipal, a ampla área verde de onde saem as árvores, flores e
folhagens que ornamentam todos os jardins e ruas de Santos. Mas quem conheceu o Horto em outros tempos, vive indagando se tê-lo em seus limites
ainda representa um motivo de orgulho para o Bom Retiro.
Essas pessoas querem dizer que o Horto anda abandonado demais. O campo de futebol vira um lamaçal nos dias de
chuva, está cheio de mato e com as grades de proteção enferrujadas e oferecendo perigo. As telhas dos vestiários ostentam furos enormes, as
torneiras desapareceram e o chão vive imundo. Do banheiro, todos devem passar bem longe: é uma vergonha maior que o trajeto de Santos a São Paulo.
Apenas o lago continua bonito, com seus gansos e patos nadando. Os menores se divertem com os macacos, o que não
acontece com os maiores, que acabam achando o Horto muito monótono.
Quem já tem seus 10, 12 anos de idade prefere as velhas e gostosas partidas de futebol, tão intimamente ligadas
à infância dos meninos deste país. Até pequenas traves são colocadas no meio da rua, extensão dos quintais nesse bairro onde se registra pequeno
movimento de veículos.
Há um único lugar no Bom Retiro onde se formam filas de carros e há algum corre-corre: junto à Bica do Ilhéu.
Dizem que lá jorra a melhor água de Santos. Vem geladinha como ela só, transparente, bonita de se ver e gostosa de se beber.
Ruas pavimentadas, um fator de valorização de casas e terrenos - Fora os atropelos junto à bica, o Bom
Retiro se caracteriza como um bairro sossegado, com quase 400 residências e poucas casas comerciais. Como se trata de um lugar novo e onde vive
uma população de classe média baixa, ainda se vê muitas moradias em construção, embora com os habitantes já dentro. Vão sendo terminadas aos
poucos, conforme sobra um dinheirinho: numa falta o acabamento com azulejos ou pastilhas, noutra o revestimento de cimento; numa terceira, o muro
está apenas começado. Em várias delas, as calçadas estão por fazer.
Mas, por ter sido um bairro projetado, o Bom Retiro dispõe de melhorias que outros, muito mais antigos,
reivindicam, como o asfaltamento de ruas. Com exceção da Rua Antônio Freire, que ficou à espera de obras de infra-estrutura de esgoto, todas as
demais são pavimentadas.
Por essas e por outras, o Bom Retiro se consolida e se destaca como um dos melhores da Zona Noroeste. O metro
quadrado de terreno custa de Cr$ 5 mil a Cr$ 8 mil, e o valor venal da maioria das casas ultrapassa Cr$ 3 milhões. Em resumo, quem tem casa ou
terreno lá, nem pensa em se desfazer.
Ronaldo e o barco que construiu
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