A chamada Pedrona parece solta e prestes a cair,
mas ninguém tem medo e a criançada gosta de brincar por perto
O dia-a-dia de um morro
Visto de longe, o Morro do Pacheco parece uma pirâmide
invertida. Começa estreito em baixo, uma ou duas casas em cada lado da escadaria, mas a partir da mercearia da Elsa os caminhos de acesso às casas
começam a se multiplicar, de modo que lá no alto se ocupa vasta extensão da encosta.
Olhando de baixo dá a impressão de que os chalés estão amontoados uns sobre os outros, tal a proximidade entre
eles. São exatamente 183 casas e uma população de mais de 2 mil pessoas, o que significa que o Pacheco é um dos maiores em número de habitantes,
proporcionalmente ao seu tamanho.
A ocupação data do início do século XX, quando para lá se transferiram principalmente portugueses e espanhóis.
Aos poucos, os nordestinos também se espalharam por aquelas encostas íngremes e hoje em dia constituem a grande maioria. Piauienses então, é o que
não falta por lá.
E por incrível que pareça, há até um tipo de divisão geográfica: à direita de quem sobe, moram os
pachequenses tradicionais, filhos das primeiras famílias que ali chegaram; e, à esquerda, residem os que vieram nos últimos anos e que muitas
vezes são locatários dos imóveis de antigos moradores que se foram.
Conforme conta Anésio Borges, em 1956 ocorreram catástrofes em vários morros de Santos, o Pacheco foi
interditado e muitos tiveram que sair às pressas. Os que tinham uma situação financeira mais estável não quiseram mais enfrentar riscos e partiram
para sempre, levando consigo um pouco da história e das tradições.
A partir desse ano se intensificou a ocupação por parte dos nordestinos, a ponto até de desaparecer o velho e
saudoso Pacheco Atlético Clube. Em seu lugar surgiu o 2 de Dezembro, posteriormente batizado Náutico Atlético Clube.
E as mudanças não pararam aí: antigamente, como a maior parte dos moradores era proprietária, fazia questão de
manter sua casa sempre bem pintada e conservada, por mais simples que fosse. Era motivo de vergonha não ter a casa em ordem, e por isso o morro
parecia mais bonito e colorido. Atualmente, os inquilinos já não têm esse cuidado, e apenas os velhos pachequenses ostentam imóveis
impecáveis. Há que se ver a beleza das casas dos Borges, pintadas de verde e azul. Logicamente, isso não desmerece os nordestinos, porque, com a
vida que levam, ajeitar o barraco tornou-se supérfluo.
Diso e a dificuldade para explicar porque ama o morro
Como o pessoal se
organiza e os mistérios das encostas - E que não se pense que o Pacheco é uma desorganização total, só porque visto de baixo parece um
amontoado de casas. Pois saibam que existem três bairros - Calera, Baixada e Grota -, além de outros pontos de referência, entre eles o
Buraco da Piedade (nome dado ao barranco onde dona Piedade rolou certa vez. A mulher só se salvou porque o bananal e a copa de outras árvores
amorteceram a queda e impediram que caísse em plena pista da Avenida Martins Fontes).
A chamada Pedrona também faz parte da história do morro. Trata-se de um enorme bloco de pedra, situado
num dos pontos mais altos, e aparentemente prestes a rolar encosta abaixo, provocando danos de proporções imprevisíveis. Mas, como bem lembra o
Diso, muita gente que disse que a pedra ia cair já morreu e ela continua firme, indiferente aos boatos que correm.
Qual morador não sabe indicar onde fica o Chapadão do Cruzeiro? Até crianças como a Acácia e a Joselita sabem o
modo mais fácil de se chegar até ele, que corresponde ao ponto mais alto do morro. O mais alto e misterioso, porque segundo os boatos que correm
por lá ninguém nunca conseguiu instalar um cruzeiro para se aproveitar a planície e rezar missas. Ou melhor, alguém colocava a cruz, mas logo uma
tempestade a destruía. Quando o pessoal ia ver, estava toda estraçalhada. Tem moleque que treme quando pensa nisso em noite de lua cheia.
Gente da "velha-guarda" gosta também de falar sobre um túnel igualmente misterioso. Dizem
que ele oculta um tesouro, mas quem se atreveu a procurá-lo só encontrou ossos. Alguns acreditam que possa até haver um tesouro mais para o fundo,
só que ninguém consegue penetrar muito além dos primeiros metros: falta o ar, vela e lampião se apagam. É mais uma para os respeitáveis avós
contarem aos netinhos!
O dia-a-dia de um lugar cantado em prosa e verso por seus moradores - A verdade é que, esquecendo-se a
vida dura que muitos levam, o Pacheco proporciona um passeio bem gostoso. Conforme a pessoa sobe, o Estuário, a Ilha Barnabé e boa parte do Centro
vão surgindo sob os seus pés, e dificilmente alguém consegue esquecer paisagem tão interessante. Quando está para chover, o mar fica escuro e "pedregulhento",
mas em compensação, nos dias de sol, "parece a praia", como compara sorridente a menina Acácia.
Tim e a dificuldade para explicar porque ama
o morro
A
criançada sobe e desce correndo com sacolas coloridas na mão, acompanhando o ritmo rápido das águas servidas que escorrem entre as pedras,
proporcionando um barulho semelhante ao de uma pequena cachoeira. No alto tem um campinho e seja qual for o dia da semana o céu do Chapadão do
Cruzeiro vive forrado de pipas. Sem contarem com áreas de lazer, os pequenos inventam suas brincadeiras e não trocam o Pacheco por lugar nenhum do
mundo.
E isso de inventar brincadeiras sempre foi uma característica da molecada de lá. Basta lembrar o "esquitamanco",
praticado tantas vezes por "seu" Fernandes e muitos outros. Depois de molhar e aplainar uma barreira com declive acentuado, de barro vermelho, os
meninos calçavam seus tamancos sem salto, previamente alisados em uma pedra, e desciam em velocidade vertiginosa. Quando não, brincavam de
derrubar o "capitão", caroço de abricó que encabeçava uma fileira deles. Atiravam um caroço de longe e recolhiam os "feridos". Quem acertasse o
"capitão" ganhava o jogo porque podia recolher todos os demais "soldados".
Por tudo que a gente observa, entende porque o pachequense gosta tanto de seu morro, apesar das
reivindicações nunca atendidas. Há anos o pessoal pede a instalação de áreas de lazer nos terreirões (um dos principais pedidos da turma da
Calera) e uma estrada que minimize o sofrimento de quem sobe e desce diariamente, com ou sem pacotes na mão. No mínimo, no mínimo, pedem a
construção de suportes ao longo da escadaria, onde possam apoiar botijões de gás e outros pesos e dessa forma descansar um pouco.
Os moradores chegam a ser modestos em seus pedidos, porque sequer reivindicam a realização de obras recomendadas
pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), serviço inteiramente de competência da Prefeitura. Eles próprios se encarregam do mais urgente, do
contrário...
Por essas e por outras, a cotação do prefeito Paulo Gomes Barbosa, morador de outros tempos, anda um tanto baixa
por lá. O arco que ele construiu pensando em embelezar a subida, segundo alguns parece uma "entrada de cemitério". E a história dele instalar seu
próprio busto à direita de quem sobe continua dando o que falar. É, realmente o pessoal prefere o Paulinho, ponta-direita do Náutico AC, ao
administrador...
Mas os problemas enfrentados por anos seguidos não impedem o pachequense de ficar com o peito estufado. O
Efraudísio, ou simplesmente Diso, nascido e criado no Pacheco, se atrapalha todo na hora de explicar porque aquele é o melhor morro de
Santos, "não desfazendo dos outros". Põe a mão na cabeça, se remexe na cadeira e não encontra palavras: "É um paraíso", resume com toda a sua
simpatia. O amigo Tim, ex-jogador de futebol, tenta colaborar: "Aqui é bom porque estamos bem no meio de Santos".
Não falta morador para homenagear o Pacheco, em prosa ou verso. E muito do que sentem parece estar resumido
nesse trecho do samba A Voz do Morro:
Muita gente julga
que quem vive no morro
deve ser tratado
à maneira de cachorro
mas saibam
que essa gente
tem direito a ser feliz
pois também trabalha
pra grandeza do País
tem seus ideais
e também tem sua fé
quem vive na cidade
só pode ser igual
pois melhor não é |
Casarões com amplas varandas e roupas nos varais, cenas típicas do Pacheco
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