A Banca, em foto de 1865: no canto direito aparece o
Hotel Palm. O prédio novo, que avança no mar, é o da Recebedoria de
Rendas (antes denominado prédio do Consulado) e ao fundo vê-se a Igreja do Carmo.
Em primeiro plano, um trapiche para o acesso às embarcações
Carlos Vitorino, em seu livro Reminiscências, foi testemunha da intensa movimentação do logradouro pelo
menos em 1875-1880. Com trapiches muito conhecidos nas imediações, o popular Largo da Banca efervescia de atividade dia e noite. E, como
tudo, era rudimentar!
O transporte de sal dos navios para os armazéns era feito por meio de caçambas puxadas por um só animal. A sacaria
de algodão e aniagem equilibrava-se na cabeça de corpulentos crioulos estivadores, enquanto a madeira, ainda bruta, em vigas descomunais, saía dos
patachos procedentes do Sul para ser aparelhada na serraria de Jacob Emmerich, dos primeiros industriais em Santos.
Congestionamento - Carga dificultosa, a das caldeiras vindas de portos estrangeiros. De bordo para a
carroça baixa e especial, o pesado volume demandava esforços hercúleos. E quando já na carroça, após intensa energia, o veículo empacava. Caíra num
buraco. Verdadeira tormenta. Pobres animais! Levavam bordoadas em todas as partes do corpo. Muita gente ao redor para assistir ao espetáculo já
rotineiro naquela Santos de 1875.
Alguns circunstantes, resolutos, de boa índole e melhor ânimo, faziam força para safar a roda da cova, mas qual! O
buraco era fundo. (...) Quando afinal a carroça ficava livre do barranco, os animais, trôpegos, puxando a enorme caldeira se punham em marcha,
muitas outras carroças também ficavam livres e continuavam a caminhada que o acidente as paralisara, por congestionamento do espaço.
Pinga e tudo o mais - Mas a Banca tinha muitos outros aspectos negativos. Brigas lá se sucediam de
meia em meia hora, em que também se envolviam marinheiros embriagados. Não faltavam botecos. Muito menos pinga! Predominava na Banca o Hotel Madrid,
que recebia mulheres de vida airada e lá faziam a vida. (...) Ponto de gente arruaceira e valentona.
Anos antes do funcionamento do Mercado Provisório no Largo dos Gusmões, em 1880, a
Banca transformava-se em tumultuada e babilônica feira-livre. Assim foi com a banca de peixe. Assim se verificou com um punhado de negociantes
de meia-tigela que, não alugando dependências, montavam barracas ao ar livre, nas calçadas ou em qualquer canto do logradouro, com toldo suportado
por quatro paus velhos, e ei-los em pleno exercício de comércio, sem licença de ninguém, no arrepio das posturas municipais, a concorrer com
negociantes legalmente estabelecidos.
30 Quilos e Maria Mixola - Do mesmo modo sucedeu certa
ocasião com um espanhol rústico, Domingos de Tal, que montou barraco sumário com toldo apodrecido e, indiferente à regularidade de tradicionais
quitandeiros, instalados em casas apropriadas e devidamente licenciados, comprava verduras, legumes e frutas, a dinheiro contado, das embarcações
que ancoravam no cais ali defronte e, sem qualquer cerimônia, apregoava os produtos, que, para ele, pesava cada peça 30 quilos. E daí seu apelido de
30 Quilos. O espanhol fez diabruras na Banca, de que se tornou senhor.
Como sua figura grotesca pouco ajudasse, valeu-se de outra, também burlesca, a Maria Mixola, tipo de mulher
decidida mas escandalosa, com ela juntando trapos. Enquanto 30 Quilos cuidava das couves, alfaces, pimentões e bananas, Maria Mixola
fazia das suas, costumando, por exemplo, atrair a cobiça de homens; não raro atirava-se à noitinha às águas sujas do Estuário quase desnuda ou pelo
menos com o busto inteiramente despido, oferecendo espetáculo de concupiscência a muita gente.
Política - E nos dias de eleições? Os ajuntamentos, os comentários, os palpites, as discussões e os
desentendimentos não raro se verificavam na Banca, onde se reuniam os lavradores provindos de sítios das cercanias e desembarcados no
ancoradouro fronteiro, enjambrados, com o indefectível cigarro de palha, consignados ao partido político dominante. Eram votos certos, de cabresto,
em troca de terno de brim amarelo, chapéu de três bicos, e botina amarela bico 44, tudo posto à sua disposição, por meio de vales no Palais Royal,
nas proximidades.
Duas as facções, as dos liberais e dos conservadores. Conhecido o resultado do pleito, à noitinha, o partido
ganhador - quase sempre os liberais - organizava passeata festiva com a banda musical de Luís Arlindo da Trindade.
Nem sempre as eleições decorriam em clima de tranqüilidade. Numa delas o pau roncou exatamente na única seção
eleitoral. Sabem aonde? Na antiga Matriz, na Praça da República. Foi chinfrim pra valer. Socos, pontapés, urnas, cadeiras, mesas e outros móveis
virados e mais ainda. O Cônego Scipião Junqueira, Vigário de Santos, foi enérgico. Proibiu que as eleições se efetuassem em templos, que não eram
lugar de depravações públicas.
A Banca, para onde convergiam os bambas doutro século, foi um dos quadros mais populares e originais da
rude paisagem santista doutros tempos. |