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Aventuras de Patolo e Patilda    (3)

Hamleto Rosato (com desenhos de Dino e Lobo)

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Patolo e Patilda chegaram em casa. Atenciosa e vendo seu irmãozinho ainda mancando, Patilda foi buscar um balde. Colocou-o perto de um banquinho, no quarto de Patolo. Com uma jarra pôs boa quantidade de água. Depois pegou um bom punhado de sal e misturou na água. Chamou Patolo: "Venha cá. Coloque o pé pisado dentro do balde".

Patolo obedeceu, enquanto Patilda sentou-se numa cadeira perto do irmão.

- Daqui a pouco você estará bom. Fique uns 10 minutos assim. Nós não fomos muito felizes no passeio que demos. Havia muita gente na rua. com esse negócio de eleição os homens ficam agitados. Discutem e às vezes até brigam por causa dos candidatos. Mesmo depois da votação continuam a discutir. Enquanto isso o eleito vai descansar. Vai aguardar o dia da posse. Esquece tudo. Quando se aproxima outra eleição, recomeça a propaganda política. Voltam as discussões. Os políticos continuam subindo, enquanto o povo continua sofrendo. Sempre foi assim. Por isso, Patolo, eu acho que nunca o pobre deve meter-se a tal de cabo eleitoral. O melhor é se afastar de tudo. Pensar em política somente no dia da eleição. Aí, sim, a gente deve votar. Só isso, nada mais.

- Por que você está dando esses conselhos? - perguntou Patolo.

- Eu não estou dando conselhos - retrucou Patilda -, apenas estou contando o que nós vimos durante a visita que realizamos na cidade. Confesso, agora que estamos em casa, que eu fiquei com medo. Todo mundo andava nervoso. Mas tudo passou. Qualquer dia voltaremos. Agora a cidade está calma.

- Calma, nada - disse Patolo -, o pessoal já se prepara para a eleição municipal. Você vai ver só quantos candidatos vão aparecer. Todo mundo vai querer ser prefeito...

Patilda cortou a conversa: "Sabe o que mais, Patolo? Vamos enxugar o seu pé. Você vai se deitar um pouco, para descansar, enquanto eu vou arranjar um cafezinho com bolachas. Hoje nada mais podemos fazer".

De fato, Patolo foi para a cama. Patilda saiu do quarto e voltou, depois de cinco minutos, com uma xícara de café com bolachas.

Patolo, rindo, exclamou: "Aí, minha empregada, faça jus ao ordenado que eu pago para ser servido..."

Com as seis pancadas batidas pelo relógio, Patolo acordou. Abriu os olhos, sonolentamente, bocejando. Viu que a luz estava acesa. Pensou com ele: será que já é de madrugada? Não ouvia ruídos. Tudo era silêncio. E para certificar-se deixou a caminha, encaminhando-se para a porta. Abriu-a e satisfeito ficou quando viu movimento, escutou barulho. Sentiu o cheiro característico da cozinha. Um cheirinho gostoso, tão conhecido. Sorriu. E mesmo antes de deixar o quartinho gritou: "Patil... dá, á, á,..."

- O que é, Patolo? - responde a irmã -. Que aconteceu? Caiu da cama?

A resposta veio breve: "Onde é que você está?"

- Estou na sala, lave-se e venha cá.

Assim fez Patolo. Depois encaminhou-se para junto de sua irmã. E destrelou a língua: "Caramba, tive um sonho gozado. Sonhei que quando nós estávamos na cidade o presidente eleito passou por nós, acompanhado de uma porção de gente e disse para mim: Patolo, quando eu tomar posse vou mandar buscar você e Patilda para conhecerem Brasília. Eu soube o que você fez para salvar o pintinho. Fiquei gostando. Assim, desejo que vocês conheçam a nova capital do Brasil..."

- Chega com esse sonho - atalhou Patilda -. Você fica inventando coisas. Depois então quer realizá-las. São seis e vinte. Mais um pouco e nós jantaremos e vamos olhar a cidade.

Dez minutos após jantaram, foram dar uma voltinha. Sentaram-se numa pedra e ficaram olhando a cidade. As praias todas iluminadas. De vez em quando subia aos céus um rojão. Os rojões foram surgindo, de todos os bairros: Marapé, Macuco, José Menino, Vila Matias, Ponta da Praia, Campo Grande, de todos os lados. Patolo ficou admirado e perguntou:

- Ué, Patilda, hoje é feriado ou o Santos ganhou mais um jogo?

- Você é mesmo esquecido, Patolo. Não se lembra que houve eleição e eles estão festejando a vitória do presidente eleito?

- Ah, é verdade. Nem me lembrava.

Morta a curiosidade, reinou silêncio entre os dois irmãozinhos. Lá em baixo, espoucavam os foguetes e rojões.

Durante meia hora Patolo e Patilda permaneceram apreciando os rojões e foguetes que espoucavam. O espetáculo era bonito. A lua refletia-se nas ondas que vinham morrer nas praias. A noite estava bela. Isto contagiou Patolo. Mesmo bocejando, pois o sono estava chegando, ele falou: "Patilda, como Braz Cubas foi um homem inteligente em fazer esta bela cidade, não?"

- Patolo - esclareceu Patilda -, Braz Cubas não fez a cidade. Ele fundou a cidade de Santos. Foi ele quem fundou também a primeira Santa Casa. Fundada a cidade, ela foi aos poucos se povoando, isto é, começaram a chegar estrangeiros...

- Estrangeiros ou portugueses? - perguntou Patolo.

- Infelizmente, as leis brasileiras consideram os portugueses como estrangeiros. Isto não está certo. Veja você: eles descobriram o Brasil, fundaram cidades, trabalharam a terra, falam o mesmo idioma que nós falamos; têm os mesmos sentimentos, vivem conosco como se fosse uma só família...

- É, você tem razão - cortou Patolo -. Os portugueses vieram para cá e depois nós achamos que eles não mandavam em nada?

- Não é bem isso, Patolo - esclareceu Patilda -. O Brasil tornou-se independente de Portugal em 1822 e, conseqüentemente, os portugueses passaram a ser considerados estrangeiros.

- De qualquer maneira não está certo. Eu acho que nós devemos corrigir isto...

- Bom, Patolo, está ficando tarde. Esse assunto é muito longo. Vamos deixá-lo para outra ocasião. Agora, vamos dormir...

Depois de lavarem as mãos, Patolo e Patilda foram dormir. Dez minutos depois, ambos estavam em outro mundo, dormindo a gosto...

A Lua, lá fora, caminhava entre as estrelas, serenamente.

Patolo começou a mexer-se na caminha. Seu peitinho arfava. Desapareceu a lua. Surgiu o sol, um sol muito vermelho. De Santos para São Paulo seguiam vários cavaleiros. D. Pedro I. Patolo estava admirado de ver aquilo. Quando chegaram às margens do riacho que ficava à entrada de S. Paulo, surgiu, em sentido contrário, um outro cavaleiro. Vinha puxando pelo animal, que suava. Chegou-se àquele grupo. Abriu uma pasta e tirou numerosos envelopes lacrados.

Aquele moço de costeleta, de olhos esverdeados, estava com um uniforme bonito. Abriu um envelope. Leu avidamente. Abriu outro e também leu. Ficou colérico. Seu rosto jovem ficou vermelho. Então, sacando da espada, num gesto para o alto, declarou: "Independência ou Morte!" Todos ali retiraram então uma fita que traziam no chapéu. O primeiro foi o moço.

Patolo não tinha chapéu. Sentiu-se envergonhado com o seu bonezinho de jóquei. Mas também gritou "Independência ou Morte". Viu perto de si um pequeno cavalo. chegou-se. Reparou que todos estavam nervosos e que conversavam sobre vários assuntos. Ouviu uns restos de conversa: "...nesta manhã, nesta cidade, nasce um país livre e independente. José Bonifácio tem razão. Vamos seguir para o nosso glorioso destino".

Depois todos montaram a cavalo. Patolo fez o mesmo. Partiram. Patolo, que vinha atrás de todos, também estava começando a ficar nervoso. Os cavaleiros foram se distanciando. Patolo foi ficando atrás... Numa curva do caminho todos desapareceram. Aí surgiu uma onça pintada. O cavalo de Patolo assustou-se. A onça veio ao encontro do patinho. Quando procurava abocanhar a sua perna, Patolo deu-lhe um forte pontapé...

- Ai - foi o grito que Patilda ouviu, vindo do quarto de seu irmão. Correu para lá e viu que Patolo havia acendido a luz.

- Que foi? - perguntou...

- Puxa vida. Sonhei que estava acompanhando D. Pedro I no dia da Independência do Brasil e uma onça quis me morder...

E esfregando o pezinho (ou patinha), contou à irmã o estranho sonho...

À hora do cafezinho, Patolo ainda sentia o pezinho dolorido. Mas, patinho vivo, não se deu por achado. Entrou no pão com manteiga, olhando para Patilda com ar de riso. Esta foi logo perguntando:

- Que há? Parece até que quem sonhou fui eu. Quem devia estar com esse arzinho de riso?...

Patolo compreendeu a ironia da irmã, mas não perdeu vaza para falar:

- Sabe de uma coisa? Se no sonho eu tive coragem de dar um pontapé na onça é sinal de que eu não tenho mesmo medo.

Patilda depositou a xícara no pires e retrucou: "As suas bravatas, só mesmo em sonho. Imagina só você montado a cavalo e dando pontapé em onça, logo no dia da Independência do Brasil. Ah, ah, ah..."

- Ria, sua boba. Você já esqueceu que eu não tive medo e afugentei o gato que queria comer o pintinho? Você não se lembra mais das homenagens que me prestaram? Nunca vi você fazer qualquer coisa igual...

Patilda engoliu em seco. O seu irmãozinho estava com a razão. Mas não se deu por achada e replicou:

- É, você é muito valente. Entretanto, para ir passear eu preciso ir com você. Quando não, sempre acontece alguma coisa, como aquela vez que você foi empinar papagaio...

Agora quem engoliu em seco foi Patolo. Fez-se um breve silêncio. E com muita naturalidade, Patolo mudou de assunto:

- Patilda, e se nós fôssemos dar um passeio ao Monte Serrate? Vamos pelo morro mesmo. Eu não queria, mas vou contar: quando eu acordei prometi que iria na igreja de Nossa Senhora do Monte Serrate agradecer por ter sido sonho...

- Já sei, Patolo. Você quer ir é passear. Vamos. Eu também quero ir à Igreja.

Pouco depois, os dois irmãozinhos puseram-se a caminho. Passaram por um alambique e ganharam um pedaço de cana, já limpa. Foi o quanto bastou para se fazer silêncio. Ambos andavam, preocupados apenas em retirar o sumo da cana... Lá longe, divisaram a igreja.