Tudo começou com um grande sítio. Nem mais, nem menos. Era um sítio de um homem
grandalhão e forte, que recebeu a alcunha de José Menino por pura gozação. Pois, não é que o lugar virou um bairro e acabou batizado justamente
com o apelido do sitiante? E, embora a parte de morro tenha levado o
mesmo nome, pelo que se sabe quem desbravou aquilo tudo foi Joaquim Fraga, dono de terras no ponto mais alto desse lugar que se destaca como o
ponto mais alto de Santos. Naquela época em que viveu por lá, dava para se contar as moradias existentes em baixo.
Aos poucos surgiram casas, pensões, bares e, a partir da década de 1950, ninguém mais
segurou o crescimento: os arranha-céus se multiplicaram, como um claro indício daquilo que se convencionou chamar de progresso. Hoje são 15 mil
habitantes, a maioria satisfeita porque se trata de um bairro bom para se morar.
Os problemas apontados pela sociedade de melhoramentos dependem apenas de um mínimo de
boa vontade dos órgãos competentes para serem solucionados. Nada além de reforma da grade do parquinho de diversão da praia, abrigos de ônibus,
melhor policiamento e outras coisinhas do tipo. As questões mais sérias estão concentradas no morro, onde famílias ocuparam encostas perigosas por
falta de opção.
Histórias de fantasmas, traquinagens de moleques e toda a vidinha daquela gente que
morava no morro e no bairro do José Menino vão surgindo no relato de Fernando Fraga, um contador de causos como poucos. Ele nos conta muita
coisa sobre o passado desse lugar, que hoje tem 15 mil habitantes, muitos edifícios e pensões. É o bairro onde ficam dois grandes clubes - o
Caiçara e o dos Ingleses -, Asilo dos Inválidos e faculdades da São Leopoldo. Há a Igreja da Pompéia, mas muitos preferem fazer devoções junto à
imagem de Nossa Senhora de Lourdes, na encosta do morro, perto de onde anos atrás se abriu um túnel para passarem os trens. E é morro acima que se
acumulam problemas muito sérios: lá vive uma população carente, esquecida pela Prefeitura, que não executa obras, nem mesmo aquelas para garantir
a segurança dos moradores.
A partir de 1950, com a febre imobiliária, começou a transformação do José Menino
"É o fim do mundo. É o fim do mundo". O pânico tomou conta
do Morro do José Menino. Quem mais podia correr, se abrigar em lugar seguro, pedir perdão pelos pecados e tentar conquistar a salvação. Cães
latiam, gatos miavam, passarinhos debandavam deixando para trás penas coloridas.
Tudo porque de repente se avistou lá no céu aquela coisa grande voando como se fosse uma folha arrastada pelo
vento. Lá vinha ela, em direção não se sabe de onde, talvez pronta para lançar sobre o mundo uma maldição qualquer.
Pois a coisa nada mais era do que o Zeppelin, em sua histórica passagem por ares santistas. Seu
Fernando Fraga morre de rir ao recordar a confusão daquele dia e nunca se esquece que o acontecimento acabou lhe valendo uns petelecos da mãe.
Ele lembra-se direitinho, como se fosse hoje: sua mãe havia lhe dado 300 réis para comprar meio quilo de pó de
café no Armazém do José Menino, que ficava nos fundos de onde é atualmente a casa do general Oliva. Vinha descendo o morro tranqüilo, em seu passo
de moleque, e quando estava perto da cachoeira começou a algazarra toda. No minuto seguinte, viu com seus próprios olhos o monstrengo do outro
mundo.
Não deu outra: se preparou para correr, como todo mundo. Mas tropeçou, caiu e perdeu os 300 réis. Quando
percebeu que estava sem o dinheiro, pensou em apelar para a boa vontade do dono do armazém e pedir-lhe que vendesse o café fiado. Mas o homem
também estava apavorado e o garoto Fernando retornou para casa de mãos abanando. A mãe, sem querer ouvir muitas explicações, não deixou por menos:
esquentou-lhe as orelhas.
Uma gente simples e boa, sem luz elétrica e sem água encanada - Essa é uma das muitas histórias que
seu Fernando Fraga relembra da infância passada no morro e no Bairro do José Menino. Seu avô, Joaquim Fraga, tinha um grande sítio do ponto
mais alto do morro, destacando-se como desbravador e colonizador do lugar. Deu vida àquilo tudo e sua família era tão conhecida que o local passou
a ser chamado de Morro dos Fraga.
Tudo não passava de um mato fechado quando seu Joaquim chegou. Aos poucos abriu picadas, ajeitou caminhos
e novos moradores se espalharam pelas encostas. Até o final da década de 1930, havia umas 20 casas, algumas cobertas com folhas de zinco, outras
com sapé. Algumas eram de madeira, outras de pau-a-pique, e nenhuma tinha assoalho como se conhece hoje: era de terra batida, como nas
tradicionais casas dos caboclos.
Apenas a casa do doutor Lamara e a do Salvador se distinguiam das demais. Residências boas como aquelas, bonitas
e vistosas, bem pareciam mansões perto das outras. Fora esse doutor, moravam no morro pessoas simples, cujos nomes seu Fernando nunca
esqueceu: Peru, dona Carmen, seu Bernardo, seu João, Juca Peixeiro, 3x2, João Gordo, José Infante,
Lulu, Cesário, João Ferramenta, Mário Come-Boi, Pedro, Bombeiro, Pintado, Pancho, Juca Treuço, Pona,
Nicolau, Nena, Horácio, Tião, Zeca Toucinho, Zé Mentiroso, Lécio Patrício, dona Amália e tantos outros. Na
família Fraga, os donos do sítio, seu Joaquim e dona Juselina, residiam com os filhos Godofredo e Hilário, a nora Augusta e os netos
Fernando e Godofredo.
Pois essa gente toda vivia sem água ou luz elétrica. Lampiões a querosene e lamparinas de azeite garantiam a
iluminação. Para as saídas noturnas, nada melhor do que um tição, ou seja, um pedaço de madeira com a ponta lambuzada de resina. Graças a esse
material, a chama não se apagava e o pessoal ficava livre das cobras e dos mosquitos.
Quem não tinha poço recorria à cachoeira, que até hoje continua derramando água pelas encostas. Só que as águas
são escuras, devido ao esgoto que se mistura a ela, morro abaixo, no percurso até o sopé. Foi-se o tempo em que as lavadeiras aproveitavam aquele
líquido transparente e cristalino para lavar roupa. Chegavam cedo com seus tachos e passavam horas de cócoras, batendo as peças na pedra para
clarear.
Todo mundo criava animais, principalmente porco, galinha, pato, marreco e outras aves. A fartura do sítio dos
Fraga nem tinha comparação. Porcos não faltavam, e vez ou outra seu Joaquim matava um e dividia com a vizinhança. O que era de um, era de
todos.
As árvores garantiam frutos o ano inteiro. Havia laranja, pitanga, jabuticaba, tangerina, café, goiaba, um
canavial vistoso e até cidra. Seu Fernando lambe os beiços ao relembrar os doces de cidra que a avó preparava. E como se esquecer do
caramanchão e de sua sombra gostosa, do engenho e do caldo de cana feito por seu Joaquim?
Godofredo Fraga morre na Revolução de 32 e é considerado herói - Nesse sítio tão bom de se morar nasceu
Godofredo Fraga, que é tio de Fernando Fraga e deu nome a uma das ruas de Santos. Ele participou da Revolução de 1930, com apenas 17 anos de
idade, e dois anos mais tarde, na Revolução de 32, foi metralhado em um momento de trégua, na Estrada de Lorena, cidade do Interior.
Seu Fernando sente o maior orgulho desse tio e conta que, quando ele morreu, a tristeza tomou conta do
morro. Godofredo era desses moços alegres, que cativa todo mundo. Boêmio como ele só, gostava de participar de serestas como ninguém. Nessas
ocasiões, fazia misérias com as cordas do violino ou do cavaquinho e muita gente ficava de boca aberta diante de tanta habilidade.
Vivia às voltas com os pássaros, observando seu vôo manso e admirando a beleza de suas penas coloridas. E havia
passarinhos aos montes no Morro do José Menino: curió, azulão, coleirinha, pixoxó, pintassilgo e tantos outros que cantavam feito loucos de manhã
e ao cair da tarde.
A última carta que Godofredo escreveu, a 22 de agosto de 1932, seu Fernando guarda como uma verdadeira
relíquia. E com orgulho não menos evidente conserva o diploma conferido ao tio, numa homenagem póstuma da Associação dos Veteranos de 1932 - MMDC.
Ano passado, quando da comemoração do cinqüentenário de sua morte, seu Fernando dedicou-lhe um poema -
Saudação a Godofredo Fraga -, que começa com a seguinte estrofe:
Santos foi seu berço
Lorena sua sepultura
Deu a vida por São Paulo
e ao Brasil sua bravura |
Por se tratar de alguém reconhecido como um herói do morro e levando em conta tudo o que a família Fraga fez
pelo lugar, seu Fernando reivindica a instalação de seu busto na divisa entre Santos e São Vicente, no local onde estava a Estátua do
Pescador. Anda às voltas com a idéia há tempo e espera receber apoio da municipalidade.
Casos inexplicáveis e histórias de assombração só para meter medo - Entre o que viu e viveu naquela
época, seu Fernando até hoje não consegue entender aqueles fatos misteriosos que começaram a acontecer depois da morte do tio. O violão e o
cavaquinho de Godofredo Fraga ficavam pendurados num suporte do forro. Após alguns dias do seu falecimento, a família passou a ouvir acordes, à
noite, como se alguém estivesse tocando os instrumentos. Às vezes era o som do violão, às vezes do cavaquinho. Seus pais se punham a rezar, e até
que um dia o som deixou de ser ouvido.
Quem morou no morro naquela época nunca se esquece de outro caso também inexplicável. Certa vez o Pona
caminhava morro abaixo e, quando estava perto da cachoeira, escorregou, bateu a cabeça e morreu com os braços abertos, feito Cristo. Por muito
tempo, naquele local se ouviu gemidos e lamentações. Muita gente ficou assustada e deixou de passar por lá.
Esses casos nunca ninguém conseguiu explicar, mas há outros envolvendo o sobrenatural que acabaram
desvendados. Seu Fernando Fraga conta que, em noites de lua cheia, as famílias se reuniam para conversar na laje, uma pedrona
achatada, boa para se sentar. Iam as crianças, homens e mulheres, estas com seus vestidos de chita até o tornozelo e chinelos nos pés.
A conversa se estendia noite adentro, a menos que o fantasma aparecesse, com seus braços abertos e voz
cadavérica, dizendo: "É hoje, é hoje". Nessas ocasiões, não restava ninguém na laje. Quem mais podia correr, largando para atrás a comadre, o
compadre e suas histórias boas para espantar o sono. Até que um dia descobriram: a assombração era apenas um camarada que se vestia de branco para
pregar peças no pessoal.
O padre misterioso, que perambulava por perto da cachoeira, de guarda-chuva na mão, também deu muito o que
falar. Quantos o viram em noite de lua cheia, solitário e enigmático. Mas também ele era de mentira: apenas um rapaz que se fazia passar
por padre para namorar uma moça às escondidas.
Os moleques, que sabiam o medo que o pessoal tinha do sobrenatural, aproveitavam para aprontar das suas: faziam
caveiras com mamão verde, retirando o miolo e abrindo os orifícios correspondentes à boca, ao nariz e aos olhos. Depois, punham velas
acesas dentro e espalhavam pelos morões da estrada. Não havia quem não se assustasse ao deparar com os monstrengos luminosos.
Mas boa mesmo foi aquela que aprontaram para o Zé Mentiroso. O rapaz ficou famoso por contar mentiras das
mais cabeludas com a cara mais séria do mundo e ser corajoso como poucos. Certa vez, os amigos quiseram testar sua coragem: perguntaram se ele
cortaria um cacho de bananas no bananal de um senhor já falecido, numa sexta-feira, à meia-noite. Em troca, receberia algum dinheiro.
Na data combinada, Zé Mentiroso se meteu no bananal com uma foice na mão. Quando levantou o instrumento
para cortar o cacho, ouviu uma voz: "Não corta isso que tem dono". O Zé parou, olhou para os lados e resolveu tentar de novo. Pois não é
que ouviu a mesma frase, vinda de um ponto diferente do bananal?
Na terceira vez, cortou o cacho, mesmo com a voz ameaçadora insistindo em dizer que aquilo tinha dono. Saiu com
as bananas pela mão e correu em direção à laje, onde um grupo de moradores o esperava. Largou-as lá, passou a mão no dinheiro e deu no pé,
dizendo: "Pega isso que o dono vem atrás".
Zé Mentiroso só não sabia que a voz cavernosa era dos amigos, que se esconderam atrás de diferentes
bananeiras. O caso rendeu assunto para muitos dias.
Samba com bumbo e palmas, no tempo das preguiças e raposas - Coisas como essa distraíam o pessoal, porque
o morro quase não tinha atrações. A maior delas era o rádio de galena de dona Carmem, a única que dispunha de tal aparelho. A antena feita com
dois bambus e um fio de cobre esticado captava as ondas sonoras, ainda que precariamente. Formavam-se filas imensas de moradores interessados em
ouvir os sons misteriosos que vinham de dentro do aparelho.
No mais, o pessoal se divertia fazendo samba e batucada. Um bumbo garantia as batidas mais firmes e, de resto,
homens e mulheres marcavam o ritmo, batendo palmas e os pés no chão. Era o chamado samba do morro, que de vez em quando ganhava o toque
especial de algum clarim.
"Hoje tem samba na casa do Pedro. Amanhã tem samba na casa do João". Quando escurecia, lá estavam todos,
preparados para varar a noite sambando. Desse jeito se comemorava os aniversários, e não com bolo e velinha, como se faz tradicionalmente.
Fora essas ocasiões ou noites de lua cheia, o morro dormia cedo. Afinal, um dia de muito trabalho esperava os
moradores. Nem as crianças escapavam de terem que pular da cama bem cedo.
Quantas e quantas vezes seu Fernando e o irmão não saíram de casa às 6 horas para buscar leite lá no
Escolástica Rosa? Naquela época, o Governo oferecia seis garrafas por dia para as mães que não dispunham de leite para amamentar os filhos.
A passagem do bonde custava 200 réis, e como nem sempre dona Augusta dispunha dessa quantia, os garotos iam a
pé. Andavam aquilo tudo e retornavam às 8 horas, em tempo de partir para a escola. Entravam às 10 horas na Escola Brás Cubas, na Avenida Pinheiro
Machado, 707, e, para chegarem no horário, saíam de casa com duas horas de antecedência.
As aulas terminavam às 14 horas, e ainda sobrava dia para se embrenhar no mato munido de bodoque e estilingue.
Ou então montar arapucas e mundéus, estes especiais para pegar raposas. Raposas, aliás, havia aos montes no Morro do José Menino. Eram
tantas quantas os bichos-preguiça, mas infelizmente não sobrou nenhum exemplar de nenhuma das espécies para contar a história. Sabe-se que as
preguiças da Praça dos Andradas são remanescentes das que existiam lá.
Seu Fernando passa horas e mais horas revivendo coisas do José Menino. Nunca se esquece do sucesso que o
Pancho fez quando montou um engenho de garapa com o motor de seu táxi, e nem das cenas pitorescas representadas pelos burros seguindo pelos
caminhos, com duas latas de 18 quilos de lavagem penduradas nas cangalhas. E os passeios no cavalo Dourado, quantas saudades deixaram?
Na praia, cabines onde se alugava calções e galpões para batucadas - Quando seu Fernando desceu o
morro para morar na parte baixa do bairro, encontrou a mesma camaradagem que havia lá em cima entre a vizinhança. Ninguém esquecia de dar bom-dia
ou boa-tarde e, no caso dos homens, esse cumprimento era sempre acompanhado do gesto de tirar o chapéu.
O padeiro deixava pão e leite na porta e raramente se ouvia dizer que haviam sido roubados. Coitado de quem
cometia tal delito: só faltava ser crucificado, porque ninguém tolerava esse tipo de coisa. Em casos de doença, o vizinho estava sempre pronto
para preparar um chá e recomendar que o paciente só comesse alimentos bem leves, de preferência canja quase sem sal.
Naquela época, os jamboleiros já ornamentavam a Rua Barão de Penedo, e as estreitas pontes de madeira sobre o
canal da Avenida Pinheiro Machado provocaram muitas quedas de moleques farrentos e adultos distraídos. Seu Fernando levou uns bons tombos
delas, em meio a brincadeiras ou quando seguia para o Externato Lameira, que ficava pegado à atual Escola Estadual Marquês de São Vicente.
A faixa de areia da praia, em frente à Rua Santa Catarina (uma das mais antigas do bairro) era ocupada pelo
famoso Hotel Internacional. Atrás dele havia uma pista de patinação e, ao lado, cabines onde se alugava calções para banhos de mar.
A partir desse trecho e em direção a São Vicente, várias cabines disputavam a preferência dos turistas. A Cabine
do Papai se destacava como uma das mais famosas, pois funcionava como um tipo de pensão e dispunha de um grande galpão para piquenique e
batucadas. Pertencia à família Faccioli, muito conhecida em Santos.
Bem na divisa com o município vizinho, todos tinham sua atenção voltada para o Hotel Bela Vista, envidraçado e
num estilo bastante arrojado para a época. Quem queria dançar, acabava optando pelo barracão de sapé, que ficava onde está hoje o Edifício
Biarritz e, quando se cansava, tomava um caldo de cana preparado na moenda ao lado.
Na Rua Santa Catarina, esquina com Avenida Presidente Wilson, onde é hoje o Restaurante São Paulo, havia o Bar
do Alonso, pessoa muito estimada pelos moradores das imediações. Ao lado, o bonde 3 fazia seu ponto final.
A Usina de Saneamento ocupava exatamente o local atualmente tomado pela Estação de Pré-Condicionamento da
Sabesp, na Praça Washington. Nas dependências da repartição morou o ex-governador do Estado, Paulo Egídio Martins, cujo avô era engenheiro.
Outros detalhes continuam vivos na memória de seu Fernando Fraga: no lugar do Orquidário, havia o campo
do Libertário Futebol Clube e, na atual garagem da Viação Cometa, uma lenharia. A criançada do bairro cansou de catar rãs no charco existente no
final da Rua Godofredo Fraga e, diversão melhor que essa, só mesmo tomar banhos ou catar lagosta e sapateiro (lagosta de ferrão preto) na
represinha formada a partir das águas da cachoeira do José Menino.
Peixinhos dourados, bonitos como eles só, podiam ser encontrados no canal da Pinheiro Machado. Seu
Fernando nunca se esquece que, no dia 2 de novembro de 1940, sofreu um acidente só porque teimou em pescar lá. A mãe não permitiu que ele fosse,
alegando que se tratava de um dia santo. O garoto insistiu e na volta, com o vidro cheio de peixinhos, levou um escorregão e um caco varou sua mão
de lado a lado. Levou cinco pontos, a sangue frio, e não desmaiou.
Em outra ocasião, ficou pendurado de cabeça para baixo em um arame farpado. O menino Fernando viu um balão
estrela, bem caprichado, caindo no pasto adiante. Saiu correndo todo feliz, pois não havia mais nenhum moleque por perto. "Tô sozinho,
tô sozinho", gritava entusiasmado, e na afobação enroscou o pé no arame e virou de ponta-cabeça.
Com seu jeito alegre e extrovertido, seu Fernando aponta uma cicatriz na palma da mão e outra na perna. É
desse que mata a cobra e mostra o pau.
O folião que se casou por correspondência
Esse seu Fernando e sua própria história
Seu Fernando Fraga, esse que contou tantas coisas sobre o José Menino, tem ele próprio uma história que
merece ser contada. Pois não é que se casou por correspondência e a união já dura 32 anos?
Aos 21 anos de idade, resolveu escrever para a seção de correspondências da revista mensal Globo Juvenil.
Na página 65 do exemplar 97, de fevereiro de 1949, lá estavam seus dados publicados. Recebeu 497 cartas e se entusiasmou com uma vinda de
Florianópolis, Santa Catarina. A letra bonita, o português correto e o jeito de se despedir com "um afetuoso aperto de mão" encantaram o rapaz.
Pois vamos ao outro lado. A Wanda e sua prima, de chateadas que ficaram por não as deixarem ir à matinê,
decidiram arranjar rapazes para se corresponder. Ela não se animou muito com a idéia, mas por insistência da prima escreveu para o tal de
Fernando.
E não é que o Fernando caiu de amores? Passou a escrever umas cinco cartas por dia.
Até que um dia a Wanda apareceu em pessoa na sua frente. Veio visitar um irmão em Santos e foi parar lá para os
lados da casa dele. Mais uma vez, a prima interferiu e convenceu-a a procurá-lo. E assim aconteceu.
Em carta datada de 22 de março de 1950, o pai de Wanda, Joaquim Santos, diz que aceita o pedido de casamento,
formulado por Fernando por meio de uma outra carta. E no ano seguinte aconteceu o matrimônio, lá em Florianópolis. E para trazer o bolo de lá para
cá, seu Fernando não deixou por menos: alugou metade de um avião da extinta Panair do Brasil. Nem se importou em gastar Cr$ 1.334,40,
quantia bem grande na época.
Dos quatro filhos do casal, um quase nasceu a mil metros de altura, num avião, e outro quase nasceu num táxi. E
os cinco netos são a grande alegria de seu Fernando. Às vezes, apronta cada bagunça com eles, que dona Wanda tem vontade de jogar um balde
de água fria em cima para ver se apaga o fogo.
E sabe o que mais? Muita gente na certa se lembra de seu Fernando. É aquele rapaz que, por 15 anos,
desfilou no Dona Dorotéia, Vamos Furar Aquela Onda?, fantasiado de Carlitos. Teve ano em que saiu em dois ou três blocos por dia,
fez muita gente rir e conseguiu grandes reportagens de jornais e revistas. Passou para a história do carnaval santista como um folião inveterado!
Não fosse a Ilha de Urubuqueçaba e o tradicional Bonde 2,
muita gente na certa duvidaria que a foto foi tirada no José Menino
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