Aventuras de Patolo e Patilda (2)
Hamleto Rosato (com desenhos de Dino e Lobo)
Patolo e Patilda terminaram o almoço. Comeram ainda um belo
bolo de fubá. Quando se encaminhavam para dar um passeio pelas redondezas, surgiu a galinha, mãe do pintinho que Patolo salvara da boca do gato. Vinha
com uma cesta de ovos, fresquinhos. Abraçando Patolo, exclamou:
- Tome, meu filho. Faça umas gemadas. Estou muito agradecida pelo que fizestes. Salvastes
a vida de meu filho. Serei eternamente reconhecida. Foi um gesto muito bonito, o seu.
Patolo passou para Patilda a cesta de ovos e agradeceu o presente. Aguardou que sua irmã
voltasse, para dar uma voltinha, como tinham combinado. Quando desceram a escadinha, surgiram numerosos pintinhos. Eram os irmãos e primos do pintinho
salvo por Patolo. Trouxeram amoras, goiabas e pitangas. Ofereceram a Patolo, exclamando todos ao mesmo tempo:
- Ao Patolo nada? Tudo! Como é, como é, que é. Ra-tim-pum. Patolo, Patolo, Patolo.
O patinho já se sentia sem jeito com tanta manifestação. Sorriu, agradeceu a todos e foi
levar com sua irmã os novos presentes para dentro. Ao voltar para a porta da rua, pegou um papagaio e disse para Patilda:
- Sabe de uma coisa? Eu vou empinar papagaio.
E lá foi Patolo. Estava feliz. Tivera um ótimo almoço. Comera bolo de fubá. Recebera uma
cesta de ovos, amoras, goiabas, pitangas. No fim ainda recebeu vivas. Era, efetivamente, o herói do dia. Seu peitinho parecia maior. O coraçãozinho
batia violentamente, como a querer saltar. Patolo estava emocionado. Quando deu os primeiros passos percebeu que todos o olhavam com admiração e
simpatia. Patolo continuou o caminho, cumprimentando todos. "B'as tarde".
Patilda ouvia. Em dado momento, entrou no assunto:
- Patolo! Não é b'as tarde. É boa tarde.
Patolo olhou de esguelha, replicando: "Será impossível que você não me deixa em
paz..."
- Não é assim que se fala, Patolo - retrucou Patilda -. Deve-se falar: será possível
e não impossível. Compreendeu?...
- Sabe de uma coisa? - disse Patolo - eu vou empinar papagaio sozinho.
E saiu em disparada...
Ainda ofegante com a disparada que deu e após subir uma
pequena elevação, Patolo parou, contemplando no alto o papagaio que empinava. Dando pequenas cabeçadas, o papagaio brilhava ao sol, que se
espalhava por toda Nova Cintra. Pequena brisa soprava, mexendo com a aba do bonezinho de Patolo. Este dava um pouquinho de linha e depois tornava a
puxar. E o papagaio lá no alto dançava de um lado para outro.
Patolo ainda estava emocionado com as homenagens. Sentia-se realmente feliz. Transcorreram
alguns minutos. O papagaio, lá em cima, dançando, de lá para cá... O vento começou a soprar mais forte. Lá em cima, então, o belo papagaio
de Patolo começou a dar pinotes. Patolo segurou a linha. Procurou puxar. O diabinho do papagaio pulando mais. O vento aumentando de intensidade.
Mais alguns segundos e aconteceu o inesperado: o papagaio começou a ser levado pelo
vento e lá se foi Patolo. Teimosamente segurou a linha. Voou com o papagaio alguns metros. E, sorte dele, uma árvore estava perto. Arrastado para
ela, Patolo, muito vivo, agarrou-se a um grande galho, amarrou a linha. E aí veio o choro. Com o choro, uns gritos: gué-gué-gué...
Patilda, que via o irmãozinho correr, fora à sua procura. Viu, então, a triste situação de
Patolo, que não sabia descer da árvore e tinha medo de cair. Deu umas gostosas gargalhadas, enquanto Patolo, lá da árvore, pedia socorro.
Patilda, mais esperta, pegou um bambu, amarrou uma corda na ponta e disse para Patolo:
"Amarre a corda no galho e desça".
- E como é que eu faço com o papagaio? - perguntou Patolo.
- Deixe-o aí. depois nós viremos buscá-lo.
- Assim eu não quero. O papagaio é meu e não vou perdê-lo.
- Está bem - disse Patilda. E pegou uma corda mais fina, amarrando-a também na ponta do
bambu -. Amarre a ponta da linha, que eu faço o mesmo aqui no tronco da árvore. Quando o vento estiver mais brando nos puxaremos o papagaio.
Feito isso, Patolo desceu. Patilda, após uns segundos, falou: "Viu, Patolo, o que valeu
você sair sozinho? Isso acontece aos meninos teimosos. E depois você deve agradecer a Deus não lhe ter acontecido coisa pior. Você não sabe que não se
empina papagaio perto de poste onde tem eletricidade? Pode acontecer de a linha pegar um fio elétrico e você morrer carbonizado..."
Depois da pequena reprimenda ao seu irmão Patolo, Patilda,
mais mansamente, falou: "Você correu um grande risco. Há certos brinquedos que são perigosos. Para se empinar papagaio deve-se procurar um local
amplo, onde não haja postes. Onde não haja árvores. Aí então você pode dar linha à vontade. Sem perigo do papagaio enroscar-se nos fios e nas
árvores. E você também não correrá perigo algum com eletricidade..."
- Você tem razão - respondeu Patolo -, aliás você sempre tem razão. Eu nunca estou certo,
segundo a sua opinião. A verdade é que eu fui homenageado. Queria ver você no meu lugar, quando eu assustei o gato que ia comer o pintinho. Você fala,
mas ainda não vi nada de extraordinário em você. Também não se falou mais no passeio prometido por você. Por que nós não descemos o morro hoje e vamos
ver a cidade lá em baixo? Ainda mais agora que terminou a eleição e o homem da vassoura ganhou? Não viu como o povo
lá em baixo soltou fogos? Todo mundo ficou contente! Vamos lá. Assim nós aproveitamos também para cumprimentar os meninos que escreveram sobre a nossa
Independência. Você viu o resultado do concurso: Três garotos receberam prêmios: a Ezilma, o Geraldo e o Ademir. A
Câmara Júnior ofereceu ao primeiro colocado um belo troféu e os tios Wadih Pedro e Calpetus também ofereceram prêmios. Dizem que na entrega dos prêmios
houve uma reunião no auditório de A Tribuna. Por que também não vamos visitar esse jornal? Todos os meninos dos colégios têm ido lá. Vamos ver as
máquinas que escrevem todos os jornais...
- Patolo, você está enganado. As máquinas não escrevem os jornais. Elas imprimem. São
numerosas as máquinas. Eu já vi um jornal. Tem linotipos, tem a impressora, ou melhor, a rotativa, tem fundidora, tem máquina de gravar, enfim, tem uma
série de máquinas para se fazer um jornal...
- Caramba, Patilda, você conhece um bocado de coisas. Fala sobre isso tudo só para eu
esquecer do passeio. Você está querendo me levar na conversa...
- Não estou, não. Você é que é impaciente. Não tem paciência de esperar. Eu não falharei
com a palavra empenhada. Qualquer dia destes, nós desceremos o morro e iremos visitar a cidade, lá em baixo. Depois, num outro dia, iremos tomar um
banho de mar, na praia do Gonzaga...
Patilda acordou cedo. O sol estava nascendo. Foi à janela e
apreciou o belo espetáculo. Tomou o cafezinho. Foi ao quintal. Aspirou o ar puro de Nova Cintra. Olhou a praia. Ficou ali alguns minutos. voltou para
casa e dirigiu-se ao seu irmão. Um pensamento dançava em seu cérebro. Acordou Patolo. Este abriu os olhinhos de leve. Fez a primeira pergunta: "Que
horas são, Patilda?"
- Sete. Levante-se. Vamos dar um passeio.
Ao ouvir isso, Patolo mais do que depressa pulou da cama. "Oba! - exclamou. - Até que
enfim você resolveu. Mas tem que ser lá na cidade. Vamos ver o movimento".
Patolo, já arrumadinho, tomou o seu café. Estava ansioso. Encheu a boca de pão com
manteiga. Tentou falar e não pôde. Patilda aproveitou o momento e exclamou:
- Não precisa comer dessa maneira, Patolo. Mastigue bem. Você não sabe que mastigando bem
os alimentos a digestão é mais fácil? Enquanto se come também não se deve falar.
Patolo ia responder. Pensou um pouco e ficou firme. Sabia que dependia de Patilda o
passeio. Não queria confusão. Prosseguiu comendo com mais calma. Pouco depois, ao findar o seu café, levantou-se e exclamou: "Então vamos embora".
Patolo e Patilda desceram o morro. Ambos vinham contentes. Patolo, porém, estava mais
entusiasmado. Tomaram o bonde 16. Desceram na praça José Bonifácio. Patolo viu o monumento dos Soldados
Constitucionalistas. "Que bonito", exclamou.
A pé, dirigiram-se para o centro da cidade. Os rádios estavam ativos, dando o resultado das
eleições. Muita gente nas portas dos bares e dos jornais.
Patolo e Patilda quase não conversavam. Apenas caminhavam, vendo vitrines. Observando
tudo, como se fossem seres de outro mundo. O silêncio foi cortado por Patilda: "Patolo, hoje não poderemos aproveitar bem. Tem muita gente. Mas nós
voltaremos qualquer dia".
Patolo aceitou a sugestão. Encaminharam-se para o ponto do bonde.
Subiram e sentaram-se. Muita gente. Bancos cheios.
Nisso entrou uma senhora. Ficou de pé. Entraram outras pessoas. Patolo sentado. Um
passageiro pisou no pé de Patolo. Este sentiu dor, mas agüentou a mão. Quando chegaram no ponto final, Patolo explodiu: "Você viu aquele estúpido? Pisou
no meu pé".
Patilda revidou logo: "Bem feito, por que você não cedeu o lugar para aquela senhora de
idade?...
Ainda no ponto final do bonde 16, Patolo e Patilda continuavam
a conversa.
- Eu não cedi o lugar para aquela senhora que subiu no bonde porque tinha vários marmanjos
e se conservaram sentados. Por que tinha que ser eu o educado?
- Está vendo, Patolo - respondeu Patilda -, você mesmo diz que não quis ser educado. Fez o
que fizeram aqueles marmanjos. Não teve, como eles, a delicadeza de ceder o lugar. Quem tem educação deve ceder o lugar às senhoras, às crianças ou às
pessoas mais idosas. Sempre foi assim...
- Mas agora não é - respondeu Patolo -. Ninguém mais cede lugar nem nos bondes, nem nos
passeios...
- Patolo - acrescentou Patilda -, não vamos ficar aqui, parados. Vamos para casa. No
caminho conversaremos.
O patinho começou a andar. Andar mesmo não é o termo. Começou a mancar. Doía-lhe ainda a
pisada que levara do brutamontes. Ainda via estrelas...
Patilda
reiniciou: "Sabe de uma coisa? Nós não temos nada com as pessoas que não têm educação. Cumpramos nosso dever e deixemos o resto. Você devia ter cedido o
lugar. Teria praticado uma boa ação e evitado a dor que sentiu..."
- Sentiu, não, pois eu ainda estou sentindo. Mas não faz mal. Nunca mais eu deixarei de
ceder o meu lugar às senhoras, quando isso se tornar necessário...
- Isso não é nada, Patolo. Quando chegarmos em casa você colocará o pé em água morna com
sal. Cinco minutos depois, você estará novinho em folha...
Patolo, mancando e resmungando, e Patilda, sorrindo de leve de ver o irmãozinho puxar
pela perninha, subiram o morro.
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