Aventuras de Patolo e Patilda (1)
Hamleto Rosato (com desenhos de Dino e Lobo)
Vemos aqui dois patinhos, ou melhor, um patinho e uma
patinha. Ele recebeu, nas águas da Lagoa da Nova Cintra, o nome de Patolo. Ela, sua irmã gêmea, o nome de Patilda. São, pois,
santistas de nascimento. Patolo foi o primeiro a nascer. Desde o primeiro dia demonstrou muita vivacidade. Muito fortinho, nada teme. Assim que teve
forças, caiu na lagoa. Nadou logo nos primeiros instantes. Não esperou que seus pais lhe ensinassem. Patolo é muito vivo, isso logo ficou demonstrado.
Patilda, entretanto, veio bem diferente. Muito calma, gosta primeiro de examinar o terreno
para depois pisar. O que Patolo tem de afoito, Patilda tem de prudente. São completamente opostos, embora sejam irmãos gêmeos.
Um pouco rompante, gabola, Patolo, no primeiro banho, exclamou: "Veja só, mana, como se
nada". E, pumba, atirou-se de uma pedra na lagoa. Todo airoso saiu nadando, mergulhando a cabeça de vez em quando. Um belo dia Patolo tentou dar outra
exibição de natação. Subiu na pedra que ficava à margem da lagoa. Pouco depois, aspirando bem, tipumba, dentro d'água, em gostoso mergulho. Gostoso não,
porque havia um jacaré, que partiu em direção ao patinho. Patolo voltou à tona d'água. Viu o bicho na sua frente. Levou tamanho
susto que começou a falar pela metade.
É por isso que, desde aquela época, não se compreende bem o que os patos falam...
Patolo ainda não estava refeito do susto que o jacaré lhe
pregou. Levantou-se cedo. Na copa, Patilda, já
arrumadíssima, tomava o seu café. E perguntou para o seu irmãozinho: "Que tal, ontem, o jacaré? Viu como ele queria morder você? Sabe por quê?"
Patolo olhou de lado, suspirou e respondeu: "Você diz que é boazinha e não procurou me
defender. Só soube gritar. Se eu não fugisse, nhaque, ele me mordia".
- Eu sabia - respondeu Patilda - que o jacaré se assustaria com os meus gritos. O que você
não sabe é a razão do bichinho ter corrido atrás de você.
- Grande coisa, como é que eu não sei? É porque eu estava perto...
- Não foi por isso - respondeu Patilda -. É que você desobedeceu a mamãe. Ela disse para
nós não entrarmos na lagoa. Recomendou que nós brincássemos ali perto. E o que fez você? Não pôde resistir à tentação de tomar um banho. Caiu na lagoa.
Quis bancar o herói e se exibir. Foi uma tolice, porque eu sei que você nada bem. Acontece, porém, que nem em todos os lugares se pode nadar. Há alguns
lugares perigosos. Na lagoa o jacaré estava ali de olho vivo, à espera de um petisco. Você quase fez a vontade dele. Se você prometer, eu peço à mamãe
para deixar a gente ir dar um passeio. Você promete?
- Prometo. Então vamos.
- Calma - respondeu Patilda -. Tome o seu café. O passeio não é hoje. Vou somente pedir à
mamãe.
Com cara de bebê chorão, Patolo foi para o quintal, correr atrás das galinhas, que estavam
tranqüilamente ciscando...
Revolvendo a terra, à procura de minhocas e pequenos
insetos, umas tantas galinhas ciscavam, entoando uma música em que o refrão era sempre o mesmo: có-có-ró-có, có-có-ró-có.
Patolo, esse patinho levado e, peitudo, foi invadindo a área das galinhas. Estas
não se impressionaram muito com a presença de Patolo. Os pintainhos (é melhor mesmo falarmos pintinhos, porque quem faz o idioma é o povo) ficaram
assustados com as negaças do Patolo. É que o patinho começou a correr por todos os lados. Parava, olhava em torno, gingava o corpinho e se punha
novamente a correr. Bastava encontrar uma bolinha de papel para bancar o Pelé: levantava a perninha e pumba, lá se ia a bolinha de papel atingir a
cabeça de um pintinho.
Patolo estava muito contente. Quando percebeu que os pintinhos se assustavam com a sua
correria, passou a dar pulos, como se fosse um papagaio de papel, que tivesse perdido a cauda. Os pintinhos, gritando os seus piu-piu-piu,
corriam e se escondiam sob as asas da mamãe. Ninguém mais pôde ficar tranqüilo.
Patilda, que se encontrava na janela, viu as bravuras de seu irmão e gritou: "Patolo, vem
p'ra dentro. Não assuste os pintinhos".
- Eu não tenho culpa se eles não são de nada - respondeu. E dirigiu-se para uma poça de
água. Entrou nela como se fosse um foguete teleguiado. A água sobrou por todos os cantos. Patolo ria em ver os pintinhos, que ainda por ali se
encontravam, todos molhados. Tornou a esbaldanar a água para que esta atingisse também as galinhas. Foi a conta.
Uma delas, já enfezada com as peraltices do Patolo, deixou os seus nove pintinhos e correu
atrás do patinho. Este, muito vivo, vendo que ia ser bicado, deu o fora, engatando uma terceira em suas perninhas, rumo à casa. Mas a galinha também
corria. Quando o patinho procurava ultrapassar um montinho de areia, a galinha aproveitou e deu-lhe uma bicada...
Ouviu-se logo o gritinho de Patolo: gué-gué-gué. E o bichinho se meteu numa moita,
escondendo-se da galinha...
Escondido na moita, depois da bicada da galinha, Patolo
observava o ambiente. A galinha, que perdera sua pista, voltou aos pintinhos. Ela já se considerava vingada das peraltices de Patolo, por isso não mais
se incomodou com o patinho.
Patolo, no local onde se encontrava, reparou que um gato, sorrateiramente agachado,
caminhava em direção a um pintinho, que se extraviara. Ali estava um bom banquete, teria pensado o bichano. E continuava em direção ao pintinho
que, despreocupado, ciscava a terra.
Patolo percebeu as intenções do gato. Viu logo que não poderia enfrentá-lo. A luta seria
desigual. Mas o pintinho estava em perigo. Nada adiantava ele fazer barulho. O gato estava já a dois passos do pintinho. Patolo pensou e...
decididamente, partiu para cima do bichano, fazendo grande alarido.
O gato, que não esperava por essa, assustou-se e, como bom gato, deu um pulo para trás. O
pintinho fugiu, correndo para baixo da asa de sua mãe. Era justamente o que o patinho queria. Sem dar tempo a que o gato pensasse, Patolo correu para
casa.
Patilda, que havia assistido tudo pela janela, já se encontrava à porta. Recebeu o irmão
com grande alegria, exclamando:
- Aí, Patolo. Gostei de ver. Foi muito inteligente e destemido. Evitou que o pintinho
fosse para a boca do gato. Você lhe pregou um bom susto. O gato, traiçoeiro, desta vez não levou vantagem. Aliás, Patolo, todo aquele que
traiçoeiramente age, é sempre castigado. Não se impressione que um dia o gato encontrará alguém que o castigue. A sua boa ação de hoje paga pelas
tropelias que você andou fazendo.
- É - disse Patolo -, eu já havia levado uma bicada da galinha...
- Bem, mas você também já havia assustado os pintinhos e, não contente, também molhou as
galinhas...
Nessa altura, Patolo desconversou. Dirigiu-se para a cozinha. Sentia um cheirinho gostoso.
Passou pela copa e tomou um pouco d'água. Patilda, que o seguira, passou por ele e disse: "Vá se lavar porque o almoço vai ser servido..."
Patolo entrou no banheiro. dirigiu-se à pia, pegou o
sabonete, abriu a torneira e, assobiando o samba Aquarela do Brasil, passou a se lavar. Parou uns instantes para melhor lavar a testa e o bico e
continuou assobiando a mesma música. Estava feliz. Pegou a toalha, enxugou-se e saiu do banheiro em direção à copa. Parou um instante, aspirou bem o
cheirinho da comida e encaminhou-se para a mesa. Sentou-se, voltando a assobiar.
Patilda, que não perde oportunidade, foi logo dizendo: "Que é isso, Patolo? Assobiando na
mesa?"
Patolo percebeu que estava errado, porque na mesa não se assobia. Mas não deixou de
retrucar: "Caramba, você não dá folga. Parece até o Zito, do Santos..."
Patilda sorriu e perguntou: "Estou errada? Você vem logo com essa mania de futebol. Eu
também estou contente com a bela e destemida ação que você praticou salvando o pintinho da boca do gato. Tanto que eu pedi para a mamãe fazer um bolo de
fubá para você. É a sobremesa que você gosta..."
- Você é sabida, Patilda. Eu sei que você também gosta desse bolo...
- É claro que eu gosto, mas eu pedi à mamãe porque você hoje mereceu um bolo.
Pouco depois, iniciava-se o almoço. A conversa girou em torno da façanha do patinho.
Patolo era a figura central. Os pais de Patolo trouxeram também guaraná. Era ralmente motivo de festa. Todos estavam contentes. Patolo sentiu-se como se
sentem os heróis. E, festeiro como ele só, sugeriu: "Vamos convidar o Dino, aquele moço que faz o desenho da gente?"
- Hoje, não - respondeu Patilda -. Para convidar o Dino teríamos que convidar
também a turma de A Tribuninha. Convidaremos todos quando você completar um ano de idade. Está bem?
- Ótimo - respondeu Patolo, enquanto segurava uma perninha de rã -. Vamos fazer um festão
e...
- Patolo - disseram os seus pais ao mesmo tempo -, vamos comer. Temos muito tempo ainda
para pensar na festa do seu aniversário.
Foi água na fervura. Patolo trincou um pedaço da perninha da rã, olhando para Patilda com
o rabo dos olhos. Patilda sorriu e baixou a cabeça, para prosseguir no almoço, em silêncio.
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