
Imagem: reprodução parcial do folheto sobre o evento de
1993, cedida a Novo Milênio em 8/2012 pelo acervo da família do jornalista Paulo Matos
Um século desde
Canudos
Na luta pela terra
Louvado seja Nosso senhor Jesus Cristo! Era essa a
saudação de Antonio Conselheiro, líder de milhares de oprimidos sem-terra do sertão baiano, personagem central do episódio histórico que ficou
conhecido como o da Guerra de Canudos. Esta foi resultado da concretização do sonho de tantos sertanejos de construir um espaço para
plantar e viver, a que chamaram Belmonte, instalada às margens do Rio Vaza-Barris há 100 anos. Mas esta civilização de oprimidos, com cerca de 30
mil moradores, foi destruída pelos poderosos da época, que não admitiam a organização livre.
Situado na região de Canudos e cercado pela Serra de
Coporobó, o núcleo de Belmonte foi assim batizado pelo líder peregrino Antonio Vicente Mendes Maciel - O Conselheiro - fundado pelos quase
oitocentos sertanejos que o seguiam, fugindo de uma manifestação contra o pagamento de impostos criados pela República recente. Era noite
enluarada de 26 de maio de 1893 - descreve Calazans, o historiador maior de Canudos - quando os conselheiristas enfrentaram e derrotaram uma tropa
policial de Masseté, município da Natuba, indo daí fundar Belmonte em 5 de junho desse ano.
Estes que criaram um espaço de terras comuns e de
trabalho comunitário, transformando o árido sertão em um polo produtivo e autossuficiente, com cultivo e criação - três mil já nas primeiras
semanas, atraindo os seguidores de Conselheiro em seus 20 anos de caminhada pelo interior nordestino - eram ex-escravos, índios e sertanejos
oprimidos pela seca, pelo latifúndio, pela fome e pelos coronéis donos de terras que imperavam naquele meio semi-feudal. Unidos sob este signo,
criaram um novo quilombo de oprimidos, comparável ao de Zumbi.
Menos de três anos depois, Canudos/Belmonte já era a
maior cidade da Bahia depois de Salvador - a capital - com 30 mil moradores, incomodando os interesses dominantes. Não pagando impostos e
abrigando a mão de obra antes farta e barata nas mãos os coronéis, que tinham esvaziado seu poder político por este ajuntamento, esvaziando os
templos da Igreja oficial que pregava submissão, atraíam o ódio a esta organização popular. Isto depois de contrariar comerciantes em redor com
sua farta autoprodução e de ter derrotado o Exército em Masseté.
Atingindo os sustentáculos do poder, a Igreja, o
Exército e o poder econômico, o Arraial de Bom Jesus - como também era chamado Belmonte - foi escolhido como alvo da República para sua afirmação.
O novo regime atirou contra ele toda sorte de acusações, de reduto de malfeitores a monarquistas rebelados e fanáticos religiosos. Inverdades que
ainda hoje se falam, deixando de lado a questão de que a Guerra dos Canudos foi um dos maiores - senão o maior - conflitos da luta pela
terra da história mundial.
Todo o país foi mobilizado contra o núcleo sertanejo,
através do noticiário mentiroso da imprensa, que desde 1892 acusava Belmonte de ser um reduto de restauradores que queriam trazer o rei de volta,
de bandidos e fanáticos - que na verdade só desejava sobreviver. De 7 de novembro de 1896 a 5 de outubro de 1897, Canudos/Belmonte resistiu a 4
expedições militares, a última com tropas de 11 Estados que conseguiu fuzilar e degolar todos os resistentes que restavam.
As crianças sobreviventes, cerca de três mil, foram
reescravizadas e vendidas pelos oficiais a bordéis e coronéis, esmagando os restos da maior organização livre que o país conheceu. Nestes 100 anos
da fundação de Belmonte, é preciso resgatar o seu sentido de sonho da construção de espaços para plantar e viver para as maiorias populares - a
grande necessidade de nossa época: a Reforma Agrária.

Imagem: reprodução do folheto sobre o evento de 1993,
cedida a Novo Milênio em 8/2012 pelo acervo da família do jornalista Paulo Matos
Facó, o retorno necessário
No momento em que a luta pela Reforma Agrária explode
nos conflitos da luta pela terra em todo o país, em que a injustiça da concentração da propriedade nas mãos de poucos se traduz na crise social
das grandes cidades, superlotadas pela massa humana expulsa do campo, tem o significado de resgate a homenagem que prestamos ao escritor Rui Facó
- neste seminário comemorativo ao centenário de Belmonte - episódio maior da luta por espaços para plantar e viver.
Resgatamos Facó, que faria 80 anos neste 4 de outubro
de 1993, ano do centenário de Belmonte, que marca os 30 junhos de seu desaparecimento - na véspera da data que marcou o massacre final da odisseia
sertaneja, em 1897 - porque foi ele que resgatou o significado de Canudos. Mais do que a coincidência de datas, é a versão fiel do episódio sua
ligação com o fato histórico - fruto de pesquisa atenta e comprometida com a caminhada do povo brasileiro, rumo ao progresso e à liberação.
Foi este jornalista, advogado, escritor, pesquisador
e intelectual, engajado com as causas sociais, quem resgataria o verdadeiro significado da Guerra dos Canudos como um conflito de latifundiários e
sem-terra, opressores e oprimidos, exploradores e explorados do Nordeste semi-feudal, em seu livro Cangaceiros e Fanáticos - editado em
1963. Logo após a queda do avião que o levava do Chile para a Bolívia, em junho, retirando Facó da sociedade a que ele tanto se dedicou a evoluir.
Nesta obra, o jornalista retoma Canudos, lançando sobre Berlmonte as luzes da correta análise histórica, que pavimenta a trilha da humanidade rumo
ao futuro.
Segundo Carlos Mariguela, falando em nome de Luiz
Carlos Prestes na despedida final de Facó, ao lado de Dias Gomes - entre diversas personalidades da vida cultural e política presentes - "... ante
o contraste gritante da terra que nasceu, no Ceará, entre camponeses sem-terra e latifundiários sem piedade, Facó manteve-se fiel à sua origem
pobre e escolheu o caminho da luta contra o latifúndio e pela emancipação de seu povo. Trabalhando e estudando, fez-se um intelectual de valor a
serviço das massas. Seu amor à classe operária e aos camponeses está revelado nos trabalhos e estudos que escreveu. O povo - para ele - era o
fator da história".
Era essa fé de Rui Facó, aqui resgatado e
homenageado.

Imagem: reprodução do folheto sobre o evento de 1993,
cedida a Novo Milênio em 8/2012 pelo acervo da família do jornalista Paulo Matos
Programação
23/11 - Terça - 20 h - Local: Centro de Cultura "Patrícia Galvão" - Av. Pinheiro
Machado, nº 48 - ABERTURA DA EXPOSIÇÃO "CANUDOS"
24/11 - Quarta - 20 h - Local: Faculdade de Comunicação da Unisantos - Rua Euclides da Cunha, nº
264 - EXIBIÇÃO DO FILME "CANUDOS', DE IPOJUCA PONTES - DEBATE - Vereadora Mariângela Duarte
25/11 - Quinta - 20 h - Local: Centro de
Cultura "Patrícia Galvão" - Av. Pinheiro Machado, nº 48 - DEBATE: A GUERRA DE CANUDOS NO CONTEXTO DA LUTA PELA TERRA - Prefeito David Capistrano;
Deise Evangelista, líder dos Sem-Terra de Getulina; Padre Naves - Coord. Estadual da Comissão Pastoral da Terra; Hamilton Pereira - secretário
agrário nacional do PT; José Rainha Jr. - Direção Nacional do Movimento dos Sem-Terra. Mediador: historiador Paulo Matos.
26/11 - Sexta - 20 h - Local: Centro de
Cultura "Patrícia Galvão" - Av. Pinheiro Machado, nº 48 - DEBATE: A GUERRA DE CANUDOS NO CONTEXTO DA LITERATURA BRASILEIRA - Júlio José Chiavenato,
escritor; vereadora Mariângela Duarte; historiadora Maria Aparecida Franco Pereira, Unisantos. Mediador: historiador Paulo Matos.
LANÇAMENTO DO LIVRO "AS MENINAS DO BELO MONTE", DE JULIO JOSÉ CHIAVENATO - NOITE DE AUTÓGRAFOS
(depois do debate, o papo continua no Fritz Lang Bar - Rua Djalma Dutra 24, ao lado da Praça Independência, onde o autor vai autografar o livro e
falar sobre ele).
27/11 - Sábado - 20 h - Local: Centro de
Cultura "Patrícia Galvão" - Av. Pinheiro Machado, nº 48 - EXIBIÇÃO DO FILME "CANUDOS', DE IPOJUCA PONTES -
DEBATE
28/11 - Domingo - 20 h - Local: Centro de
Cultura "Patrícia Galvão" - Av. Pinheiro Machado, nº 48 - EXIBIÇÃO DO FILME "DEUS E O DIABO NA TERRA DO
SOL" DE GLAUBER ROCHA- DEBATE
A exposição "Canudos", de fotos, livros, reportagens e cartazes estará no centro de Cultura
"Patrícia Galvão" de 23 a 28 de novembro, de 9 às 21 horas. Entrada franca em todos os eventos. |