O problema com o Mentana em Santos, registrado
na página 2 da edição de 23 de junho de 1892 do jornal O Estado de São Paulo
Imagem: reprodução parcial da pagina com a matéria,
no Acervo Digital Estadão
A imagem acima,
reproduzindo notícia do jornal O Estado de São Paulo de 23 de junho de 1892, registra o início do incidente em Santos. Como relata Affonso
Schmidt, o comandante do navio italiano a vapor Mentana, atracado ao trapiche Belmarco, foi preso enquanto se
investigava uma série de irregularidades com a carga de que era acusado pela Polícia do Porto. Na época, grassava no porto a
epidemia de febre amarela, de que o marítimo italiano foi vítima, falecendo na cadeia. A história foi uma das
causas das graves agitações verificadas na capital paulista, em agosto daquele ano, em que brasileiros e italianos se enfrentaram nas ruas.
No domingo, 23 de
agosto de 1896, O Estado de S. Paulo registrou em editorial na primeira página (ortografia atualizada na transcrição):
Imagem: reprodução parcial da pagina de O Estado
de São Paulo de 23/8/1896, no Acervo Digital
Estadão |
Notas políticas
A discussão do protocolo italiano tem provocado, nesta capital, manifestações inconvenientes.
O estudo do assunto, afeto ao Congresso Nacional, vai sendo feito sob as noções claras e
refletidas do patriotismo.
As questões internacionais não podem ser discutidas no meio das apóstrofes dos exaltados...
A soberania nacional exerce-se dignamente, todas as vezes que os representantes da Nação
resolvem qualquer hipótese sujeita à sua apreciação, entregue à sua alta responsabilidade.
Houve nisto tudo um erro, e foi o entregar-se à publicidade de tão longa discussão assunto
internacional de tamanho melindre.
Mas, o que todos nós não podemos esquecer é que o mesmo ministro, que tão bem soube
trabalhar a questão da Trindade, e que tantas e repetidas provas tem dado do seu amor ao Brasil, assinou um protocolo com o representante de
uma Nação amiga, para resolver, condignamente, reclamações que já não podiam ser proteladas.
É nosso dever indiscutível aceitar a solução que a sabedoria do Congresso adotar na questão
do protocolo italiano, porque assim convém ao prestígio da nossa soberania e aos altos destinos da República.
O interesse das classes conservadoras e a tranquilidade da sociedade paulista não podem
permitir que espíritos exaltados procurem, pela desordem, perturbar a serenidade precisa à solução dos graves problemas internacionais,
sujeitos ao exame e à deliberação dos poderes constituídos.
É indispensável que o governo de S. Paulo saiba conter, mesmo com medidas enérgicas, as
manifestações inconvenientes que se pretendam levar a cabo.
Os brasileiros e os republicanos sabem o que é o patriotismo.
Sabem que nobilitar a Pátria é respeitar as decisões dos poderes constitucionais.
Quanto aos cidadãos italianos, que conosco convivem, a esta hora devem estar convencidos de
que ontem erraram, provocando as cenas desagradáveis que presenciamos à noite.
Assim, pois, que a calma e a reflexão de nacionais e de estrangeiros venham ajudar a manter
a ordem e a tranquilidade social.
Aguardemos a suprema decisão da sabedoria do Congresso e respeitemo-la com dedicação, seja
ela qual for.
Calma e prudência, muita reflexão e muita ordem, eis o que pedimos a todos, em nome dos mais
alevantados princípios sociais. |
Na segunda-feira, 24 de agosto de 1896, o mesmo jornal apresentava em sua primeira página os detalhes das desordens na capital paulista, com forte
crítica à atuação do cônsul italiano, conde de Brichanteau (clique >>aqui<< ou na imagem abaixo para ampliá-la):
Imagem: reprodução da pagina 1 de O Estado de S. Paulo
de 24/8/1896, no Acervo Digital Estadão
Na página 2 dessa
mesma edição de 24/8/1896, referências às manifestações em Santos e em Porto Alegre (ortografia atualizada na transcrição):
Imagem: reprodução parcial da pagina 2 de O Estado
de São Paulo de 24/8/1896, no Acervo Digital
Estadão |
SANTOS, 23 (recebido às 9 horas da noite).
Houve esta noite um grande meeting no Largo do Rosário, a
que assistiram mais de 2.000 pessoas.
Falaram, trepados no chafariz do largo, Dillotti dos Santos e Mario
Mendes, sendo muito aclamados.
Foi aprovada a seguinte moção:
"O povo de Santos, reunido na praça pública, resolveu protestar
energicamente contra a aprovação do protocolo italiano e aprovar a presente moção, que servirá também para atestar a adesão sincera no
procedimento correto do povo da capital deste Estado".
A multidão seguiu depois para casa do major Bacellar, onde este
falou ao povo.
(Do nosso correspondente)
SANTOS, 23 (recebido às 11 horas da noite).
Um grupo de rapazes acaba de atacar o hotel Spada, à Rua Itororó,
50, quebrando móveis e alguns vidros, debaixo de vivas ao Brasil.
Antes o grupo apedrejou a sapataria Garibaldi, à Rua do Rosário.
- O Diario de Santos esgotou hoje toda a sua edição, sendo
vendidos exemplares a 1$000 e 2$000.
(Do nosso correspondente)
PORTO ALEGRE, 23 (recebido às 8 horas e meia da noite).
O Correio do Povo publica hoje o nome dos nove italianos
interessados no protocolo aos quais o governo daqui tem pago indenizações no valor de 54 contos de réis.
A mesma folha estranha tais pagamentos quando o congresso ainda
está discutindo o protocolo italiano. |
Da mesma forma, na terça-feira, 25 de agosto de 1896, O Estado de São Paulo publicava editorial e noticiário sobre as manifestações, em sua
primeira página (clique >>aqui<< ou na imagem abaixo para ampliá-la):
Imagem: reprodução da pagina 1 de O Estado de S. Paulo
de 25/8/1896, no Acervo Digital Estadão
Na página 2 da
edição de 25/8/1896 de O Estado de São Paulo, os telegramas (ortografia atualizada na transcrição):
Imagem: reprodução parcial da página 2 do jornal
O Estado de São Paulo de 25 de agosto de
1896, no Acervo Digital Estadão |
SANTOS, 24 (recebido às 8 horas e meia da
noite).
Continuando sobre os acontecimentos de ontem com relação ao Hotel
Spada, temos a acrescentar que foi ferido o proprietário, Narciso Torim, por pedradas no olho esquerdo e no nariz.
Houve represálias por parte do pessoal do mesmo hotel, arremessando
garrafas sobre o povo.
Os prejuízos foram pequenos, avaliando-se em 200$000.
Era grande o número dos italianos que se achava no interior do
estabelecimento.
Vendo a exaltação popular deram para as de Villa Diogo pelos fundos
da casa.
Os hotéis Cristoforo Colombo, Giardiniera e União, apenas tiveram
as janelas e os vidros quebrados.
- Hoje cedo foram distribuídos boletins aos empregados da Estrada
de Ferro Ingleza e da Companhia das Docas e aos guardas da Alfândega, convidando os que são contrários ao protocolo italiano para uma reunião
pacífica no Largo do Rosário, às 7 horas da noite, para tratar dos fins que dizem respeito ao pudor nacional.
Um convite geral aos brasileiros no mesmo sentido foi espalhado por
uma comissão para o mesmo fim e com o intuito de protestarem contra o protocolo italiano.
- Produziu boa impressão o telegrama que chegou da capital federal
anunciando que foi rejeitado o protocolo italiano na Câmara dos Deputados.
- Movimento do porto.
Entraram hoje:
O vapor alemão Moewe, vindo de Florianópolis com vários
gêneros, consignado a Zerrenner Bülow & Co.;
- o vapor alemão Santos vindo de Hamburgo com vários
gêneros, consignado a Eduardo Johnston & Comp.;
- O vapor francês Parahyba, vindo do Havre com vários
gêneros, consignado a H. Dillon;
- A barca inglesa Iery vinda do Rosário com alfafa,
consignada a Rodrigues da Cunha & Comp.;
Saíram:
a barca inglesa Cullnova para S. Juan;
- o vapor alemão Moewe para o Rio de Janeiro.
- Acabo de saber que o sr. inspetor da Alfândega mandou aquartelar
todos os guardas, para não tomarem parte no meeting convocado.
(Do nosso correspondente).
SANTOS, 24 (recebido às 10 horas e meia da noite).
Realizou-se hoje no Largo do Rosário o anunciado meeting
contra o protocolo italiano.
Orou o solicitador Constantino Mesquita.
O largo estava apinhado de povo, sendo aprovada a seguinte moção:
"A população santista congratula-se com o ilustre doutor presidente
do Estado, e com os seus dignos auxiliares, pelo modo patriótico, digno e correto por que se conduziram na questão italiana.
Esta população, habituada a festejar todos os atos de patriotismo,
não pode deixar de no dia de hoje erguer entusiasticamente vivas à República, ao Brasil e ao governo do Estado".
Daí o povo seguiu em direção ao Diario de Santos, dando
vivas ao Brasil, ao Diario e ao dr. presidente do Estado.
Aí falou, em nome da redação, o sr. dr. Vieira de Almeida, que fez
uma linda alocução, respondendo o sr. Arthur Mendonça.
Seguiram depois na direção do vice-consulado italiano, onde vaiaram
e deram morras e vivas ao Brasil.
Ao passarem pela residência do vice-cônsul também deram morras.
Percorreram em seguida diversas ruas, obrigando todas as casas
italianas a fecharem-se a pedradas.
Na Rua S. Leopoldo, quando arrombavam um hotel, de dentro deram
tiros, ferindo, segundo consta, um soldado.
O povo indignado atacou a casa quebrando os vidros e as portas.
Até esta hora as ruas se acham apinhadas de povo.
Acabam de espatifar as janelas do hotel Christoforo Colombo.
Chama-se Venti Settembre o hotel de dentro do qual deram tiros de
revólver sobre o povo.
O dono do hotel foi preso pelo delegado de polícia.
O soldado não foi ferido com tiros de revólver como há pouco
telegrafei, mas sim com uma pedrada.
Acha-se postada em frente aos hotéis Vinte Settembro e Cristoforo
Colombo uma força de 25 praças de polícia.
Com muito custo a polícia conseguiu, com boas maneiras, dispersar o
povo, que se retirou dando vivas ao Brasil, ao dr. Campos Salles etc.
O Diario de Santos espalhou na cidade um boletim relatando
as notícias telegráficas daí e trazendo em cima um bonito artigo intitulado "Serenidade", escrito pelo seu redator.
(Do nosso correspondente).
SANTOS, 24 (recebido às 11 horas e meia da noite).
Além do proprietário do hotel Venti Settembro que foi preso, o
delegado recolheu mais sete pessoas que encontrou lá dentro.
- A cidade está sendo patrulhada em dobro.
A força que se achava no Guarujá veio para esta cidade.
Consta ter vindo também uma que se achava numa cidade vizinha.
- O mercado de café esteve calmo. As vendas realizadas foram de
10.000 sacas na base de 11$600 o café superior, 10$600 o café bom; 9$600 o regular.
Entraram 27.062 sacas; desde o dia de anteontem 439.599; média
19.149. (...) |
Na quarta-feira, 26 de agosto de 1896, O Estado de São Paulo publicava noticiário sobre as manifestações, em sua primeira página (clique >>aqui<<
ou na imagem abaixo para ampliá-la):
Imagem: reprodução da pagina 1 de O Estado de S. Paulo
de 26/8/1896, no Acervo Digital Estadão
Nessa página, a
seção Municípios é aberta com o noticiário santista (ortografia atualizada nesta transcrição):
SANTOS - A questão dos protocolos, como nos
noticiou o nosso correspondente telegráfico, também ali agitou o espírito público.
Do Diário de ontem tiramos o seguinte, que
completa os detalhes por nós publicados:
"Em Santos o conhecimento das violências praticadas
pelos italianos em São Paulo provocou reação.
Anteontem, às 7 horas da noite, no Largo do Rosário,
estava reunido o povo em número superior a 2.000 pessoas, a fim de protestar contra a aprovação do protocolo italiano.
Do chafariz do largo falaram os srs. Dilotti dos
Santos e Mario Mendes, sendo por aquele lida a seguinte moção:
"O povo de Santos, reunido na praça pública, resolveu
protestar energicamente contra a aprovação do protocolo italiano e aprovar a presente moção, que servirá também para atestar a adesão sincera no
procedimento correto do povo da capital do Estado - A Comissão".
O povo percorreu em ordem as ruas da cidade, dando
vivas entusiastas àqueles que votaram contra os protocolos, a Annibal Mascarenhas, Agricio Camargo, Medeiros e Albuquerque, Bueno de Andrada e
outros.
A grande massa popular dissolveu-se em frente à casa
do sr. major Bacellar, depois de ter aquele militar recomendado sossego e ordem.
Depois de um grupo, ao chegar em frente da casa do
dr. Isidoro Campos, pediu-lhe que falasse, ao que ele cedeu, recomendando calma e respeito à lei.
Pelas 8 horas da noite formou-se um grupo de
exaltados, que em gritos de viva o Brasil e morra a Itália, percorreu as ruas Martim Afonso, Alfândega, S. Leopoldo e outras, fazendo
pequenos distúrbios, que alguns transeuntes censuravam asperamente. Lamentamos tais atos.
Às 10 horas a cidade estava em sossego, pelo menos
aparente".
Todos estes fatos ocorreram no domingo.
Vejamos o que se passou na segunda-feira. Fala ainda
o Diario:
"Às 7 1/2 horas da noite houve no Largo do Rosário um
meeting de regozijo pela notícia auspiciosa, que fomos o primeiro a dar, de que na Câmara dos Deputados Federais foi unanimemente votada a
não aprovação dos protocolos italianos, atendendo aos acontecimentos que anteontem se deram em S. Paulo.
Falou o sr. Constantino de Mesquita, apresentando uma
moção congratulatória com o governo do Estado pela queda dos protocolos.
Depois partiram os manifestantes em passeata pelas
principais ruas da cidade e ao passarem pela nossa redação ergueram entusiásticos vivas ao Diario de Santos.
Da sacada falou então o nosso companheiro Vieira de
Almeida, congratulando-se com o povo pela não aprovação dos protocolos, uma ameaça terrível à nossa honra. Ao terminar, pediu aos manifestantes a
maior calma e serenidade possíveis, a fim de que se não dessem conflitos de qualquer sorte, cenas que só poderiam depor contra os nossos foros de
civilizados.
Foi depois insistentemente chamado pelo povo o nosso
colega Carlos Ferreira de Mello, que infelizmente não se achava na ocasião. O nosso companheiro Vieira de Almeida agradeceu aquela demonstração de
simpatia que era feita ao ausente, porque foi ele quem pelas colunas do Diario, desde o primeiro momento, combateu abertamente a absurda
questão dos protocolos.
Seguiram depois os manifestantes, erguendo, ao
retirarem-se, novos vivas ao Diario de Santos, aos seus redatores, à República Brasileira, ao marechal Floriano Peixoto etc.
Ao passarem pela Rua S. Leopoldo foi atirada do
restaurante Vinte de Setembro uma pedra que feriu a um soldado de cavalaria e em seguida dados dois tiros de revólver que felizmente não atingiram
a pessoa alguma.
Estes fatos deram lugar a que o povo parasse durante
muito tempo em frente ao restaurante, erguendo vivas ao Brasil e exigindo do major delegado que estava presente, providências em ordem a que não
continuassem as agressões, pis a manifestação não tinha intuitos de provocar desordens de qualquer sorte.
À ordem do delegado compareceu imediatamente ao local
uma força de cavalaria e infantaria, serenando os ânimos.
Foram presos os indivíduos que provocaram tais
cenas".
Na mesma edição de
26 de agosto de 1896, na página 2 de O Estado de S. Paulo, era publicado na Seção Livre o manifesto ao povo paulistano:
Imagem: reprodução parcial da pág. 2 de O Estado de
São Paulo de 26/8/1896, no Acervo Estadão
Resolvida a questão entre os dois governos, uma nota final aparece no mesmo O Estado de São
Paulo, de 7 de dezembro de 1896, na primeira página, referindo-se ao jornal fluminense Republica:
Imagem: reprodução parcial da pág. 1 de O Estado de
São Paulo de 7/12/1896, no Acervo Estadão
A transcrição, em ortografia atualizada:
Republica - Em editorial refere-se à
partida do ministro italiano sr. de Martino.
Escreve a folha fluminense:
"Aqui chegado e recebido com a cortesia e altivez que
as circunstâncias impunham ao decoro do governo brasileiro, o sr. comendador de Martino, com rara habilidade e discernimento, contribuiu desde
logo para encaminhar, livre de estéreis e irritantes debates, a solução das questões existentes entre os dois países.
É conhecido de todos o modo honroso e digno para
ambas as nações, por que afinal definitivamente resolvidas as chamadas questões italianas, cuja dolorosa recordação não prejudicará, felizmente, a
harmonia e estima que entre brasileiros e italianos sempre existiu". |