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O trem passa; e pára a Cidade
As 5 grandes avenidas de
Santos, que interligam o Centro às praias - Conselheiro Nébias, Washington Luís, Ana Costa, Bernardino de Campos e Pinheiro Machado - têm um
obstáculo comum que secciona e estrangula as correntes viárias: os trilhos da Sorocabana. O fenômeno do bloqueio acontece praticamente nas 24 horas
do dia porque, ora são os trens de carga e de passageiros que passam, ora são as intermináveis manobras que a ferrovia executa.
Quem tem pressa de chegar ao Centro ou procede dali em direção às praias, para
alcançar seu destino no espaço de tempo desejado, precisa de duas coisas: ter a sorte de não encontrar todos os semáforos vermelhos - porque nenhum
deles é sincronizado - e não deparar com o trenzinho da Sorocabana.
Os dois fatores independem mas estão interligados: os semáforos não são sincronizados
por causa da ferrovia, esta arruinando toda e qualquer maquinaria que venha a ser instalada para conjugação dos semáforos.
Para o motorista de automóvel, de caminhão ou de ônibus, ou mesmo para o ciclista e
para o pedestre, quando o obstáculo que se chama trem da Sorocabana aparece, o jeito é esperar a passagem da composição ferroviária ou a
complementação das manobras no grande pátio que fica entre as avenidas Ana Costa e Bernardino de Campos. Fugir por outros caminhos é impossível
porque os trilhos cortam todo o perímetro urbano de Santos, estrangulando a Cidade, do porto ao José Menino ou, mais precisamente, da faixa
portuária à divisa com São Vicente.
Foto publicada com a matéria (cruzamento da ferrovia com Av. Bernardino de Campos)
O problema representado pela passagem da Sorocabana dentro do perímetro urbano de
Santos ou, mais precisamente, na área mais povoada da Cidade, não é novo. Começou efetivamente a existir a partir do desenvolvimento da própria
Santos, que teve no porto a sua motivação principal de sobrevivência e desenvolvimento. Depois, como tudo mudou, Santos ganhou características de
cidade balneária e de turismo - mesmo que doméstico - passando o porto a operar mais em função do escoamento e recepção das economias estaduais e
federais do que do desenvolvimento da Cidade propriamente dita.
Aceita a tese de que tudo mudou em Santos - a zona urbana, o povo, o comércio e até o
porto - não pode ser negada a afirmativa de que só a Sorocabana permanece a mesma, com todos os problemas de seccionamento que as composições
ferroviárias provocam, durante o dia e à noite.
Entretanto, nem sempre foi assim. No começo do século, quando os ingleses construíram
o ramal Santos-Jundiaí, o objetivo era grande, incomensurável mesmo, e deve ter sido plenamente alcançado: transportar os produtos da região do Vale
do Ribeira - a região potencialmente mais rica de São Paulo - até o principal porto do Brasil.
O automóvel - Durante muitas décadas, a Sorocabana foi o sustentáculo do
Litoral Sul do Estado, transportando as riquezas do Vale do Ribeira até ao porto, funcionando paralelamente como único meio de transporte desde
Santos até Juquiá. Depois, a pequena estrada de ferro Santos-Juquiá foi encampada pela Sorocabana, que logo passou a estudar um meio de ligar a
Baixada ao Planalto. Surgiu então o ramal Mairinque-Santos e depois a ligação mais direta com a Capital, via Santo Amaro e Cidade Universitária.
Com essas modificações e com a abertura da Estrada da Banana, a velha ligação
Santos-Juquiá entrou em franco declínio, acontecendo o que era esperado: a vitória do automóvel e do caminhão sobre o trem, atribuída a dois fatores
- o progresso mecânico daqueles e a estagnação deste.
Para Santos, que só tinha a Sorocabana para ligá-la ao Litoral Sul até a abertura da
Estrada da Banana, o fato novo representado por esta última foi a pedra de toque da mudança. Os entendidos afirmam que não foi a Sorocabana que
perdeu a parada, mas a ferrovia que jogou fora todas as suas possibilidades de sobrevivência porque parou no tempo e no espaço, tentando colher o
que não plantara.
Trilhos: o problema - O próprio desenvolvimento da Cidade - com o aparecimento
e a expansão da indústria automobilística - acabaram por condenar a presença da Sorocabana em Santos, cujos trilhos cortam a zona urbana santista em
duas metades.
Hoje, como há 10 anos, chegar de automóvel da praia ao centro depende da sorte, como
foi dito: sorte nos semáforos e sorte de não encontrar o trem passando dentro da Cidade, com as suas manobras intermináveis.
O seccionamento começa junto ao porto, na Rua João Guerra. Depois vem a Rua Borges,
seguida da Luiz Gama. A via pública seguinte que é estrangulada é a Avenida Conselheiro Rodrigues Alves. Para quem procede da Conselheiro Nébias e
quer chegar ao porto, na Rodrigues Alves há 2 pátios ferroviários distintos: à esquerda e à direita. Este último vai até a Avenida Siqueira Campos,
onde também há grandes armazéns da ferrovia. Por causa destes, as ruas José do Patrocínio e Euzébio de Queiroz não têm ligação com a Rua Padre
Anchieta: estão bloqueadas. A Rua Padre Anchieta, por sua vez, também cortada pelos trilhos, tem três vias públicas transversais bloqueadas pela
Sorocabana; Nosso Senhor Bom Jesus dos Passos, Álvaro Pinto da Silva e Operária.
Outros bloqueios - Entre o porto (Rua João Guerra), que já foi estação de
embarque e desembarque de passageiros da linha Santos-Juquiá, até à estação da Avenida Ana Costa, outras vias públicas estão seccionadas pelos
trilhos. Pela ordem: Ruas 28 de Setembro, Batista Pereira, Manoel Tourinho, Silva Jardim, Campos Melo e Osvaldo Cruz.
Depois vem a 1ª das grandes avenidas de Santos que estão bloqueadas pela Sorocabana:
a Conselheiro Nébias, logo seguida da Washington Luiz e da Ana Costa. Mas, antes desta, a Sorocabana impede a ligação de 4 vias públicas importantes
com outra importante avenida (Francisco Glicério); são as ruas Comendador Martins, Vidal Sion e Júlio Conceição, além da Avenida Senador Feijó.
No grande pátio ferroviário da Sorocabana - entre as avenidas Ana Costa e Bernardino
de Campos - "morrem" diversas vias públicas: Pará, Amazonas, Arnaldo de Carvalho, Evaristo da Veiga, Almirante Barroso, Carlos Gomes e a própria
Marquês de São Vicente.
Depois, é a vez do Campo Grande e Marapé sofrerem com a permanência dos trilhos da
ferrovia dentro de Santos. É que o bloqueio continua pelas avenidas Bernardino de Campos e Pinheiro Machado, seccionando as ruas Visconde de Cairu,
Visconde de Faria, Teixeira de Freitas, José Clemente Pereira, Gonçalves Ledo, Particular Ximenes, Lopes Trovão, Tupis, Guilherme Álvaro e Godofredo
Fraga.
Foto publicada com a matéria (cruzamento da ferrovia com Av. Bernardino de Campos)
Uma opinião - Roberto Machado de Almeida, arquiteto da Divisão de Planejamento
da Prodesan, analisa a presença da Sorocabana em Santos do ponto de vista arquitetônico e urbanístico: "Em princípio, fere todas as normas de
urbanismo. Santos é uma cidade plana e ficaria com a paisagem poluída se tivesse passagens elevadas. Mesmo com esta hipótese, esteticamente o ideal
seria uma passagem subterrânea para a ferrovia, o que é praticamente impossível em Santos. Ou, em outra hipótese, um só elevado - do José Menino ao
porto - apenas para os trens".
"Entretanto - continua -, o ideal mesmo é cortar os trilhos da Sorocabana em São
Vicente, com certas restrições, porque também no vizinho município os trilhos são problema. Por que não terminar a ferrovia em Samaritá, uma vez que
existem outros meios de ligação de Samaritá com o porto?"
Depois de explicar que o antigo Grupo Executivo de Planejamento da Prefeitura havia
estudado o problema da Sorocabana, chegando a planejar o aproveitamento do pátio da Ana Costa para construção do Teatro Municipal, Roberto Machado
de Almeida entende como perfeitamente válida a idéia de se trazer até Santos a Rodovia dos Imigrantes sobre o leito atual da Estrada de Ferro
Sorocabana em via elevada - como foi ventilada pela Dersa há 2 anos.
"É claro - arrematou - que isso dependeria da retirada dos trilhos da ferrovia, coisa
que para mim e ponto pacífico. Não se admite que em 1972, quando o homem já está cansado de ir à Lua e já está pensando em termos de outras viagens
espaciais, uma estrada de ferro - com todos os inconvenientes e problemas - permaneça dentro da Cidade".
Foto publicada com a matéria (pátio ferroviário da estação da Avenida Ana Costa)
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