Imagem: reprodução da capa da publicação
Por um bem maior
Fomos atrás de jovens que resolveram se tornar religiosos. Veja seus desejos e os desafios que enfrentam
Por Brenda Melo Duarte
Fotos: Fernanda Luz, Vanessa Rodrigues e divulgação
Quem pensa que juventude e religião não combinam está muito enganado. Prova disso são as histórias de freiras, padres, rabinos
e budistas que escolheram bem cedo seguir o caminho da fé. Garotas e rapazes alegres, que conversam informalmente, fazem brincadeiras com os amigos... Mas, afinal, o que motiva essa galera?
Nataniele Alves de Queiroz, 18 anos, tomou recentemente a decisão mais importante da sua vida: criou coragem para comunicar a família de que iria deixar o curso de Nutrição para se tornar freira. "Fiz catequese e, aos 13 anos, senti o primeiro
chamado de Deus. Não contei para ninguém porque tinha medo de que os outros achassem que enlouqueci".
Lá se foram alguns anos de dúvidas e conflitos internos. Mesmo atuando na paróquia de Bertioga – onde nasceu e mora com os pais –, ficava com a impressão de que faltava algo na sua vida. "Até namorei e pensei em, um dia, casar. Só que isso não
parecia suficiente".
Nataniele de Queiroz acaba de ingressar no Carmelo de São José, de Santos, onde conta com o suporte da irmã Maria Aparecida da Cruz e do Imaculado
Coração
Foto publicada com a matéria, páginas 46/47
Aos 16 anos, ela sentiu o segundo chamado de Deus, durante uma missa. "O padre falou assim: Hoje Jesus vai suscitar nos corações e, daqui, vão sair uma freira e um padre. Ouvi
aquilo e sabia que era para mim. Chorei de emoção".
Foi aí que Nataniele finalmente revelou seu dilema para os pais.
A primeira reação da mãe foi rejeitar a ideia. Já o pai aceitou. "Como sempre ajudei quem precisa, pensei que, se partisse, não teria como dar auxílio para a minha mãe, que, na época, estava com um problema de saúde. Então, optei por cancelar o
início da vida religiosa. Disse para Deus que, se me enviasse um terceiro chamado, iria aceitá-lo".
Neste ano, ela entrou na faculdade, com uma bolsa de estudos. No curso de Nutrição, fez vários amigos e aprendeu muito, mas não conseguia se imaginar trabalhando na área. "Comentei para uma amiga que, se ainda não havia ido para o convento, achava
que não iria mais. Ela respondeu que tudo acontece no tempo certo e senti o terceiro chamado".
Dessa vez, a conversa com a família foi definitiva e sua mãe a apoiou. "Bateu uma paz, uma felicidade tão grande!".
No caminho da fé - Conheça jovens que resolveram seguir a vida religiosa
Imagem: reprodução da capa da seção Campus, de AT Revista
Há duas semanas, Nataniele chegou ao Carmelo de São José, em Santos, para se tornar uma irmã carmelita descalça. Como ainda está em fase de experiência, passa
os fins de semana na casa dos pais. "Quero me tornar santa", afirma.
No mosteiro, moram 16 irmãs. A maioria vive em clausura, ou seja, só sai de lá em situações de extrema necessidade, como para ir ao hospital. E ninguém de fora da ordem tem contato com elas, que se dedicam a rezar pela salvação da humanidade e
produzir as hóstias usadas em missas da região.
Parece triste, certo? No entanto, basta uma conversa com a irmã Maria Aparecida da Cruz e do Imaculado Coração, 30 anos, para entender que não falta alegria por lá. Ela é a única religiosa do Carmelo que tem acesso ao mundo exterior, para
atender quem está em busca de conselhos, orações etc.
Muito sorridente, compartilha a experiência de ser religiosa desde os 17 anos. Obstáculos e renúncias não faltaram: os pais queriam que fizesse faculdade, o namorado era apaixonado por ela, costumava praticar esportes, frequentar os pagodes da
família...
"Cada vez mais sentia vontade de estar próxima do serviço da Igreja. No período, as irmãs, inclusive, me orientaram a ter relacionamento com um rapaz, conhecer esse outro lado para ter certeza da minha vocação. O meu namorado foi o primeiro a saber
que meu coração seria totalmente de Deus", observa a carmelita, que demorou nove anos para concluir sua formação.
Aos 18 anos, Thiago Miranda comemora a entrada no seminário, em Santos
Foto publicada com a matéria, página 48
No seminário - "Há gente que nos considera ETs. Somos jovens normais, com a diferença de que temos uma vocação". Essa frase pertence ao seminarista Thiago Miranda, 18 anos. Ele
terminou o Ensino Médio em 2012. Enquanto todos os colegas de classe pensavam em qual carreira seguir, tinha sua opção bem definida: ser padre. E após o período de experiência vocacional no Seminário São José, em Santos, foi aceito e mora lá. "Os
amigos da escola estranhavam, até porque, hoje em dia, é raro alguém querer ser padre".
Thiago conta que, segundo sua avó, aos 3 anos, ele a acompanhava à igreja e já falava que se tornaria religioso. Daí em diante, nunca se afastou da paróquia. Agora, se enche de orgulho para dizer que é um universitário seminarista, pois a formação
até a ordenação exige os cursos superiores de Filosofia (de três anos, na Universidade Católica de Santos, UniSantos) e Teologia (de quatro anos,em São Paulo). Além disso, dentro do seminário, rolam aulas de Português,
Línguas Estrangeiras e Música.
Os horários são bem apertados, mas os seminaristas têm um final de semana por mês para rever a família e sair com os amigos. "Nada de beber todas até altas horas. Nossa vida é um testemunho, temos de dar exemplo. Conversamos com os colegas, comemos
um lanche e nos divertimos".
Renan Censi, 27, completa sete anos de seminário em 2013. Isso significa que poderá ser designado diácono pelo bispo – posição em que precisa permanecer por no mínimo seis meses até ser ordenado padre e assumir uma paróquia.
Na adolescência, ele sempre ouviu de membros da Igreja que deveria ser religioso, mas relutou. Chegou a se formar em Administração e a trabalhar em dois bancos. Não contente com a nova realidade, decidiu pedir ajuda vocacional. Resultado: aos 21
anos, ingressou no seminário – para que a escolha seja consciente, o candidato passa pela avaliação de um psicólogo e é orientado por outros religiosos. E Renan reconhece a importância das mídias digitais para aproximar cada vez mais a Igreja das
pessoas. "Se o aviso da missa é feito, por exemplo, no Facebook, o retorno é muito maior do que a divulgação no jornal da paróquia".
O seminarista Renan Censi está perto de concluir a formação para padre
Foto publicada com a matéria, página 47
Rabino aos 20 e poucos - Mestre e orientador religioso que tem total domínio das leis judaicas. Esse é o rabino. Em uma sinagoga, ele realiza casamentos e trabalha para o bem da
comunidade.
Segundo Levi Rabinowicz, 27 anos, para assumir a posição é preciso ter, em média, 20 anos de estudo. Detalhe: ele se tornou rabino aos 22. "Desde pequeno, tive contato com o judaísmo. Na escola que frequentei em São Paulo, a maioria dos alunos é
educada para se tornar rabino, mas nem todos seguem esse caminho. É necessária a vocação. O que mais gosto é de ajudar as pessoas nas diversas etapas da vida".
Aos 19, Levi partiu para estágio no Canadá, onde atuou por um ano. De volta ao Brasil, não demorou muito para estar à frente de uma sinagoga: a Beit Jacob, na Capital.
Cumprir essa missão também requer bastante esforço. Levi dá aulas de religião para crianças de manhã, visita doentes e membros da comunidade nos outros períodos e, nos finais de semana, fica na sinagoga.
Na adolescência, pensou em ser músico e confessa que não aceitou tão facilmente o fato de não poder ir para baladas, festas e outros lugares frequentados por colegas. "Hoje, tenho consciência de que o rabinato foi o melhor caminho para mim. É
interessante ver senhores pedindo conselhos para um jovem como eu".
Só que Levi não deixou de estudar música e se casou com uma moça – bem religiosa. Pretende, ainda, cursar Medicina, para ampliar o auxílio que presta à comunidade.
Levi Rabinowicz cuida da Sinagoga Beit Jacob, de São Paulo. Ele se tornou rabino com apenas 22 anos
Foto publicada com a matéria, página 48
Encontro com Buda - Em um momento de tristeza após a morte de uma prima, a estudante de Psicologia da UniSantos Margarida Tereza de Jesus Cereja, 22 anos, encontrou paz e
tranquilidade no budismo. "O que me encantou foi a liberdade de poder seguir com a minha vida normalmente, aplicando o que aprendo na religião. O mais importante é a lei da causa e efeito. Não agir de forma que faça mal para os outros".
Em tempos de consumismo exagerado, Margarida acrescenta que descobriu como investir no que realmente importa. "É preciso analisar como se gasta o dinheiro. Uma viagem, por exemplo, vai durar para sempre e é o tipo de experiência que ninguém pode
tirar da gente".
Ela frequenta o Centro de Budismo Kadampa Lamrim, de Santos, uma vez por semana, lê livros sobre a tradição, medita todos os dias e acredita que sua vida melhorou em diversos aspectos, "No namoro, percebi que não devo querer que o parceiro me siga
e goste de tudo que me interessa. Passei a respeitá-lo mais. A bagunça no meu quarto diminuiu e até emagreci. Isso porque a minha ansiedade estava na mente. Não adiantava cuidar somente do corpo".
A intenção de Margarida é, em paralelo à Psicologia, concluir a preparação para atuar como professora de budismo – o tempo varia, depende da aprovação de um mestre, que irá dizer quando estiver pronta. "Encontrei tanta paz e felicidade que quero
compartilhar com todo mundo".
Margarida Tereza Cereja estuda para ser professora de budismo
Foto publicada com a matéria, página 46