Preparo do mate na floresta
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O mate
a exploração do mate tem o Brasil, não só uma
das suas indústrias peculiares, mas ainda uma fonte de riqueza já considerável e de que há muito a esperar inda.
O mate, classificado por Saint-Hilaire com o nome de ílex paraguayensis
e conhecido por caa-mi entre os índios guaranis, é a folha duma árvore da família das iliáceas, semelhante ao azevinho europeu, o qual
atinge, em média, a altura de 5 a 6 metros, e raramente 8 a 10.
As folhas da árvore são perenes, um tanto grossas e coriáceas, e têm as
nervuras fortes. O tronco e os galhos têm uma aparência aveludada, devido a um crescimento fungoso na casca. As flores são pequenas, brancas e
divididas em quatro partes, ao passo que as frutas são encarnadas, do tamanho dum grão de pimenta, e contêm quatro caroços duros. Supõe-se, não
sendo ainda sabido com certeza, que as árvores atingem o auge do seu desenvolvimento aos 18 ou 20 anos de idade, e que, depois de outros 10 a 15
anos, devem ser destruídas para dar lugar a novas árvores. A planta precisa de um solo e subsolo bem escoado, sendo, porém, necessário haver água
perto das raízes, de forma que as terras arenosas constituem um habitat preferido.
Nativo em toda a zona temperada do Brasil, principalmente nos estados do
Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, ele é sobretudo explorado pelo estado do Paraná, para o que o mate representa, em escala
menor, o papel do café para S. Paulo ou o da borracha para os estados amazônicos, isto é, constitui a sua mais importante fonte de renda.
Muito usado nos estados que o produzem e por quase todo o Brasil, assim como no
Paraguai, Uruguai e Argentina (que também o produzem em menor quantidade), e ainda na Bolívia e no Chile, o mate brasileiro começa a ser exportado
também para a Europa, especialmente Itália e Alemanha, e para os Estados Unidos, sendo muito de esperar que ele venha a ter ainda um mais
desenvolvido consumo exterior, desde que sejam conhecidas as suas propriedades higiênicas e suas vantagens econômicas.
Suas propriedades - Está verificado pelas análises químicas, como pelos
exames e aplicações feitos por numerosos sábios, como Dujardin-Beaumetz, Jobert, Bonant, Marvaud, Doublet, Espery, Courtier, d'Arsonval, Moreau de
Tours, Bertrand e outros, que o mate contém todas as propriedades estimulantes e tônicas do café e do chá, sem os inconvenientes destes.
Moreau de Tours, químico do Instituto Pasteur, de Paris, descobriu nele a
existência de um alcalóide especial, a que denominou mateína. O dr. Monin, secretário geral da Sociedade Francesa de Higiene, disse que essa
substância, em razão das suas propriedades e da sua extrema barateza, poderia prestar os melhores serviços à higiene, principalmente nas grandes
cidades da Europa, se se conseguisse introduzir o seu uso.
O dr. Lenglet, presidente da Liga Internacional do Alimento Puro, depois de se
referir à sua ação estimuladora sobre os órgãos cérebro-espinhais, assinalando que ele dá uma grande capacidade para resistir às fadigas e revigora
o cérebro, assim resume sua opinião: "O mate é um dos mais importantes meios de obter o máximo de força e
energia. Ele pode ser comparado a um reservatório de vitalidade".
Levar-nos-ia longe demais uma citação completa de todas as autoridades
científicas que se têm manifestado com entusiasmo em relação às propriedades higiênicas do mate. Assinalemos todavia, como uma confirmação prática,
que as suas notáveis propriedades terapêuticas já estão aproveitadas em diversos medicamentos, como o "mate granulado" de Douglas, a "mateína
granulada" de Macquaire, e as "ampolas" de Bucaille - receitados como reconstituintes físicos.
E para resumir este ponto, transcrevamos as seguintes palavras do sr. Paul
Walle, o qual, referindo-se à opinião dos sábios, diz que eles "estão de acordo em colocar o mate na primeira
linha dos alimentos de poupança, digestivos, estimulantes e assimiladores por excelência; seu poder laxativo, sudorífico e diurético acelera as
funções do organismo. Suas propriedades tônicas e excitantes permitem suportar um jejum prolongado e ele engana a fome. É a verdadeira bebida dos
climas debilitantes e das bolsas pobres".
E depois de confirmar, por experiência própria, que um pouco de mate basta para
restituir de pronto o bom humor e o vigor a pessoas exaustas de fadiga ou calor, assinala que "os bascos e os
italianos, que são certamente os europeus mais vigorosos e mais ativos da América do Sul, são entusiastas do mate".
Aos soldados em manobras, o mate oferece grandes vantagens, dando-lhes grande
vigor e resistência ao cansaço e à fome, como se tem verificado não somente na América do Sul e particularmente durante a guerra do Paraguai, mas
também na França e na Itália, onde tais experiências, promovidas pelas comissões de propaganda do Brasil, deram excelentes resultados.
Os índios já o utilizavam desde longa data, atribuindo-lhe as mesmas virtudes
higiênicas que lhe são agora reconhecidas nas suas longínquas expedições; mas foram os jesuítas, os quais gozavam no país, até 1774, do privilégio
de explorar a erva-mate, que vulgarizaram a bebida, difundindo-a rapidamente entre os povos da América do Sul.
Agradável, como o chá, ao paladar e ao olfato, o mate tem sobre ele as
vantagens de suas virtudes higiênicas e de sua maior barateza; pois, segundo calcula o sr. Eugene Fournier, um litro de mate não custa, em França,
mais do que 0,015 cêntimos ao preço de 1 f. 60 c. (N.E.: 1,60
francos) por quilo.
Antes, porém, de examinarmos os algarismos relativos à sua produção e consumo,
digamos algumas palavras sobre seu cultivo e preparo, visto tratar-se de um produto que pode ser considerado genuinamente brasileiro, embora ele se
encontre um pouco por toda a região da América do Sul, entre 20º e 30º de lat. Sul, especialmente nas altitudes de 300 a 1.000 metros. Fora, porém,
da zona brasileira, ele só é encontrado em quantidade apreciável no Paraguai, no Uruguai e um pouco ainda na Argentina, que são aliás os principais
importadores do mate brasileiro.
Exploração, preparo e cultivo - A árvore do mate - comercialmente
conhecida por erva-mate, e às vezes designada por erva, simplesmente -, forma verdadeiras florestas nativas denominadas ervais,
alguns dos quais estão ainda virgens, inexplorados e até desconhecidos, enquanto outros, já numerosos nas proximidades dos centros habitados, são
explorados regularmente pelas sociedades ou pelos particulares a que pertencem.
Calcula-se que, só no Paraná, 140.000 quilômetros quadrados de terra estão
cobertos de ervais. Quando um ou vários ervais são descobertos pelos ervateiros, que fazem para isso longas e difíceis expedições pelas
florestas, o descobridor pede ao governo ou às autoridades mais próximas a consagração da sua propriedade, começando imediatamente a exploração no
erval. Geralmente, porém, esses ervateiros se limitam a fazer a colheita, vendendo-a a sociedades comerciais, que se encarregam de preparar o mate.
A exploração do erval consiste em despojar a árvore de todas as suas folhas,
pois é na folha - uma folha verde escuro, com 3 a 7 centímetros de comprimento e 1 a 3 de largura - que estão as propriedades do mate. Esta operação
- geralmente praticada de maio a agosto, e a que os que a praticam denominam "fazer a erva" - consiste em cortar todos os galhos mais finos da
árvore, a qual, depois dessa poda ou corte, fica reduzida ao tronco e aos grossos galhos sem folhas; pelo que um erval, uma vez
explorado, deve ser abandonado por três ou quatro anos, tempo necessário para refazer a sua folhagem. Durante esse tempo, os ervateiros exploram os
já refeitos ou vão descobrir novos.
Depois da poda vem a sapeca: um a um, os galhos são submetidos ao
calor duma fogueira, até que as folhas, ressecadas, tomam um aspecto amarelado. Uma vez sapecada, para evitar a ação prejudicial da
atmosfera, a erva é então amontoada, para ser definitivamente secada ou torrada.
A torrefação se faz geralmente por dois processos, ambos rudimentares: o
carijó e o barbacuá. O carijó é uma espécie de grande grelha de madeira, construída a uns dois metros de altura do chão: por baixo
dele, faz-se fogo, e por cima colocam-se os galhos sapecados, que são submetidos a uma torrefação lenta, de cerca de 24 horas. O barbacuá,
mais usado que o carijó, é uma construção de galhos entrelaçados com taquaras e folhas de coqueiros, a qual cobre um buraco aberto no chão.
Este buraco é a boca dum conduto que se pratica por baixo da terra, começando a uma certa distância do barbacuá: na extremidade inicial do
conduto mantém-se um fogo constante, cujo calor sai pelo buraco do barbacuá.
A erva, depois de 14 ou 16 horas de torrefação sobre o barbacuá, ou
depois das 24 sobre o carijó, é lançada sobre a cancha (uma espécie de terreiro cercado, ou um grande caixão de madeira), sobre a qual
é batida a varas, para triturar as folhas.
Assim cancheada, a erva pode ser empacotada e vendida, encontrando mesmo
mercado fácil. Costuma-se, porém, fazer a erva passar primeiro por peneiras largas, a fim de se separarem as folhas das sementes e dos ramos. Estes
são cortados em pedacinhos, por picadores giratórios, e misturados com as folhas batidas ou moídas, pois se acredita que nem os ramos nem as folhas,
por si sós, dêem à bebida o seu apreciado sabor.
Como se vê, toda essa preparação é muito primitiva; mas já vão sendo
introduzidos vários melhoramentos mecânicos: o carijó e o barbacuá têm sido substituídos por alguns, poucos, fornos especiais, onde se
torra um produto superior, o qual obtém um preço 50% mais elevado que o outro; e engenhos especiais, de pilão, fazem a trituração e passam a erva
triturada por peneiras mecânicas, onde se separa a folha do lenho dos galhos, terra e outras impurezas. No estado do Paraná já existem mais de
trinta desses engenhos, sendo que 15 deles se acham na capital
Conforme o seu preparo, o mate se divide em fino, entre-fino e
grosso, sendo que este é todo consumido no próprio Brasil ou no Chile, enquanto que os mais finos são consumidos no Uruguai e na República
Argentina e exportados para a Europa.
O mais antigo processo de confeccionar o mate consiste em fazer a sua infusão
no próprio recipiente em que é servido. Usa-se para isso do fruto seco de uma curcubitácea, a que os brasileiros chamam cuia, e que os povos
de origem espanhola denominam mate, originando-se daí, talvez, o nome por que hoje são geralmente conhecidas a planta e a bebida.
Põe-se na cuia, cuja capacidade é pouco menor que a de um copo, o mate do
comércio, até o meio, e acaba-se de encher com água quente, mas que não esteja fervendo. Serve-se em seguida o líquido por meio da bomba, que
é um tubo, de prata ou de palha, terminando inferiormente por uma porção dilatada e perfurada de pequenos orifícios, que não deixam passar a parte
não dissolvida.
É uso muito corrente, entre os povos do Prata e no Rio Grande do Sul, tomar-se
o mate desse modo sem adição de açúcar; nesse caso o mate toma o nome de chimarrão. Muitas pessoas preferem adoçá-lo levemente com açúcar e
algumas queimam o açúcar, que é lançado sobre uma brasa de carvão previamente posta na cuia, o que imprime à bebida um suave sabor de caramelo.
O mate chimarrão é o que mais seduz, e consegue até viciar quem o usa. É
comum encontrar, sobretudo nos campos, quem tome vagarosamente, mas de seguida, 8 e 10 cuias e isso repetidas vezes ao dia. Ainda é também uso comum
fazer-se a infusão deitando-se brasas vivas às folhas dentro do recipiente e derramando-se sobre o todo água fervendo.
Até agora o mate continua a ser um produto meramente extrativo, oferecendo
dificuldades à cultura. Nada, porém, demonstra a impossibilidade de transformar-se a produção do mate em indústria agrícola. Algumas experiências
estão sendo feitas que mostram, pelo contrário, esta possibilidade. O trato dado aos ervais consiste apenas em roçá-los, limpando-lhes as imediações
da concorrência dos vegetais sem valor. A exploração muito simples é ainda feita pelo processo primitivo, arrancando-se as folhas às plantas, o que
se pode fazer por trinta anos ou mais, sem prejuízo para a planta, ligeiramente ameaçada pelos insetos serrador e curuquêré, cujos
estragos são pouco nocivos.
O comércio - Calcula-se geralmente em mais de 15 milhões o número de
pessoas que bebem, atualmente, o mate no Brasil, cujo consumo vai progredindo sensivelmente, à proporção que ele vai sendo conhecido: nos últimos 25
anos, as estatísticas de exportação acusam um aumento de quase 300%.
Como se vê da estatística abaixo, a exportação da erva-mate do Brasil, que é em
média de 50.000 toneladas, representa para o país um valor médio superior a 20.000 contos, papel, tendo atingido a quase 30.000 em 1910 e 1911, o
que coloca o mate no primeiro lugar entre as menores exportações do Brasil, isto é, logo depois do café e da borracha.
Exportação de mate do Brasil:
Anos |
Toneladas |
Valor total
em mil réis ouro |
Valor por quilo,
em mil réis papel |
1902 |
41.928 |
9.639:490$ |
$523 |
1903 |
36.129 |
6.014:968$ |
$376 |
1904 |
44.162 |
8.630:554$ |
$436 |
1905 |
41.119 |
11.088:108$ |
$455 |
1906 |
57.796 |
16.502:881$ |
$483 |
1907 |
52.052 |
14.310:354$ |
$492 |
1908 |
55.315 |
14.669:690$ |
$477 |
1909 |
58.018 |
14.735:893$ |
$456 |
1910 |
59.360 |
17.195:154$ |
$489 |
1911 |
61.035 |
-- -- -- |
$486 |
A esses algarismos de exportação, devem ser juntadas, para avaliar-se a
produção total, cerca de 15.000 toneladas de consumo local, valendo 4 a 5.000 contos de réis, papel.
O preço médio de fábrica para a exportação é de 200 a 340 réis por quilo, com
um imposto de saída de 450 réis por 10 quilos. Segundo os cálculos oficiais, o preço médio do quilo do mate posto a bordo é de 460 réis (cerca de
7d.), tendo-se mantido os mesmos preços, com variações insignificantes, nestes dez anos últimos.
Os estados exportadores de mate são, por ordem de importância, Paraná, Santa
Catarina, Mato Grosso e Rio Grande do Sul, sendo que o Paraná contribui com 8/10 da exportação total; e os países importadores, também por ordem de
importância, são a Argentina, o Uruguai, o Chile.
A exploração do mate oferece garantias que a põem ao abrigo de crises como as
que atingem, por exemplo, o café. É o caso que não se pode abandonar um ano sequer cultura do café, sem que se perca a sua colheita; de sorte
que, seja qual for o preço do mercado, o fazendeiro é obrigado a produzir o máximo possível, agravando às vezes, ainda mais, uma situação que já era
má. Já com o mate, se os estoques existentes podem ameaçar uma crise, basta deixar de fazer colheitas, até que os preços se restabeleçam.
Assim é que, na crise geral dos produtos brasileiros, verificada em 1907 e
1908, o mate não foi atingido, e continuou a ser um produto remunerador, tanto para os patrões ervateiros como para as fábricas, ao mesmo
tempo que um produto permanentemente barato, ao alcance das bolsas mais pobres.
Apesar, porém, de constituir uma indústria fácil e generosamente remuneradora,
a exploração dos ervais ainda não tem todo o desenvolvimento que pode ter, e a produção está ainda longe do seu apogeu. Não somente existem grandes
ervais inexplorados nos estados que os exploram, como se pode contar ainda de futuro com a colaboração de S. Paulo e de Goiás, que ainda não
começaram a explorar essa fonte de riqueza.
Galho de erva-mate
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