O cacaueiro, as vagens e a flor
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O cacau
riginário da América Central, em toda a zona
que fica entre as províncias meridionais do México e a bacia do Amazonas, o cacau, que requer clima quente e úmido, encontra em grande parte do
Brasil um habitat apropriado.
No Pará e Amazonas, ele cresce espontaneamente, embora o produto não seja de
primeira ordem; no Ceará, Pernambuco, S. Paulo e Norte de Minas, há culturas apreciáveis; no Espírito Santo, embora a cultura esteja ainda pouco
desenvolvida, o solo é tão propício ao cultivo do cacaueiro que, nos próprios morros e quebradas de serra, ele frutifica abundantemente; no Sul da
Bahia, desde o distrito de Nazareth até a bacia do Rio Mucuri, o cacau tem uma das suas zonas mais produtivas no mundo; e de um modo geral, em todos
os terrenos ribeirinhos e vales humíferos, da zona tropical, a indústria do cacau, pela facilidade da cultura e pela duração e produtividade da
árvore, e uma das mais rendosas do Brasil.
A árvore do cacau, a theobroma, é particularmente exigente em condições
de temperatura e de solo, não medrando vantajosamente senão em terrenos alagadiços, ou pelo menos úmidos, da América Latina, da África e das Índias
Orientais, compreendidos entre 20º para o Norte e para o Sul do Equador.
Apesar de ter a produção do cacau duplicado já neste começo de século, é certo
que o seu consumo tende a aumentar consideravelmente, à proporção que os progressos crescentes na sua preparação vão mostrando nele qualidades
alimentícias que faltam, por exemplo, ao café e ao chá. Não é, pois, de recear que venha a lhe faltar mercado, e portanto os países - como o Brasil
- particularmente privilegiados por seu solo para a produção do cacau, devem estimular sua cultura e envidar os melhores esforços na preparação de
seu produto.
Como se verá adiante, pelo quadro de exportação - que corresponde mais ou menos
à produção - esta tem mais que duplicado no Brasil, de 1901 para cá, acompanhando assim os progressos feitos na produção mundial. Acontece, porém,
que os processos de cultura e preparação não têm sido melhorados, de sorte que o cacau brasileiro não pode concorrer nos mercados, em qualidade, com
os das possessões portuguesas de S. Tomé e Príncipe, grandes produtoras, também, ou com os das colônias alemãs e inglesas da África e da Ásia, que
alcançam melhores preços e já começam a fazer uma concorrência séria, pela qualidade e pela quantidade, ao cacau das repúblicas americanas, como se
verá das seguintes estatísticas.
Produção - 1911 |
Equador |
40.300 t |
Brasil |
39.000 t |
Costa do Ouro |
35,000 t |
S. Tomé |
33.500 t |
Trinidad |
24.200 t |
S. Domingos |
20.000 t |
Venezuela |
18.000 t |
Granada |
6.000 t |
Colônias Holandesas |
5.000 t |
Ceilão |
4.300 t |
Lagos |
3.800 t |
Índias Holandesas |
3.000 t |
Fernando Pó |
3.000 t |
Jamaica |
2.800 t |
Haiti |
2.500 t |
Suriname |
2.200 t |
Colônias Francesas |
1.600 t |
Cuba |
1.500 t |
Dominica |
1.100 t |
Congo Belga |
1.000 t |
Santa Lucia |
0.700 t |
Costa Rica |
0.200 t |
Outros países |
1.600 t |
250.300 t |
Consumo - 1911 |
Estados Unidos |
61.300 t |
Alemanha |
50.000 t |
França |
28.500 t |
Inglaterra |
25.500 t |
Holanda |
23.400 t |
Suíça |
10.300 t |
Espanha |
6.300 t |
Áustria-Hungria |
6.000 t |
Bélgica |
5.000 t |
Rússia |
4.000 t |
Itália |
2.400 t |
Dinamarca |
2.000 t |
Canadá |
1.900 t |
Suécia |
1.400 t |
Noruega |
1.000 t |
Austrália |
800 t |
Portugal |
200 t |
Finlândia |
100 t |
Outros países |
2.200 t |
232.300 t |
(Estatísticas publicadas
pelo Gordian, e reproduzidas pelo Boletim da Pan American Union, de janeiro de 1912).
Estas duas estatísticas mostram que os países produtores de cacau não são
grandes consumidores do seu produto ou, então, não há dados sobre o consumo local. Elas acusam, além disto, o desaparecimento, entre os países
produtores, do México e América Central, de onde a theobroma é originária, sendo já usado o seu produto, no tempo do descobrimento da
América, pelos indígenas daquelas regiões, que misturavam o cacau triturado com uma papa de milho e pimenta de Caiena, fazendo com isso uma fervura
nutritiva e estimulante, a que denominavam chocalate.
Transportado pelos conquistadores para a Espanha e disseminado pelo resto da
Europa, o chocalate indígena se foi transformando, misturado a princípio com mel e depois com açúcar, até a forma delicada dos chocolates,
que são ainda hoje a principal aplicação do cacau.
Relativamente à produção do Brasil, vemos que ela representa mais de 1/7 da
produção mundial, ocupando o primeiro lugar logo depois do Equador, a que aliás tem disputado a primazia nalguns anos. Assim é que, em 1909, a
exportação do Brasil foi de 33.811 toneladas, enquanto a do Equador foi de 30.650, a de S. Tomé 29.620, a de Trinidad 23.260, a de Venezuela 16.890,
a de S. Domingos 14.820.
Infelizmente, porém, a qualidade do cacau brasileiro não corresponde - como já
ficou dito - à sua quantidade, passando-se com o cacau o que se passa com o tabaco e outros produtos do país: os defeitos de cultivo e preparo,
especialmente na fermentação, não ajudam à excelência do solo, de sorte que o trabalho do homem não ajuda, antes sacrifica, a dádiva da natureza.
No entanto, o cacaueiro do Brasil bem merece melhores cuidados do lavrador,
pois talvez nenhuma outra árvore produtiva do país seja ao mesmo tempo mais rendosa e menos exigente. Uma árvore adulta custa em média 3$, produz
anualmente 1 a 2 kg de favas, vendáveis pelo menos a 10$ por 15 kg, frutificando desde 3 ou 4 anos até 50. Acresce que a sua cultura exige pequeno
pessoal e ocupa pequena área, podendo-se plantar 500 a 600 árvores num hectare de terra.
Com estes dados, os partidários do cultivo do cacau calculam que, no mesmo
espaço de terreno plantado de café e cacau, este dá geralmente um lucro de 30% mais que o café, exigindo muito menos trabalho e menos pessoal.
A propósito das vantagens que oferece este cultivo, diz o sr. Paul Walle:
"Apesar de tudo (isto é, as dificuldades de transporte, que diminuem os lucros para certos distritos, e as de mão-de-obra, que não valoriza
convenientemente o produto), a cultura do cacau, tal como se pratica atualmente no Sul do estado da Bahia, desempenha o mesmo papel de povoamento
que as minas de ouro da Califórnia o as minas de ouro e diamantes da África Austral. Uma plantação de cacau é, com efeito, um patrimônio muito
remunerador, uma verdadeira mina de ouro, em razão da grande procura desse produto. Como a cultura do cacau não se pode fazer senão sobre uma área
bem pequena do globo, porque exige condições particulares de clima e de solo, ela constitui para o estado da Bahia um recurso inestimável. Cada
árvore representa um indivíduo que paga imposto duplo: ao estado (o cacau suporta um direito de exportação de 14% ad valorem) e ao
particular, e esse tributo ele o paga durante quarenta e cinqüenta anos sem receber remuneração alguma".
Nestes últimos anos, as plantações de cacau da Bahia estenderam-se
consideravelmente (mais de 160.000 hectares), tendo a produção se desenvolvido por tal forma, que se tem receado uma crise do cacau, análoga à que
sofreu o café - crise que atingiria principalmente as qualidades inferiores, abundantes no Brasil, suspendendo a sua venda.
Felizmente para as culturas da Bahia, diminui continuamente a produção de cacau
na Amazônia - a qual por muito tempo alimentou exclusivamente a exportação do Brasil, e onde o cacaueiro é nativo, mas que hoje reduz sua atividade
à exploração da borracha.
De janeiro de 1906 a novembro de 1907, os preços do cacau estiveram em alta,
sendo o cacau da Bahia cotado, no Havre, de 58 a 148 francos por 50 kg. Em 1908, porém, a produção mundial foi calculada em 180.000 toneladas e em
1909 em 165.000, sendo o consumo mundial calculado em 150.000 - o que quer dizer que as duas cifras deixaram um estoque disponível de 45.000
toneladas e determinaram uma considerável redução nos preços.
Além desta superprodução, os produtores de cacau (não só os brasileiros, mas
equatorianos e outros) se queixam de que o mercado normal do cacau vem sendo prejudicado, desde alguns anos pelas manobras dum grupo reduzido, mas
poderoso, de especuladores hamburgueses, os quais, adquirindo previamente colheitas a baixo preço, vendem a descoberto o gênero aos fabricantes,
muito antes da época da safra; de sorte que, quando o produto aparece no mercado, ja encontra muitos industriais providos dele, vendo-se assim os
produtores forçados a aceitar os baixos preços oferecidos pelos vendedores a descoberto.
Esta contingência não é tão premente para os cacaus superiores, que podem
esperar melhores preços, sem o risco de deteriorar-se; mas o cacau baiano é quase todo de segunda qualidade, do considerado regular, o qual
facilmente mofa e bicha, quando guardado algum tempo.
Para libertar o cacau das manobras hamburguesas, o Equador resolveu promover um
convênio com os outros produtores, particularmente os portugueses das ilhas africanas de S. Tomé e Príncipe e os produtores baianos. Reunidos em
Paris, em junho de 1911, os representantes dos produtores equatorianos e portugueses - com a presença do ministro do Brasil e do senador José
Marcellino, chefe político na Bahia - assentaram as bases dum acordo, o qual foi depois submetido à aprovação dos produtores baianos pelo sr. Jayme
de Séguier, delegado do governo e dos produtores portugueses, numa reunião realizada em outubro de 191, na capital da Bahia.
O objetivo fundamental do convênio era constituir em cada um dos três países um
grupo de interessados diretos no comércio de cacau, produtores ou comissários - o qual procurará dominar por si a produção nacional, não deixando
margem às manobras dos especuladores de Hamburgo. Apesar de muito indefinidas as táticas propostas, é fora de dúvida que só por um entendimento
entre os produtores dos diversos países, eles poderão organizar uma defesa eficaz contra as especulações que desvalorizam o produto, sendo mesmo
para assinalar-se que, talvez por efeito também da resistência comum, combinada com as razões naturais de oferta e procura, os preços do cacau
começaram a subir sensivelmente em 1911.
É fora de dúvida, entretanto, que a mais eficaz medida que podem tomar os
produtores baianos para valorização do seu cacau é a introdução de melhoramentos nos processos de fermentação e secagem - graças ao que o produto,
que é de primeira qualidade quando ainda na árvore, não só alcançará preços mais elevados, como poderá se conservar mais tempo guardado, a fim de
esperar melhores mercados. Damos a seguir um quadro da exportação do cacau brasileiro, de 1901 para cá:
Ano |
Quantidade
em kg |
Valor papel |
Por quilo,
em papel |
Equivalente total
em ouro |
1901 |
15.682.092 |
18.426:958$ |
1$175 |
7.527:348$ |
1902 |
20.642.412 |
20.691:613$ |
1$002 |
9.084:238$ |
1903 |
20.899.643 |
20.415:346$ |
$977 |
8.997:546$ |
1904 |
23.160.028 |
21.716:343$ |
$938 |
9.738:092$ |
1905 |
21.090.088 |
15.759:750$ |
$747 |
9.240:313$ |
1906 |
25.135.307 |
20.728:207$ |
$825 |
12.323:922$ |
1907 |
24.397.249 |
32.043:979$ |
1$313 |
17.891:519$ |
1908 |
32.955.920 |
31.606:000$ |
$959 |
17.577:386$ |
1909 |
33.817.789 |
25.498:613$ |
$754 |
14.212:958$ |
1910 |
29.157.579 |
20.679:209$ |
$709 |
12.254:946$ |
1911 |
34.994.087 |
24.668:017$ |
-- |
-- |
Os maiores importadores de cacau brasileiro,que eram - por ordem - até poucos
anos, os Estados Unidos, a França, a Alemanha e a Grã-Bretanha, são hoje a Alemanha e a França, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha. Relativamente à
exportação, podem ser atribuídos ao porto da Bahia 3/4 ou mesmo 5/7 da exportação total, vindo em segundo lugar, com alguma importância, apenas, a
exportação do Pará.
Pode-se dizer que os algarismos para a exportação representam também quase toda
a produção, visto como o cacau consumido no país é quase todo preparado no estrangeiro e reimportado pelo Brasil, que pouco explora a indústria da
preparação. |