O cais do Rio há 60 anos (N.E.: por volta de
1853, portanto)
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História (J)
Por Arnold Wright
Capítulo XVII
A Revolta da Armada
Como defensor triunfante dos direitos constitucionais, iniciou
o presidente Floriano Peixoto o seu governo em condições verdadeiramente propícias, tendo em seu favor todos os
elementos influentes do país. Começou prometedoramente, abolindo o impolítico decreto de 3 de novembro, que dissolvia as Câmaras. A morte de d.
Pedro II, ocorrida a 5 de dezembro, foi mais uma circunstância em favor da tranqüilidade do seu governo, tornando a reação monárquica mais que nunca
improvável. Entretanto, Floriano Peixoto, uma vez firmemente instalado na presidência, não demorou em deixar transparecer as mesmas qualidades que
haviam tornado impossível a administração do seu predecessor.
Uma sedição ocorrida em janeiro, na fortaleza de Santa Cruz, situada próximo à entrada do porto do
Rio de Janeiro, foi por Floriano Peixoto interpretada como um movimento político, organizado pelos seus inimigos para o derrubar do poder; e com o
fim de melhor se firmar, estabeleceu uma mal disfarçada ditadura militar.
Enérgico protesto foi levantado pelo Jornal do Commercio contra as irregularidades
constitucionais, e a este protesto seguiu-se um manifesto assinado por treze generais, reclamando a nova eleição presidencial. Não se importou
Floriano Peixoto com o protesto da imprensa e, quanto ao manifesto, reformou os generais signatários e mandou prender outros oficiais que haviam
manifestado simpatia por aquela causa. Em abril de 1892, houve um levantamento no estado de Mato Grosso, que pretendeu declarar-se república
independente do governo central; com as enérgicas medidas adotadas, foi porém esse movimento abafado e os chefes revolucionários obrigados a fugir
para fora do país.
Em fins de 1892, rebentou um movimento revolucionário formidável no Rio Grande do Sul, sob a
chefia de Gumercindo Saraiva, figura muito popular naquele estado. O movimento espalhou-se rapidamente; e Floriano Peixoto foi obrigado a empreender
sérias e dispendiosas operações militares, para o restabelecimento, no Rio Grande do Sul, da autoridade do seu governo. Em julho, o almirante
Wandenkolk, tendo-se apoderado dum pequeno navio, chamado Jupiter, seguira para o Rio Grande do Sul, a fazer causa comum com os rebeldes. Não
foi, porém, Wandenkolk devidamente amparado; e se viu obrigado a entregar-se ao governo.
O ato de Wandenkolk, com as medidas tomadas para a sua punição, exacerbou os ânimos da Marinha, já
antes profundamente desgostosa com a predominância do Exército. À testa dos descontentes, aos quais se juntara o elemento civil, chefiado pelo sr.
Ruy Barbosa, estava o almirante Custodio José de Mello, que fora nomeado ministro da Marinha por ocasião da subida ao poder do marechal Floriano e
resignara o cargo, logo após a declaração da revolta do Rio Grande do Sul, por ser adverso à política de coação exercida pelo presidente.
Na noite de 5 de setembro de 1893, acompanhado dum grupo de oficiais, que lhe eram dedicados,
dirigiu-se o almirante para o ponto em que se achavam ancorados os navios da esquadra e, desfraldando a sua bandeira no mais importante destes
navios, o Aquidaban, proclamou a revolta. Nessa ocasião, a maior parte dos oficiais dos navios surtos no porto achavam-se em terra,
assistindo ao espetáculo do Teatro Lírico; e em poucos minutos Custodio de Mello e seus companheiros ficavam inteiramente senhores da situação.
Além do Aquidaban, couraçado, apoderaram-se do cruzador Republica, dois torpedeiros
e vários outros navios. As guarnições nestes navios constituíam o total de 1.200 homens. Na manhã seguinte, ao acordar, viram-se os habitantes do
Rio de Janeiro dominados por uma esquadra revoltosa, bem comandada.
Pelos chefes revolucionários, foi enviada a Floriano Peixoto uma mensagem, exigindo a entrega do
governo, dentro do prazo de seis horas, acompanhada duma proclamação ao povo, na qual se encontram os seguintes períodos: "Concidadãos!
O movimento revolucionário de 23 de novembro não teve outro fim senão restaurar o regime constitucional e a ação dos poderes constituídos que o
golpe de estado de 3 de novembro aniquilara, com assombro geral da Nação e principalmente de todos quantos eram responsáveis pela formação do
governo republicano. ... No declínio do poder que se transviou, a Administração Republicana desceu a todos os abusos. Mutilada, inúmeras vezes
golpeada, a Constituição de 24 de fevereiro já não tem forma pela qual se reconheça, como a suprema lei das liberdades públicas e das garantias do
cidadão; por toda a parte, impera o arbítrio do poder... A nação anseia por ver-se livre dum governo que a humilha. A época é, pois, de reconquista
de direitos e de liberdades que foram conculcados e suprimidos... Nenhuma sugestão de poder, nenhum desejo de governo, nenhuma aspiração de exercer
mandatos por esforço violento da própria individualidade, me levam à revolução. Que a Nação brasileira possa e saiba exercer a sua soberania dentro
da República, eis o meu desideratum, eis a cogitação suprema do meu espírito e da minha vontade. Viva a Nação Brasileira" Viva a República!
Viva a Constituição! Capital Federal, 6 de setembro de 1893 - Custodio José de Mello".
Floriano Peixoto não era, porém, homem que se intimidasse. Mandou uma resposta enérgica e
imediatamente tomou as medidas necessárias para acudir à emergência. Foram guarnecidos os pontos estratégicos ao longo do litoral, para impedir o
desembarque, e reforçados os elementos de Santa Cruz, fortaleza que defende a entrada do porto.
Por alguns dias o almirante revoltoso se absteve de qualquer ação, para não danificar a cidade,
que estava à mercê dos seus canhões; mas, como as fortalezas começassem a atirar sobre os seus navios, no dia 13 de setembro, começou ele a
bombardear a cidade. O fogo dos navios concentrava-se principalmente nas fortalezas, arsenal e edifícios públicos, mas, como era inevitável, houve
grandes danificações nas propriedades particulares, causadas pelas granadas.
Com relação a navios brasileiros, foi estabelecido rigoroso bloqueio da baía; os navios
estrangeiros, porém, podia entrar e sair sem serem molestados. Esta circunstância foi interpretada pelos governistas como evidÊncia de parcialidade
estrangeira em favor dos rebeldes; e durante algum tempo, houve certa tensão de relações com as potências européias, proveniente desta impressão
que, mais tarde, se provou não ter fundamento.
O segundo bombardeamento, operado a 22 de setembro, causou extrema consternação na cidade; o
governo, porém, manteve-se firme, recusando-se, absolutamente, a tratar com os rebeldes, os quais, entretanto, com quatro membros do Congresso
ocupando lugares proeminentes, haviam organizado um Governo Provisório e, de bordo do Aquidaban, lançado uma proclamação, confiando a
Custodio de Mello o comando supremo das forças de terra e mar, para restabelecer a ordem pública e restaurar a Constituição.
A situação era deveras curiosa: dum lado, Custodio de Mello que nada podia fazer em terra, por
falta de homens em número suficiente, e que se achava bloqueado no porto, por estarem em poder do governo as fortalezas, que dominavam a barra; do
outro lado, o governo, impossibilitado de empreender operações no mar, devido a ter-se Custodio de Melo apoderado de todos os navios da esquadra.
Logo no princípio da revolta, tomou Floriano Peixoto medidas para equipar uma esquadra que viesse
bater os navios rebeldes. Os seus agentes compraram nos Estados Unidos alguns navios mercantes, que foram armados como cruzadores; e além disso,
encomendaram-se vários torpedeiros na Europa. Reunidos esses navios, formavam uma esquadra de poder muito duvidoso, realmente mais formidável na
aparência, que nas suas qualidades táticas.
Um dos navios, o Nitheroy, era provido dum canhão de ar comprimido, que atirava projéteis
de dinamite; e havia ainda outras novidades em armamento, que, na ocasião, deram muito que falar. A 22 de novembro, o Aquidaban forçou a
barra, passando entre os fortes e indo, conforme se pensava, ao encontro da esquadra governista, que se sabia vir em viagem de Nova York para o
Brasil.
Durante a sua ausência, Custodio de Mello confiou o comando das forças revoltosas ao almirante
Saldanha da Gama, diretor da Escola Naval e distinto oficial, que se havia passado para os rebeldes, tendo publicado antes um manifesto, em que
declarava: "Aceitando esta situação que me é imposta pelo patriotismo, reúno-me, sem prévios
conchavos, em pleno dia e pesando a responsabilidade que tomo, aos meus irmãos que, há um ano nas campinas do Rio Grande do Sul, pugnam
valorosamente pela libertação da pátria brasileira do militarismo agravado pela contubérnia do sectarismo e do mais infrene jacobinismo".
A este manifesto, respondeu o presidente promulgando um decreto, no qual Saldanha da Gama era
considerado desertor, como os demais revoltosos, e traidor da pátria. Para a causa revoltosa foi de grande vantagem a adesão de Saldanha da Gama,
homem de valor e influência excepcionais. "Descendente de Vasco da Gama
- diz o sr. C. E. Akers em sua Historia da America do Sul - tinha o orgulho da tradição
da sua família, profundamente enraizado no coração. O seu espírito não admitia o sacrifício dos princípios políticos às razões de ordem individual.
Tinha viajado muito e o conhecimento familiar dos idiomas inglês, francês, italiano, espanhol e alemão lhe permitira tirar grande proveito dessas
viagens.
"Conquanto se conservasse afastado da política no Brasil, muitas vezes desabafava com os seus
amigos mais íntimos, exprimindo grande desprezo pelos políticos que, na sua opinião, não faziam senão arrastar a pátria para o abismo, desde a
abolição do regime imperial. Condenava os processos ditatoriais de Floriano Peixoto. Era, de coração, um servidor da família imperial exilada. Todos
os seus votos e desejos eram pela restauração, mas nunca pensou em restabelecer a monarquia, por meio da força.
"Quando rebentou a revolta, tinha a seu cargo a Escola Naval e foi em parte devido a essa
circunstância que se sentiu obrigado a fazer causa comum com os revoltosos. Os alunos, moços de 16 a 21 anos, estavam resolvidos a unir-se aos seus
companheiros da esquadra, e o almirante Saldanha da Gama não se podia resignar a abrir luta com os oficiais, seus irmãos de armas, e mormente com os
alunos navais a quem por tanto tempo havia estado ligado".
Saldanha da Gama entrou no movimento revolucionário de corpo e alma. Em princípios de janeiro, os
revoltosos, sob o seu comando, fizeram um ataque ousado à ilha do Engenho. Após um bombardeio preliminar pelos navios da esquadra, uma força de 200
homens efetuou o desembarque. No primeiro encontro, foram os revoltosos repelidos; voltando, porém, ao ataque, assenhorearam-se das posições dos
governistas. Alguns dias depois, tentaram as forças do governo um ataque a uma posição dos revoltosos, na ilha do Boqueirão, onde estes tinham
grande depósito de munições de guerra; mas o assalto fracassou.
Furioso com o fracasso de suas forças nestes ataques, mandou o governo dirigir o fogo contra a
Ilha das Enxadas, onde os revoltosos tinham o seu hospital. Diversas granadas explodiram no edifício, matando alguns doentes. Este incidente
despertou grande indignação pública contra o governo e tornou mais popular a causa da revolta. Este sentimento aumentou ainda, quando, a 12 de
janeiro, o Aquidaban forçou novamente a barra e voltou ao porto. Saldanha da Gama aproveitou-se deste reforço à pequena esquadra e deu um
assalto à Ilha de Mocanguê. Tendo o Aquidabgan preparado, com violento canhoneio, o desembarque, foi este efetuado ao amanhecer e
imediatamente os invasores capturaram três canhões Krupp de campanha, um pesado canhão Whitworth e grande quantidade de munições.
Voltaram em seguida os marinheiros estes canhões contra as tropas governistas estacionadas na
Armação e na Ponta da Areia, que assaltaram depois; seguiu-se renhido combate, corpo a corpo, no qual, afinal, se renderam as forças do governo.
Compreendendo a necessidade de aproveitar o melhor possível as suas forças entusiasmadas por estas
vitórias, Saldanha da Gama apertou mais o bloqueio, o qual havia sido mantido com intermitências, desde que estalara a revolta. A sua interferência
no movimento comercial do porto - interferência que se tornava indispensável para a execução dos seus planos - breve fez desencadear-se uma
tempestade de protestos furiosos por parte do comércio marítimo estrangeiro. Tendo sido alguns navios norte-americanos impedidos de se mover
livremente no interior do porto, o comandante da esquadra americana, almirante Benham, pediu a Saldanha da Gama uma conferência e fez-lhe ver os
inconvenientes da sua política em relação aos navios estrangeiros.
Saldanha da Gama contava, mais tarde, que o almirante americano lhe falara em termos peremptórios
e, querendo fazer-lhe ver que a causa dos revoltosos estava perdida, lhe oferecera os seus serviços para obter um acordo com o governo. Saldanha da
Gama respondeu que o único acordo possível era a renúncia de Floriano Peixoto, à qual se deviam seguir as eleições para a nova presidência. A
conferência terminou com a afirmação, feita por Saldanha da Gama, de que os revoltosos podiam continuar a luta por tempo indefinido.
Pouco depois, realizou-se uma conferência, em que se reuniram todos os comandantes dos navios de
guerra estrangeiros então no porto, para examinar a situação. O resultado desta conferência foi uma decisão tomadas entre todos os comandantes, para
que se telegrafasse aos respectivos governos a informação de que os revoltosos eram senhores absolutos do porto e se pedissem instruções quanto às
medidas a tomar, dadas as circunstâncias, com relação ao comércio estrangeiro.
Antes que fossem recebidas as respostas a esses pedidos de instruções, deu-se um incidente que
determinou completamente a situação. Dois navios norte-americanos que haviam entrado no porto, com carregamento, foram impossibilitados, por uma
ordem de Saldanha da Gama, de chegar ao cais. O almirante Benham resolveu, então, agir energicamente por sua própria conta, com o fim de levantar o
embargo imposto aos navios cargueiros. Notificou a Saldanha da Gama que os navios iam seguir para o cais de desembarque e que, à menor tentativa
contra os mesmos, ele interviria, com a força de que dispunha. O governo dos Estados Unidos apoiou incondicionalmente a atitude do almirante Benham
e deu-lhe inteira liberdade de ação, para o caso de sobrevirem novas complicações.
O Rio antigo: 1) Cais Pharoux; 2) A Glória há 8 anos
(N.E.: em 1905); 3) Botafogo em 1892;
4) Largo da Carioca em 1904
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As medidas enérgicas do almirante Benham foram a principal causa para enfraquecer a situação dos
revoltosos no Rio de Janeiro. Ao passo que o governo se via livre, em grande parte, duma pressão maior de dia para dia, devido à paralisação do
comércio, começavam os revoltosos a achar dificuldades, cada vez maiores, em obter as provisões de que necessitavam, em razão da atividade
desenvolvida pelas forças governistas, às quais, agora, nada faltava.
Outro fator, que grandemente influiu nesta conjuntura, foi a aproximação da esquadra que o governo
improvisara. Já essa esquadra chegara a Pernambuco e era opinião que, chegada ao Rio, ela se mediria com a esquadra revoltosa. Saldanha da Gama, à
vista da situação, resolveu empregar uma última tentativa, assaltando as posições do governo.
O combate efetuou-se a 9 de fevereiro e nele perdeu o governo 550 homens, ao passo que Saldanha da
Gama teve apenas metade daquele número de baixas, embora ele próprio ficasse ferido. O resultado indeciso do encontro foi, em todo o caso, um
desastre para o partido mais fraco. Outro golpe, ainda mais desastroso, veio piorar a situação dos revoltosos, quando, poucos dias depois, três dos
seus navios foram metidos a pique pelas baterias do governo. A perspectiva do bom êxito tornava-se cada vez mais improvável, a não ser que a luta
que no Sul continuava viesse mudar o aspecto das coisas. É preciso agora voltar a atenção para estas operações, para que se possa compreender
claramente a situação.
Custodio de Mello, deixando o Rio de Janeiro, seguiu para Desterro
(N.E.: mais tarde rebatizada Florianópolis, capital de Santa Catarina),
quartel-general dos revoltosos, a fim de conferenciar com os seus colegas do Governo Provisório. A decisão tomada foi se juntarem todas as forças
dos revoltosos às de Gumercindo Saraiva, que se achava na fronteira do Rio Grande do Sul com 4.000 homens. Transmitida esta decisão a Gumercindo
Saraiva, concordou ele em avançar, deixando o seu colega, o hábil general Tavares, a dirigir as operações no Rio Grande do Sul. O corpo de exército
de Gumercindo chegou ao Desterro em princípios de janeiro, e rapidamente ficou acordado um plano de operações entre os chefes revoltosos.
"O plano de campanha proposto pelo Governo
Provisório - diz Akers - era que as
forças do Rio Grande, marchando através Santa Catarina, entrassem no Paraná e avançassem sobre a cidade de Curitiba, pelo lado da Lapa.
Simultaneamente, o almirante Custodio de Mello deveria seguir com o cruzador Republica e os transportes armados em guerra Urano e
Pallas para Paranaguá. Uma estrada de ferro liga Curitiba àquele porto de mar, e a tomada de tais pontos importaria em se estabelecer o domínio
dos revoltosos no Paraná. Em meados de janeiro de 1894, foram recebidas notícias de Gumercindo, dizendo haver encontrado fraca oposição à sua
marcha; e que, onde fora preciso combater, havia sempre batido os adversários. Acrescentava que a guarnição da Lapa se achava sitiada, que esperava
a sua capitulação de dia para dia, e que alcançaria Curitiba nos últimos dias do mês.
"O almirante Mello iniciou então a sua expedição, com o Republica e os transportes, e
entrou em Paranaguá. Tropas de desembarque se apoderaram do forte,e a cidade, depois de pequena resistência, rendeu-se, tendo perdido 20 homens da
guarnição, mortos ou feridos; mas, além disso, foram feitos prisioneiros 350 oficiais e soldados e tomada considerável quantidade de material
bélico. Muitos dos prisioneiros se alistaram nas fileiras revolucionárias. Esta vitória foi importante para os insurretos, porque deu ao seu Governo
Provisório um porto cuja renda serviria para fazer face às despesas da revolução".
A vitória referida teve ainda um grande alcance: a Lapa rendeu-se sem disparar um tiro, sob a
condição de que a sua guarnição seria transportada para fora da zona sob o domínio dos revolucionários. Em Curitiba, apoderaram-se os chefes
revoltosos de material bélico considerável, e obtiveram reforços importantes, dos quais os mais notáveis foram dois regimentos recrutados entre os
colonos italianos da região. Começaram então os revolucionários a organizar os seus planos para o ataque ao Rio de Janeiro.
A sorte, porém, estava contra eles. Conquanto Floriano Peixoto se tivesse tornado extremamente
impopular em conseqüência de suas medidas irregulares e arbitrárias, as forças do Governo conservaram-se bastante fortes, não só para resistir ao
ataque, mas até para ameaçar o inimigo. No porto do Rio de Janeiro, Saldanha da Gama, privado de mantimentos e com o prestígio cada vez mais
abalado, quase não podia resistir mais.
Foi nestas circunstâncias que as câmaras se reuniram, para a indicação do presidente, que deveria
suceder a Floriano Peixoto, findo o seu período presidencial, em 15 de novembro do corrente ano. A escolha recaiu no dr.
Prudente de Moraes e Barros, para presidente, e dr. Manuel
Victorino, para vice-presidente. Feitas as eleições em todo o país, saíram estes nomes triunfantes e os novos presidente e vice-presidente foram
reconhecidos a 1º de março, pelo Congresso Nacional.
Para que o processo eleitoral corresse legalmente, foi suspenso o estado de sítio, mas os estados
do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, em poder dos revolucionários, não tomaram parte na eleição. Concluído o pleito, entregou-se Floriano
Peixoto à tarefa de esmagar os revoltosos no porto do Rio de Janeiro. Terminados os seus preparativos a 11 de março, fez uma proclamação, dando
quarenta e oito horas de prazo à população do Rio de Janeiro para se retirar da cidade e participando a sua resolução de dar um combate decisivo
para aniquilar a revolta.
O decreto do governo determinou um verdadeiro êxodo. Os trens para os subúrbios partiam apinhados
de fugitivos, além de toda a sorte de veículos ocupados em auxiliar o transporte dos habitantes para fora da cidade. Na cidade, propriamente dita,
fechavam-se as lojas e casas comerciais e tornava-se difícil obter mesmo os artigos de primeira necessidade. Só da área central da cidade, fugiram
cerca de 100.000 pessoas, que foram para os subúrbios e arrabaldes, esperar o desenlace do conflito final. Os abastados conseguiam acomodações, por
preços elevados, em diversas casas, ou se hospedavam em casas de amigos e conhecidos. Das classes pobres, muita gente fugiu para as colinas
vizinhas, sem outra coberta senão o céu; a estes, mandava o governo distribuir provisões para lhes minorar a miséria.
Até as 2 horas de 13 de março, continuou o êxodo. A esta hora, as fortalezas legalistas da entrada
da barra abriram o fogo sobre a fortaleza revoltosa de Villegaignon e em breve se lhe juntaram as outras fortalezas do governo na Armação e Gragoatá.
Como os navios revoltosos não respondessem, foi mandado cessar o fogo. Recomeçou este às 3 horas, atirando as baterias da cidade sobre a fortaleza
de Villegaignon, sobre o Tamandaré, capitânia da esquadra revoltosa, Ilha das Cobra e os outros pontos em poder dos revoltosos. Continuaram
silenciosos os rebeldes.
Às quatro horas, a esquadra legalista apareceu à barra, com o Aurora na vanguarda. Com a
sua aparição desceu a bandeira da revolta. Rapidamente se percebeu que os navios revoltosos haviam sido abandonados e evacuadas as posições que em
terra ocupavam os insurretos. O boato que logo correu em terra foi que Saldanha da Gama se havia refugiado num vaso de guerra inglês. Em breve,
porém, se soube positivamente que tanto ele como os principais oficiais tinham procurado refúgio a bordo dum navio português. Deste ponto de
refúgio, dirigiu Saldanha da Gama uma comunicação ao governo, oferecendo-lhe entregar-se, sob a condição de ser assinado o pleno indulto a todos os
revoltosos e aos oficiais superiores ser permitido renunciarem aos seus postos, comprometendo-se eles a nunca mais tomar armas contra o governo.
Perante a resposta do governo, de que os revoltosos se deviam render sem condições, Saldanha da
Gama preferiu fugir. Floriano Peixoto fez pedidos insistentes para que lhe fossem entregues Saldanha da Gama e os outros chefes que a ele se haviam
juntado; mas os portugueses recusaram-se a satisfazer tal pedido e finalmente tomaram a deliberação de transportar os refugiados a Montevidéu, onde
eles desembarcaram. Desta atitude dos portugueses resultou o rompimento de relações diplomáticas entre o Brasil e Portugal; e só no ano seguinte
elas se reataram, por intermédio da Grã-Bretanha.
Sem se deixar desanimar pelos acontecimentos, continuou Custodio de Mello a luta, com vigor. De
acordo com o general Salgado, atacou, em princípios de abril, por terra e por mar, a cidade do Rio Grande do Sul; devido, porém, à falta de harmonia
entre os comandantes respectivos, esse ataque fracassou por completo. Depois, a esquadra legalista atacou os navios rebeldes; no combate, o
Aquidaban, que havia sido o baluarte da esquadra rebelde - e pode-se dizer que da causa revoltosa - foi metido a pique.
Este revés convenceu os chefes rebeldes de que não mais podiam sustentar a luta no mar. Mais ou
menos em meados de abril, Custodio de Mello, com os restos da sua esquadra, entregou-se às autoridades argentinas, sob a condição de não serem, ele
e os seus companheiros, em número de 1.200 homens, entregues ao governo brasileiro. Era de supor que estivesse finda a luta e não causou admiração
que o governo brasileiro, a 24 de abril, comunicasse oficialmente ao Corpo Diplomático a terminação da guerra.
Entretanto, embora Custodio de Mello e a sua esquadra estivessem fora de combate, havia ainda um
espinho terrível para o governo: os revoltosos do Rio Grande do Sul. A 27 de junho, deu-se um encontro entre as forças do governo, comandadas pelo
general Lima, e as revolucionarias sob a chefia de Gumercindo Saraiva; e depois de renhido combate foram os revoltosos batidos, perdendo cerca de
1.000 homens. Esta vitória deu tal prestígio ao governo, que, em setembro, pode ele decretar o levantamento do estado de sítio no Rio de Janeiro.
Não estava, porém, completamente restabelecida a paz. em princípios de 1895, estando já na
presidência Prudente de Morais, os partidários de Floriano Peixoto promoveram distúrbios e criaram uma situação de agitação que ameaçava tornar-se
grave. O presidente Prudente de Moraes, em março, fez fechar temporariamente a Escola Militar e promulgou um decreto de expulsão contra todos os que
haviam tomado parte nas demonstrações.
Mais ameaçador ainda foi o reaparecimento do almirante Saldanha da Gama em luta contra o governo.
Tendo assumido a chefia de forças rebeldes no Rio Grande do Sul, ao redor dele se concentraram os elementos descontentes do Estado. Em junho, porém,
encontrou-se com forças governistas em Sant'Anna e, depois de um combate desastroso para a causa revolucionária, abandonado pela maior parte dos
seus soldados, ordenou Saldanha da Gama aos seus companheiros que procurassem salvar-se e suicidou-se.
O governo aproveitou-se desta oportunidade favorável, para chegar a um acordo com os rebeldes que
ainda se conservavam em campo. Por esse acordo, era concedido pleno indulto a todos aqueles que depusessem as armas, com a garantia completa dos
direitos civis a todos os implicados na revolução. O dr. Julio Castilhos ficava como governador provisório do Rio Grande do Sul, até que se reunisse
o Congresso Estadual para fazer a revisão da Constituição e pô-la em harmonia com as dos outros Estados da União.
Antes que a obra da conciliação pudesse ser inteiramente concluída, foi o marechal Floriano
Peixoto atacado por uma moléstia fatal. A sua morte, ocorrida a 29 de junho de 1895, poderia, em período anterior, ter causado sérias complicações;
mas a sua influência política tinha declinado consideravelmente e os negócios públicos tomavam agora um caminho que os devia afastar cada vez mais
das perniciosas tradições militaristas, em que haviam estado envolvidos.
Como o seu predecessor, Floriano Peixoto fora um ditador militar, tendo, porém, ótimas qualidades
de organizador e administrador. Constitucionalismo, no verdadeiro sentido da palavra, não entrava nas suas concepções. Pouco conhecia e pouco lhe
importavam os princípios de governo civil. Governou o Brasil do mesmo modo que comandaria um regimento; o seu sistema era duma energia
inquebrantável de disciplina, combinada com a escolha arbitrária de funcionários e uma violenta supressão dos direitos populares. Homem menos forte
teria infalivelmente sucumbido na emergência crítica em que o seu governo se viu colocado. Era ele, talvez, o único homem no Brasil capaz de
enfrentar assim as circunstâncias em que ficou todo o país em 1894; e a tempestade foi tão completamente dissipada, que, com a vitória de Floriano,
receberam as instituições republicanas no Brasil um grande alento e, por assim dizer, uma vida nova. |