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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Pedido fim do banimento da família imperial (1)

Surgiu em Santos a ação para extinguir a ordem de expulsão dada em 1889

Quando foi proclamada a República no Brasil, em 15 de novembro de 1889, o novo governo decidiu expulsar a família imperial, que teve 24 horas para embarcar num navio com destino a Portugal. Anos depois, foi iniciado em Santos um movimento pelo fim do decreto de banimento, como foi relembrado em matéria publicada no Caderno Comemorativo do Sesquicentenário, do jornal santista A Tribuna, em 7 de setembro de 1972:


D. Pedro II e d. Thereza Christina, na Quinta da Boa Vista, em companhia da princesa Isabel, sua filha; do Conde D'Eu, seu genro; do príncipe D. Pedro Augusto de Saxe Coburgo, filho da princesa Leopoldina e dos príncipes D. Pedro, D. Luiz e D. Antônio, seus netos
Foto: reprodução, publicada com a matéria

1903. A Tribuna redige habeas-corpus em favor da família imperial brasileira

O autor

Alcindo Gonçalves, autor deste trabalho, é bisneto de Alberto Veiga, o jornalista que redigiu o histórico "habeas-corpus" em favor da família imperial brasileira, em 1903. Urbano Neves, Olímpio Lima e Alberto Veiga foram, então, um exemplo de coragem moral que jamais faltou à A Tribuna, tanto na fase do fundador como sob a direção de Nascimento Júnior e, mais tarde, de Giusfredo Santini. Alcindo Gonçalves, que além de bisneto é fervoroso admirador de Alberto Veiga, percorre hoje, com suas notas e observações, uma página de honra que também foi de A Tribuna, como sugere a sua leitura

 

É manhã, radiosa manhã de outono tropical. A bordo do Amazone, até então, os dias se haviam sucedido sem acontecimentos, ao embalo do Atlântico imenso, mas agora, à frente, surge a paisagem de Cabo Frio. Junto à amurada, envolvido por intensa emoção, um jovem passageiro recorda... "Cabo Frio! Foi aqui que, em 1889, expulsos pela revolução, dissemos adeus às costas da nossa pátria. Um pouco mais longe - lembro-me como se fosse ontem - meu avô, querendo dar ao Brasil uma prova de seu inalterável amor, fez-nos soltar um pombo, em cujas asas ele próprio havia amarrado uma mensagem. À vista da terra ainda próxima a ave largou o vôo, mas um longo cativeiro lhe havia, sem dúvida, alquebrado as forças. Depois de haver lutado por alguns momentos contra o vento, esmoreceu, e vimo-la cair nas ondas - símbolo vivo do desmoronar de nossas esperanças".

Aos 11 anos de idade, aquele moço tivera de deixar a sua terra, e agora, quando o navio se aproxima da costa, e sucessivamente vão surgindo a Gávea, o Bico de Papagaio, o Corcovado, o Pão de Açúcar, e tantos outros perfis familiares, pungente enternecimento sufoca seu coração:

"É, pois, certo que vou tornar a ver o Rio... Essa peregrinação com que sonho há dezessete anos, ei-la bem próxima e real... Ao longo das viagens sem termo que me têm levado a todos os limites do mundo, há dezessete anos que anseio por este momento, que fantasio este regresso. Até no sonho esse desejo me acompanha. Quantas vezes, em sonhos, não me tenho encontrado à entrada da Barra! Quantas vezes não a tenho penetrado, com o coração a transbordar de esperanças! Não raro tenho logrado desembarcar, e então, deslocado por uma longa ausência, inquieto por me sentir estrangeiro no meio de um Rio desconhecido, aumentado e transformado, corro aos lugares onde se passou minha infância. Mas sempre o destino cruel os distancia e oculta, de modo que meu navio de novo larga, e volto a encontrar-me em pleno oceano, sem ter alcançado acalmar as saudades que me consomem... Dar-se-á hoje a mesma coisa?"

Em tropel, as recordações se sucedem. Ele aspira longamente o ar e "bafeja-me um aroma penetrante, especial, delicioso ao meu olfato, um perfume que não se esquece: o cheiro do Brasil, odor carregado e embriagante, que exalam, ao mesmo tempo, as plantas, a terra e o mar e que em um instante me traz à lembrança todo um mundo de impressões de outrora. Bruscamente, elimina-se, então, da minha memória, tudo o que foi a minha vida desde a minha partida do Rio - e torno a encontrar-me na Pátria, naturalmente, como se uma parte, que aqui tivesse ficado, voltasse a tomar posse do meu corpo desarraigado e errante..."

Enquanto ele recorda, o Amazonas lança a âncora, a Saúde e a Alfândega sobem, e um jornalista, representante de um dos grandes diários do Rio de Janeiro, aproxima-se e dá ao jovem passageiro a notícia cruel: o Governo brasileiro proibia seu desembarque. Logo após era uma correta e polida autoridade que lhe transmitia aquela decisão dos poderes federais, e contra ela o jovem, profundamente abalado, lança seu protesto: "É uma violência. Mas acato as ordens do Governo brasileiro".

Assim, "cercado de terra brasileira por todos os lados", o Príncipe Dom Luiz de Orleans e Bragança, neto de Dom Pedro II, segundo filho da Princesa Isabel, a Redentora, e do Conde d'Eu, era impedido de desembarcar, no dia 12 de maio de 1906, em terra brasileira. Porque dezessete anos antes toda a sua família fora banida de sua Pátria. Porque dezessete anos antes proclamara-se a República do Brasil.

Das origens nasce uma idéia

No dia 16 de novembro de 1889, Dom Pedro II acordou mais tarde do que de hábito. Às 11 horas soube que uma insurreição estava em curso e tal problema fez com que reunisse toda a família e, em trem especial, partisse de Petrópolis, onde se encontrava, para o Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Havia tensão no ar, mas nada, ou ninguém, sabia ao certo o que se estava passando. Às 15 horas o major Solon Ribeiro, comandante da Cavalaria, chegava ao Palácio e, levado à presença do Imperador, apresentou-lhe o documento que dizia, em síntese:

"Os sentimentos democráticos da Nação, há muito preparados, despertaram agora. Obedecendo, pois às exigências do voto nacional, com todo o respeito à dignidade das funções públicas que acabais de exercer, somos forçados a notificar-vos de que o Governo Provisório espera de vosso patriotismo o sacrifício de deixardes o território brasileiro, com a vossa família, no mais breve prazo possível".

Vinte e quatro horas para deixar o Brasil. E - acrescente-se - para sempre.

No início da República, no intuito de consolidar e manter ileso o interesse do novo regime, o Governo Provisório viu-se forçado a tomar várias medidas rigorosas contra os monarquistas. Baniu não só a Família Imperial, mas também os cidadãos Afonso Celso de Assis Figueiredo (Visconde de Ouro Preto, chefe do último Ministério de Dom Pedro II), Carlos Afonso de Assis Figueiredo e Gaspar da Silveira Martins, todos em dezembro de 1889. Da mesma forma, baixou decretos que chegavam até o julgamento militar e castigo com penas militares de sedição para aqueles que dessem origem a falsas notícias e a boatos alarmantes dentro ou fora do País, ou concorressem através da imprensa, por telegramas, ou de outro modo qualquer, para por em circulação tais notícias e tais boatos.

Depois, porém, de decretada a Constituição Republicana, entendeu o Governo que, dissipados os receios que haviam determinado aquele rigor, fossem revogados os banimentos dos três cidadãos citados, e, posteriormente, os decretos que estabeleciam julgamento e punição segundo o regime militar. Isso apenas um ano depois, em fins de novembro de 1890. A Família Imperial, contudo, continuava banida, muito embora a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 tivesse abolido o banimento judicial (art. 72 § 20).

No ano de 1902, tal violência, perpetrada apenas em nome da ilegalidade e da injustiça, ainda ecoava. E foi em Santos, em A Tribuna, que três republicanos históricos, brilhantes, honestos e íntegros, uniram seus esforços em prol da extinção do banimento dos descendentes de Dom Pedro II, que falecera em 1891. Seus nomes: Urbano Neves, Olympio Lima e Alberto Veiga.

A idéia de um habeas-corpus em favor da banida Família Imperial Brasileira nasceu do doutor Urbano de Sampaio Neves, ilustre advogado. Sua ação, como republicano, traduzira-se bem em seus trabalhos de jornalista no ultra-republicano Diário de Notícias. As conclusões a que chegara Urbano Neves são simples e objetivas: "Somente por ilegalidade, timidez ou indiferença é que a Família Imperial continua no exílio sob a pressão do decreto que a baniu do território nacional; só por estranho capricho, ou revoltante ingratidão, é que se recusa sepultura em terra brasileira ao venerando Monarca que durante meio século dirigiu os destinos deste País".

Urbano Neves levou sua idéia ao doutor Martim Francisco Ribeiro de Andrada - duplamente ilustre, pela ascendência e pelo talento - sugerindo-lhe que requeresse uma ordem de habeas-corpus, já que suas opiniões políticas o aproximavam da Monarquia, já porque a sua comprovada competência jurídica e o prestígio de seu nome dariam àquele recurso as proporções de verdadeiro acontecimento. O doutor Martim Francisco, porém, recusou a idéia. Escrúpulos de ordem moral e política, que a situação justificava, e porque a seus amigos e correligionários parecia inoportuna qualquer atitude que provocasse, por parte das autoridades republicanas, maiores desabrimentos e intolerâncias, deixava de intentar o recurso sugerido, aguardando melhores tempos e melhores circunstâncias. Suas idéias eram, porém, francamente favoráveis ao habeas-corpus e, por várias vezes, manifestou-se publicamente a seu favor.

Uma vez que a iniciativa do recurso de habeas-corpus não partia do elemento dinástico, partisse, então, dos republicanos, como afirmação categórica do sentimento de justiça que deve presidir os regimes democráticos. E dessa vez não houve medo, receio, escrúpulo, precaução. Os dois mais brilhantes redatores de A Tribuna, Olympio Lima, seu fundador, e Alberto Veiga, talvez o mais perfeito estilista da imprensa santista, colocaram-se ao lado de Urbano Neves. E juntos, diante do País e da História, assumiram a inteira responsabilidade desse ato superior e necessário. Isso estabelecido, caberia, naturalmente, a Urbano Neves redigir a petição, já que teve a iniciativa da idéia e era dono do conhecimento profissional necessário, mas o advogado preferiu confiar a Alberto Veiga, sob sua assistência quanto à parte jurídica, aquela tarefa. Sem dúvida alguma, ninguém melhor do que Alberto Veiga, o mais completo redator, o mais perfeito articulista, para redigir o documento. E, igualmente, ninguém mais autorizado a ser um aliado naquele trabalho, pelo seu caráter, honra e sentimento de justiça, cerrando fileiras junto aos demais, pela causa.

Não se iludiam, todavia, os impetrantes, sobre a sorte do recurso: tinham a certeza de que seria rejeitado, qualquer que fosse o pretexto alegado. Não importava, segundo as palavras de Alberto Veiga: "era preciso por à prova a Justiça republicana, sobretudo era preciso que alguém se atrevesse a afirmar, perante o mundo civilizado, que os próprios propagandistas do regime instituído não se arreceavam de declarar, por semelhante modo, que a República só pode ser grande e forte governando com a justiça e com a verdade".

O habeas-corpus

Ficou acertado que o recurso seria publicado pela A Tribuna, e foi assim que no dia 6 de janeiro de 1903, inesperadamente para a totalidade do público, apareceu, completo, o texto da petição, juntamente com as fotografias dos Monarcas Pedro II e Dona Teresa Cristina, ambos já falecidos. Um preâmbulo justificativo apresentava as razões do habeas-corpus.

"Que queremos nós? Que a verdade constitucional seja uma realidade, e não uma ficção; que se estenda a todos os membros da comunidade política, e não contenha exceções odiosas e ilegais.

Que queremos nós? Que a República se eleve acima das vilezas da intolerância e das torpezas da injustiça, para se alcandorar nos cimos iluminados da liberdade imácula e da verdade augusta; que ponha termo definitivo a prevenções injustificadas, e estenda sua ação protetora a todos aqueles, grandes ou pequenos, que tiveram o berço nesta Pátria generosa, onde tudo é majestoso, e só é mesquinho o egoísmo dos homens.

Que queremos nós? Que não seja mais digno, mais leal, mais humanitário o estrangeiro que recebe e agasalha carinhosamente os nossos patrícios, do que a própria terra do nascimento, a servir-lhes de madrasta perversa e rancorosa. O que desejamos, o que queremos, o que exigimos é a força do direito sobre o direito da força, é a República da verdade sobre a mentira da República. Queremos o que querem todos os povos honestos e civilizados: a garantia da liberdade e o prestígio da lei. Cumprimos, assim, o nosso dever; saiba cada qual cumprir o seu".

A longa petição, cujo original faz parte do arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, era dirigida ao Supremo Tribunal Federal. Começava com objetividade, requerendo a ordem de habeas-corpus em favor de Gastão de Orleans, Conde d'Eu, sua mulher, Isabel de Orleans, Condessa d'Eu, e seus filhos Pedro de Alcântara, Luiz de Orleans e Bragança e Antônio de Orleans e Bragança, do Duque de Saxe, viúvo de Dona Leopoldina (a única irmã de Dona Isabel) e seus filhos Pedro de Saxe-Coburgo e Augusto Leopoldo, membros da família de Dom Pedro II, ex-Imperador do Brasil, cessando dessa forma o constrangimento ilegal de que eram vítimas por força do Decreto 78-A de 21 de dezembro de 1889, que os bania do território nacional, e para que pudesse gozar dos direitos concernentes à liberdade e segurança individual assegurados a brasileiros e estrangeiros pela Constituição então vigente, art. 72.

Em outras palavras: pediam a revogação do decreto de banimento diante de sua total e absoluta INCONSTITUCIONALIDADE.

Por quê?

Quais as razões apresentadas na petição? Em primeiro lugar, o banimento judicial estava abolido pela Constituição de 1891 (art. 72, § 20), o que implica dizer que todos os atos e disposições anteriores estavam revogados. Poder-se-ia considerar o banimento da Família Imperial como um banimento POLÍTICO? Bem, mas o que seria um banimento POLÍTICO? A pena de banimento, como está configurada no Código Criminal, seria aplicada ao CONDENADO por ela atingido.

Mas, quem condena? Evidentemente, o Tribunal Judiciário, por denúncia do Ministério Público. Se estes dois órgãos da justiça pública intervêm para condenar alguém à pena de banimento, como admitir que sequer exista o "banimento político"? Não há penas políticas: toda pena deriva de sentença imposta por magistrado ou Tribunal Judiciário (não são incluídos os crimes militares e os de responsabilidade do Presidente da República).

Para que existisse o "banimento político", seria preciso que a lei constitucional cogitasse da espécie; de outro modo, não pode ser inventada uma pena para um delito que NÃO EXISTE. Por outro lado, nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente; a responsabilidade penal é exclusivamente pessoal. Que havia, entretanto? A pena de banimento, inconstitucionalmente imposta a Dom Pedro II, revogada desde que o estatuto republicano entrou em vigor, subsistia ao ponto de impedir a entrada de seu cadáver em território brasileiro!

E qual era a culpa de seus descendentes? Acaso seria crime ser filho ou neto do Imperador? E, por fim: um interessante precedente já estava registrado, a prova irrecusável, positiva, esmagadora de que NÃO EXISTIA banimento judicial ou POLÍTICO fora a dada pelo doutor Manuel Dias Aquino, juiz federal no Estado de São Paulo, a 7 de novembro de 1902, no julgamento definitivo do crime de conspiração imputado a membros do partido monárquico em São Paulo. Os fundamentos daquele despacho reduziam-se a:

"A Constituição Federal, em seu artigo 72, § 20, aboliu a pena de banimento estatuída para os cabeças do movimento revolucionário; e, não tendo o Congresso Federal providenciado acerca da substituição da pena revogada, não pode haver punição aos cabeças por falta de penalidade previamente estabelecida".

Da mesma forma fora revogado o banimento, em 1890, do Visconde de Ouro Preto, de Carlos Afonso de Assis Figueiredo, e o desterro de Gaspar da Silveira Martins. E assim concluíam os impetrantes:

"Se a Constituição Federal assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade e à segurança individual (art. 72); se ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei (art. 72, § 1); se a pena de banimento está abolida (art. 72, § 20); se a lei é igual para todos (art. 72, § 2); se nenhuma pena vai além da pessoa do delinqüente (art.72, § 19); se ninguém pode ser perseguido por motivo religioso ou político (Cod. Penal, art. 179); se ninguém pode ser punido por fato que não tenha sido anteriormente qualificado crime nem com penas que não estejam previamente estabelecidas (art. 1); se não há lei que qualifique crime o fato de alguém ser filho, neto ou sobrinho do Senhor Dom Pedro de Alcântara - é evidente que o Decreto n. 78-A, de 21 de dezembro de 1889, representa e constitui, hoje, um constrangimento ilegal de que são vítimas os membros da família destronada. Dar-se-á habeas-corpus sempre que o indivíduo sofrer, ou se achar em iminente perigo de sofrer violência, ou coação por ilegalidade ou abuso de poder (Constituição Federal, art. 72, § 22)".

E terminam "afirmando, enfim, que o intuito dos suplicantes e ver elevadas as instituições vigentes sobre o pedestal da verdade e da lei - base suprema de todos os benefícios de que podem gozar os povos cultos - e pedem, confiantes, que esse Egrégio Instituto, em nome da própria dignidade nacional, faça completa e merecida justiça",

Santos, 3 de janeiro de 1903.

Urbano Sampaio Neves
Olympio Lima
Alberto Veiga

Opiniões, aplausos e decepções

O habeas-corpus suscitou as maiores e mais surpreendidas manifestações em toda a imprensa brasileira. Não só A Tribuna dedicou longos comentários ao assunto, nascido nos escalões mais altos de suas fileiras. O Paiz, do Rio de Janeiro, bem como O Diário, O Correio da Manhã, O Jornal do Brasil, todos, unanimemente, abraçaram a causa, e, em longos artigos, crônicas e editoriais, aplaudiram a idéia pelo arrojo e pelo elevado espírito de patriotismo dos impetrantes, republicanos históricos, em prol da justiça e da verdade.

Frise-se que Olympio Lima prestara relevantes serviços à propaganda republicana no Norte do País, onde nascera. Urbano Neves, igualmente, lutara pela República na Bahia. Quanto a Alberto Veiga, jornalista de muitos anos na profissão, fora grande propagandista das idéias abolicionistas e republicanas em jornais mineiros e fluminenses, muitos dos quais fundados por ele. Sua recompensa quanto à abolição tinha sido um atentado de emboscada, do qual, quase lhe tendo custado a vida, ficou-lhe na fronte uma cicatriz; quando à República, teve assento como deputado na primeira Assembléia do Rio de Janeiro.

Ao entusiasmo e ao aplauso de todo o País, através dos órgãos de imprensa mais representativos, seguiu-se, entretanto, a decepção vinda do ato do Supremo Tribunal. Eis o resultado:

"A sessão do supremo Tribunal teve grande concorrência de povo e de numerosos advogados. Estavam presentes os ministros Piza e Almeida, Bernardino Ferreira, Hermínio, Américo Lobo, Lúcio de Mendonça, João Barbalho, Alberto Torres, Epitácio Pessoa, Manuel Murtinho e André Cavalcante. O ministro Alberto Torres, relator, analisou longamente a petição, atacando-a do princípio ao fim. Disse haver incoerência no fato de se achar que o decreto de banimento estivera revogado pela Constituição e em seguida pedir-se a revogação desse decreto. Notou que a petição era obra de jornalistas e não de homens de Direito. Disse mais: que a petição não partia de procurador (?) algum da Família Imperial (?!), sendo, entretanto, para notar-se que entre os amigos dessa família existiam eminentes professores de Direito. Declarou, enfim, votar contra a concessão do habeas-corpus, por não constar da petição constrangimento legal, ou ilegal.

Falou, depois, o ministro Epitácio Pessoa, dizendo que a Constituição suprimira o banimento judicial e o caso presente era de banimento político!!! O ministro Barbalho foi mais longe ainda: além de declarar o banimento como medida política, não revogada pela Constituição, acrescentou que o art. 72 garantia a liberdade aos brasileiros residentes no Brasil, e a Família Imperial deixara de ser brasileira em virtude do decreto de banimento.

Em síntese: "Habeas-corpus n. 1974 - São Paulo - Relator: Alberto Torres; pacientes, Gastão de Orleans, Conde d'Eu e outros. Não se conhecendo o pedido de habeas-corpus por não ser caso de recurso intentado contra os votos dos senhores relator, Américo Lobo e Bernardino Ferreira, que negavam a ordem".

A grande incoerência e o ridículo

Aquela decisão, totalmente ridícula e descabida, provocou críticas, protestos, e até piadas de toda a imprensa brasileira: Sua excelência, o relator senhor Alberto Torres, esquecia-se de que era lícito a qualquer cidadão requerer ordem de habeas-corpus, desde que por justas razões, para si ou para outrém. Procuração por quê? Procurador por quê? Esqueceu-se, ainda, que entre os três jornalistas havia um advogado que, diga-se de passagem, conhecia muito mais Direito do que o ilustre relator. Por que seria absolutamente precisa a intervenção de um homem diplomado para requerer habeas-corpus em assunto tão claro, tão positivo, tão simples? Nem sempre o diploma de bacharel representa um título de saber, e, a propósito, convém lembrar a célebre frase de Michelet, citada por Júlio Ribeiro, de que há homens que são doutores aos quinze anos, e que permanecem asnos a vida inteira.

O futuro presidente da República, Epitácio Pessoa, usou um argumento menos ridículo: classificou o banimento como pena política. Onde, quando, como, viu o senhor Epitácio Pessoa que a legislação em vigor consagrasse essa espécie de penalidade, definindo um delito de que nenhuma lei cogitava? Certamente, a medida do Governo Provisório foi política, mas, em vigor a Constituição - e é por ela, e pelas leis que dela decorrem, que o Supremo Tribunal pode julgar - a que fica reduzido esse ato? Por ironia do destino, o decreto de banimento seria revogado no Governo Epitácio Pessoa, e nessa época seriam transladados os restos mortais do Imperador e sua esposa, triunfalmente, para o Rio de Janeiro.

Do Brasil inteiro, críticas, ironias, crônicas de todos os estilos, ecoaram em A Tribuna de Santos, O Paiz, do Rio de Janeiro, bem como O Jornal do Brasil, A Gazeta de Notícias, O Comércio de São Paulo, O Malho, A Cidade, de São José dos Campos, O Fluminense, de Niterói, O Democrata, de Itapetininga, A Tribuna, de Franca, O Sertanejo, de Barretos, e em muitos outros.

Havia prevalecido, pois, a opinião do ministro João Barbalho, em virtude da qual o Tribunal resolvera não tomar conhecimento do habeas-corpus por não ser caso do recurso intentado. No ar ficava uma pergunta: Se o Tribunal se julga incompetente para conhecer o caso, que outro poder deve dirimir as dúvidas e resolver o assunto? O Legislativo? o Executivo? O Juízo Federal?

Justiça, por fim

Por volta de 1912, o Congresso Nacional agitou-se novamente diante do projeto de lei n. 108 que repatriava os restos mortais de Dom Pedro II, e o de n. 109, que revogava o decreto que banira a Família Imperial. E mais uma vez, em dezembro de 1912, 23 anos depois da proclamação da República, o projeto foi recusado por 80 votos contra 38. Subsistia, assim, o medo, o comodismo dos que ainda demonstravam cabalmente a fraqueza da República, "da República manca, anêmica, falha, uma degenerescência de República".

Finalmente, em 1919, o Supremo Tribunal rejeitou uma nova ordem de habeas-corpus, por unanimidade, sentença baseada no fundamento de que o banimento ainda estaria em vigor, e que somente poderia ser revogado através de uma resolução do Legislativo. Dias depois, o deputado Francisco Valladares apresentava um projeto de lei revogando o banimento. Após mais de 30 anos a Família Imperial poderia voltar. Dessa vez prevalecera a Justiça.

Foi num sábado, 8 de janeiro de 1921, que os despojos de Dom Pedro e de sua esposa, Dona Teresa Cristina, que o povo brasileiro chamava "Mãe dos Brasileiros", vieram para o Brasil, acompanhados pelo Conde d'Eu e por seu filho mais velho., Dom Pedro de Alcântara. Eram os seguintes os termos do decreto que tal vinda permitia:

Decreto n. 4120, de 3 de setembro de 1920

Revoga os artigos 1º e 2º do Decreto n. 78-A e autoriza a transladar para o Brasil os despojos mortais do ex-Imperador Dom Pedro II e de sua esposa Dona Teresa Cristina, abrindo para tal fim os necessários créditos.

O presidente da República dos Estados Unidos do Brasil.

Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sanciono a seguinte resolução:

Art. 1º - Ficam revogados os arts. 1º e 2º do Decreto n. 78-A, de 21 de dezembro de 1889.

Art. 2º - Fica o Poder Executivo autorizado a, mediante prévio consentimento da família do ex-Imperador Dom Pedro II e do Governo de Portugal, transladar para o Brasil os despojos mortais do mesmo e os de sua esposa Dona Teresa Cristina, fazendo-os recolher em mausoléu condigno e para tal fim especialmente construído.

Art. 3º - Fica o Governo autorizado a abrir, para tal fim, os necessários créditos.

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 3 de setembro de 1920, 99º da Independência e 32º da República.

(a) Epitácio Pessoa

Nessa ocasião, declarava o presidente: "Como brasileiro sinto-me confortado em assinar o decreto de repatriação histórica, tanto como me sinto satisfeito, como republicano, de poder dar esta demonstração da solidez do regime atual do Brasil".

Para alguns, entretanto, era tarde demais. Durante a 1ª Grande Guerra, Dom Luiz e Dom Antônio, os outros dois filhos da Princesa Isabel, estiveram em combate. Dom Antônio morreu durante a guerra, num desastre aéreo, e Dom Luiz nunca mais teve saúde perfeita desde o tempo em que serviu como oficial no Exército inglês, vindo a falecer em março de 1920. A Princesa Isabel desejava ardentemente rever a Pátria e reviver algumas semanas de doces e longínquas lembranças "de Petrópolis, da minha casa, do meu jardim, das minhas amigas..." mas não voltaria, pois era impossível esquecer a rudeza do passado. Morreria a 14 de novembro de 1921 e apenas Gastão, o Conde d'Eu, seu marido, chegaria a rever as roseiras de Petrópolis. Ele próprio faleceu no dia 28 de agosto de 1922, quando vinha para o Brasil a fim de assistir às comemorações do Centenário da Independência.

Na época, reportando-se à luta pela revogação do banimento, Humberto de Campos escreveria: "Restituído, agora, Dom Pedro II à terra da Pátria, com os restos de seu corpo e a areia do seu travesseiro, levanta-se na alma de alguns republicanos o grito de alarma: - Que vem fazer aqui, de novo, esse fantasma? Esse grito de terror é significativo. É o grito do rei shakespeariano, diante do espectro do irmão, a quem tomara a coroa. É, em suma, o grito do pavor e do remorso. Esse pavor e esse remorso não provêm, contudo, da deposição de 89. O trono dos Bragança não foi derrubado: caiu, tombou, deslocou-se. A inquietação de que dão mostras os políticos é filha, apenas, da convicção que têm de não haver a República, em mais de 30 anos, superado a obra civilizadora do Império. A obra do Império, porém, foi obra de um homem e não de um regime. Não é da Monarquia que o Brasil sente saudades. Não é uma forma de governo que a nação cultua, debruçada sobre um sarcófago: é a saudade de um homem, é o culto de um homem que foi um grande político, que foi um grande administrador e, sobretudo, um grande e sincero patriota.

E esse homem - tranqüiliza-te, Cláudio! tranqüiliza-te, rainha Gertrudes! - esse homem nunca mais voltará!"

Fontes: 
Alberto Veiga - "Habeas-Corpus" - Imprensa Africana, Lisboa, 1913
Dom Luiz de Orleans e Bragança - "Sob o Cruzeiro do Sul" - Impressora Montreux, 1913
Humberto de Campos - "O Fantasma" - Revista da Semana, 28 de novembro de 1925
Rocha Pombo - "História do Brasil"
Abril Cultural - "Grandes Personagens da Nossa História" - Vols. II e III, 1969.
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