HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
INCLINADOS...
Prédios inclinam mais que Pisa... e caem! (6)
Devido às características do subsolo
santista e à imprevidência de alguns construtores, muitos edifícios sofreram fortes recalques, ao ponto de inclinarem mais que a famosa torre italiana
da cidade de Pisa. Os procedimentos para a recuperação desses prédios inclinados, aliás, foram estudados pelos técnicos italianos encarregados de
recuperar aquela torre medieval européia. Outros prédios nem chegaram a se inclinar: desabaram durante a construção.
Em meio ao noticiário urgente sobre uma inundação causada por fortes chuvas na cidade, que retardou
para a madrugada do próprio dia 23 o fechamento da edição, a reportagem do jornal santista A Tribuna conseguiu incluir, na primeira
página, a seguinte informação, na edição de 23/3/1990:
O edifício de nove andares desabou completamente, matando operários
Foto: Adalberto Marques, publicada com a matéria
Um prédio de nove andares, em fase final de construção,
desabou ontem na Rua Goiás, próximo ao Canal 3, provocando vibração e ruído que foram ouvidos até em ruas distantes. O desmoronamento causou uma
vítima fatal - já confirmada -, mas há indícios de que pelo menos dez pessoas estão soterradas. Moradores das redondezas foram obrigados a deixar a
área. Um edifício atrás da construção sofreu rachaduras. O acidente ocorreu às 23 horas, mas até às 2h40 de hoje o Corpo de Bombeiros nada pôde
fazer.
No Morro de São Bento, duas crianças - Soade e Sumede Ramos da Silva - morreram no
início da noite, ao desabar o barraco onde moravam com seus pais, Antônio e Maria de Lourdes. Os adultos foram resgatados e hospitalizados. A chuva
que caiu nas últimas horas fez com que a prefeita Telma de Souza decretasse estado de calamidade pública, e acionasse esquema preventivo, iniciando
a remoção de famílias residentes em áreas consideradas de risco. |
No dia seguinte, 24 de março de 1990, o jornal Folha de São Paulo registrou:
Escombros do prédio de nove andares que desabou em Santos, como se tivesse sido
implodido
Foto: Luiz Carlos Murauskas, publicada com a matéria
Edifício em construção desaba em Santos
Da Sucursal de Santos
Um edifício de nove andares em fase final de construção
desabou às 23h15 de anteontem no bairro do Gonzaga (classe média-alta), em Santos. Um operário morreu e três estavam desaparecidos até a tarde de
ontem. Até ontem, ainda não haviam sido identificados.
De acordo com o engenheiro Manoel Jorge Dias, 34, diretor-técnico da empresa CDI,
contratada para fazer o trabalho de remoção dos escombros, "houve um colapso generalizado na base do prédio. Os motivos que provocaram esse colapso
serão conhecidos após laudo técnico emitido por peritos". Uma das hipóteses é a infiltração de água. A chuva de anteontem inundou o subsolo do
prédio.
O engenheiro Catulo Pestana Magalhães, responsável pelo projeto da estrutura do
edifício, disse ontem que a construção não apresentava trincas, nem problemas aparentes. Ele afirmou que não era responsável pela execução do
projeto. Os diretores da construtora Concórdia, responsável pelo empreendimento, não foram localizados até a tarde de ontem.
O Corpo de Bombeiros e a Prefeitura de Santos estavam trabalhando na tarde de ontem
para abrir um túnel entre os escombros por onde fosse possível encontrar uma galeria desobstruída, para colocar cães rastreadores na galeria para
tentar encontrar os outros três operários desaparecidos.
O primeiro sinal de que o prédio estava ameaçado surgiu às 18h, quando a chuva estava
mais forte. Operários e moradores do edifício vizinho, o Guanabara 9, sentiram um tremor. Vanderley Azevedo da Cruz, operário da obra, disse que
chamou um engenheiro e ele não teria encontrado nenhum problema. Esse engenheiro não foi identificado.
Cruz e mais cinco colegas deixaram o prédio e foram dormir embaixo da laje de uma
casa, do outro lado da rua. Quatro operários permaneceram no alojamento (Jonas, que morreu, e mais três, cujos nomes seriam Ivan, Antero e Zenildo).
Às 22h45, segundo Andréa Braguin, 16, moradora no terceiro andar do edifício vizinho,
houve o segundo tremor. Meia hora depois, o edifício desabou. Carlos Fricke, morador do sétimo andar do Guanabara 9, assistiu o desabamento da
janela de seu apartamento. A lateral da casa vizinha, à direita, caiu. Não houve vítimas. Apartamentos do prédio vizinho à esquerda e de outro
prédio nos fundos tiveram vidros quebrados. Onze carros e uma moto foram danificados. |
Análises técnicas nos escombros revelaram o que aconteceu: "Uma falha de ruptura
estrutural (colapso) em uma coluna central que ficou abalada - por ser um ponto de fraqueza -, acabou rompendo um pilar (coluna) e este transferiu o
problema para outros até a implosão da estrutura", como declarou o professor de Mecânica de Solos e Fundações da Uniceb, Pedro Manuel Mascarenhas de
Menezes (publicado em A Tribuna, 25 de março de 1990). O motivo do rompimento do pilar, segundo ele, foi a mistura dos fornecedores de concreto,
com variações de qualidade, devido à diferença de preços do produto, mês a mês.
O construtor Ernesto Vieira tentou argumentar, na mesma edição, que "a maré subiu e
pressionou o lençol freático, que destruiu a camada de argila". Já na edição de 1/4/1990, revelava-se que, no terreno onde foi construído o Moulin
Rouge, existiu até décadas antes um braço de rio, do córrego chamado Dois Rios, mais tarde aterrado ou canalizado - fato não
lembrado até então e que poderia ter contribuído para a tragédia, já que significava haver ali solo menos consistente do que o encontrado nas
imediações.
Na edição de 5/8/1993, o jornal A Tribuna noticiou que os construtores do prédio
desabado - Ernesto da Silva Vieira e sua mulher Maria Bernardete Vieira, sócios da Concórdia Incorporadora e Construtora -, e ainda o construtor Armênio
Mendes e Maria Celeste de Jesus Veríssimo Mendes (como fiadores da obra) foram condenados na Justiça, pelo juiz Rômolo Russo Jr. Falhas no cálculo
estrutural foram apontadas como as principais causas do desabamento. Como lembrou também o jornal A Tribuna, na edição de 4 de agosto de 2004:
5 ago.93
Chovia forte na noite de 22 de março de 1990, quando o Edifício Moulin Rouge,
praticamente pronto, desabou por volta das 23 horas, matando quatro operários que dormiam na obra. Cerca de cinco meses depois, uma comissão formada
por técnicos da Prefeitura concluiu que falhas na estrutura e no dimensionamento das peças de segurança causaram a tragédia. Os serviços foram
prestados pela empresa do engenheiro Catulo Pestana Guimarães, já falecido. Outras obras executadas pela mesma firma na Cidade também apresentaram
problemas estruturais. A Concórdia Incorporadora, responsável pela construção do edifício, foi extinta. Em 1993, como mostra reportagem de A
Tribuna, publicada em 5 de agosto, o proprietário da Concórdia, Ernesto Vieira da Silva, foi condenado a ressarcir os donos do terreno e a
Prefeitura, além de retirar os escombros da área. O réu recorreu das decisões e o caso ainda tramita nos tribunais. As indenizações não foram pagas
e o entulho permanece no mesmo local. |
Na mesma edição de 4 de agosto de 2004, A Tribuna prosseguiu:
Caso Moulin Rouge ainda sem solução
Mais de 14 anos depois do desabamento do Edifício Moulin Rouge, no Gonzaga, nenhuma das 24 famílias que já
haviam pago pelos apartamentos foi ressarcida pela incorporadora Concórdia, que executou a obra. Nem as indenizações concedidas recentemente às
vítimas do Edifício Palace 2, que desabou no Rio de Janeiro, em 1998, foram suficientes para reacender a esperança nos santistas.
PREJUÍZO - Quatorze anos após o desabamento, entulho continua no local
e vítimas não foram indenizadas
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria
DRAMA
Vítimas do Moulin Rouge ainda esperam indenização
Famílias tinham quitado os seus apartamentos no prédio que desabou
Da Reportagem
Mais de 14 anos depois do desabamento do Edifício Moulin
Rouge, no Gonzaga, nenhuma das 24 famílias que já haviam pago pelos apartamentos foi ressarcida pela incorporadora Concórdia, que executou a obra.
Nem as indenizações concedidas recentemente às vítimas do Edifício Palace 2, que
desabou no Rio de Janeiro, em 1998, foram suficientes para reacender a esperança nos santistas. No mês passado, dez famílias que possuíam imóveis no
prédio carioca receberam mais de R$ 110 mil. O dinheiro foi obtido com o leilão dos bens do ex-deputado Sérgio Naya, dono da construtora responsável
pelo empreendimento imobiliário.
Em Santos, a tragédia, que matou quatro operários na noite de 22 de março de 1990, até
hoje não teve um desfecho. Ações ainda tramitam na Justiça. Muitos já desistiram de esperar.
"Cheguei a entrar com uma ação, mas cheguei ao meu limite. Cansei. Já apaguei tudo da
memória", desabafa o empresário José Antônio Frezza, que pagou mais de US$ 88 mil por um apartamento de três quartos, no luxuoso edifício de nove
andares, na Rua Goiás, 145, próximo ao Canal 3. Hoje, a quantia equivale a mais de R$ 260 mil.
"Levei uns três anos para assimilar o que aconteceu e continuar tocando a vida". Após
o desabamento, Frezza só não ficou em situação ainda pior porque já dispunha de um imóvel próprio. Mas o casal Gino e Sandra Trombino não teve a
mesma sorte. Eles se casaram em setembro de 1989 - seis meses antes do Moulin Rouge ir abaixo.
Cozinha pronta - "Nós já tínhamos uma cozinha toda pronta, feita sob medida",
lembra Sandra. "Além disso, tínhamos vendido um apartamento em Praia Grande para dar de entrada neste do Gonzaga. Quando o prédio desmoronou, já
havíamos quitado tudo".
Sem lugar para morar, o casal passou dois anos na casa da mãe de Sandra. Depois, morou
outros dois anos em um imóvel alugado. "Só conseguimos comprar o apartamento onde moro hoje quatro anos depois do acidente", diz a bancária.
Sandra ainda sonha em ser ressarcida pelos prejuízos que teve à época, embora
atualmente não esteja acionando judicialmente a construtora. "Somos donos de uma parte daquele terreno. Afinal, pagamos por esta parte, onde seria
nosso apartamento".
"Jamais imaginei" - Aos 79 anos, Íria Prandi não tem mais esperanças de receber
de volta o dinheiro que ela e o marido, falecido há cinco anos, investiram em um dos apartamentos do Moulin Rouge. "Era um prédio muito bom, grande,
com piscina", recorda-se. "Jamais imaginei que aquele sonho poderia se despedaçar daquela forma".
Íria disse que o mais difícil foi contar ao marido o que havia acontecido. "Ele havia
acabado de passar por uma cirurgia no coração e eu não sabia nem como começar. Foi muito triste, mas ainda bem que não tinha famílias no prédio.
Poderia ter sido pior".
Na planta - O Moulin Rouge foi vendido ainda na planta, ou seja, a Concórdia
Incorporadora financiava a obra com o dinheiro pago pelos investidores. A estratégia baratearia o custo final dos imóveis em aproximadamente 20%.
Conforme o contrato, os donos da empresa, assim como os do terreno, ficariam com parte dos apartamentos.
Os proprietários da área também não foram ressarcidos. Um deles, que não foi
localizado, chegou a receber uma quantia em dinheiro, paga pelo fiador da obra.
"Ainda temos uma ação de execução de sentença tramitando na Justiça para que meu
cliente receba da construtora o que tem direito", disse esta semana o advogado Rubens Miranda de Carvalho.
Após mais de 14 anos, escombros do edifício que estava quase pronto
continuam no terreno da Goiás
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria
Incorporador diz que teve "o maior prejuízo"
"Eu fui a grande vítima daquela tragédia", diz o dono da Concórdia Incorporadora,
Ernesto Vieira da Silva, ao ser questionado sobre as decisões judiciais que o obrigaram a ressarcir os cofres municipais, as pessoas que compraram
apartamentos no Moulin Rouge e os donos do terreno (veja quadro).
"Eu também era dono de um apartamento e a minha empresa tinha direito a 12. O maior
prejuízo foi meu", reitera.
Vieira, que contesta na Justiça as três sentenças, diz que foi "vítima do clamor
público" e do serviço prestado pela firma de engenharia que projetou o prédio, pertencente ao já falecido Catulo Pestana Magalhães. "Na época, o
Catulo era o responsável por 80% dos cálculos estruturais da cidade. Era o profissional mais competente, com mais de 1.500 obras no currículo",
afirma Vieira.
Meses após o acidente, uma equipe técnica da Prefeitura constatou que falhas
estruturais teriam causado o desabamento. "Fui apenado criminalmente sem ter culpa de nada", diz o empresário.
Ele lembra que, antes de construir o Moulin Rouge, já havia erguido nove prédios em
Guarujá, que levam o nome da própria incorporadora. "Nenhum deles teve problema até hoje".
Vieira diz também que não concorda em ressarcir as pessoas que compraram apartamentos
no edifício que desabou. "Na verdade, eles não foram compradores" - sustenta. "Todos eram investidores e ajudaram a custear a obra que, no final,
seria entregue a preço de custo. Infelizmente, houve aquele acidente".
Quanto à não retirada dos escombros, acumulados até hoje no terreno, o empresário diz
apenas que a questão está sendo decidida na Justiça. Estima-se que são necessários R$ 300 mil para retirar todo o entulho do local, que há vários
anos causa transtornos à vizinhança.
Na Justiça |
Condenação |
Situação atual |
Ernesto Vieira, dono da Concórdia Incorporadora, foi condenado a um ano e três meses de prisão
pela morte dos quatro operários, no dia do desabamento. |
Por ser réu primário, Vieira cumpriu a pena em liberdade e prestou serviços comunitários. |
Ernesto Vieira foi condenado a ressarcir a Prefeitura em mais de R$ 140 mil, referentes às
despesas necessárias, nos dias seguintes ao desabamento |
O processo ainda está sob apreciação judicial, devido a recursos interpostos pelo réu. |
Ernesto Vieira foi condenado a indenizar os donos do terreno onde o prédio foi construído |
O processo ainda está sob apreciação judicial, devido a recursos interpostos pelo réu. |
A Concórdia Incorporadora foi condenada a retirar os escombros do local do desabamento, sob pena
de ser multada em um salário mínimo por dia de descumprimento |
O processo ainda está sob apreciação judicial, devido a recursos interpostos pelo réu. |
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No dia seguinte, 5 de agosto de 2004, o mesmo jornal A Tribuna voltou
ao tema:
Terreno da Rua Goiás é composto na realidade por três áreas,
que já foram avaliadas e penhoradas
Foto: Paulo Freitas, 3/8/2004, publicada com a matéria
DÍVIDAS
Terreno do Moulin Rouge será leiloado
Dinheiro arrecadado será revertido para os cofres da Prefeitura
Da Reportagem
O terreno do antigo Edifício Moulin Rouge, que desabou
há 14 anos, no Gonzaga, e encontra-se ainda hoje tomado por escombros, será leiloado. A informação é da Prefeitura, que já acionou a Justiça.
Segundo a Procuradoria Fiscal do Município (Profisc), os três imóveis da Rua Goiás
(números 141, 145 e 147), que na prática correspondem a um único terreno, já foram avaliados e penhorados.
A Prefeitura vai aguardar apenas o fim da greve do Judiciário, que completa hoje 37
dias, para requerer o agendamento de uma data para o leilão. De acordo com a Profisc, a paralisação dos servidores do Fórum interferiu no curso do
processo.
Caso o imóvel seja arrematado, o dinheiro arrecadado será automaticamente revertido
aos cofres municipais, em forma de receita, e ficará à espera de uma decisão da Justiça, definindo a que será destinado.
O imóvel será leiloado porque possui dívidas de IPTU. Por não poder quebrar o sigilo
fiscal, a Prefeitura não divulga o valor das pendências nem os nomes dos devedores.
Entenda o caso - Em reportagem publicada ontem, A
Tribuna mostrou que até hoje nenhuma das vítimas do desabamento do Moulin Rouge foi indenizada pela construtora e incorporadora Concórdia.
O prédio, que tinha nove andares e 24 dos 36 apartamentos vendidos, foi abaixo na
noite de 22 de março de 1990, devido a falhas estruturais. Quatro operários morreram soterrados. Quem já havia comprado apartamentos perdeu o
dinheiro.
O proprietário da Concórdia, Ernesto Vieira, já foi condenado a ressarcir as vítimas
do acidente, mas interpôs recursos na Justiça, que ainda não foram julgados. |
Na edição de 17/12/2004, o jornal A Tribuna informou que o comerciante Manoel
Correia Benevides havia arrematado, no dia anterior, dois dos três lotes que formavam a área do Moulin Rouge (números 145 e 147), em leilão promovido
pela 1ª Vara da Fazenda Pública, pagando os valores mínimos, R$ 83.055,00 e R$ 82.913,00, devendo arcar ainda com os custos da diferença da dívida de
Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), respectivamente R$ 165 mil e R$ 185 mil.
Porém, a Prefeitura ainda tinha 30 dias para exercer seu direito de
preferência e adjudicar os terrenos. O interesse da Prefeitura poderia ser de ficar com a área para ali instalar a policlínica do Gonzaga, então
funcionando na Rua Luiz de Faria. E continuavam na Justiça os processos de indenização dos proprietários dos apartamentos e das vítimas, já que os
recursos do leilão servirão apenas para abater os débitos junto ao Município.
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