Foto: Douglas Aby Saber, publicada com a matéria
ENTREVISTA - J. Muniz Júnior - jornalista, pesquisador, escritor
"Santos é uma cidade batuqueira"
"O sambista era um artesão popular - Naquela época, a pessoa que saía na escola de samba era
mais sambista - O pessoal crescia sabendo o que era Carnaval. Hoje, a criança não sabe"
Luigi Di Vaio
Antes de apertar o "rec" e o "play"
do gravador, quando a equipe de A Tribuna está entrando no chalé onde mora o entrevistado, a conversa é sobre pessoas com quem J. Muniz Júnior
conviveu no passado. E o tema é boemia, tão saudável no passado quanto o Carnaval. Depois, com o gravador já acionado, o
pesquisador traça um perfil dos desfiles do passado e do presente. Ele, que considera Daniel Dias do Nascimento, o Daniel Feijoada, o maior sambista
de todos os tempos, nos leva a uma análise sobre samba - hoje é o Dia do Samba - e sobre o Carnaval.
O que deixa hoje mais saudades da época antiga: o Carnaval ou a boemia?
Ambos. Porque Santos tinha desde a década de 30 uma vida noturna intensa. Na
General Câmara, havia o Sambadanças, tinha o Gambrinus do outro lado e, na Senador Feijó, o
Dancing Imperial. As mulheres da época seguiam o padrão de estrela de Hollywood e vinham trabalhar às dez da noite, de vestido longo, com casaco nas
costas.
No Sambadanças, tinha aquele esquema de furar o cartão para poder dançar com uma moça, como era
isso?
Era a taxidança. Era o único de Santos, que tinha muito em São Paulo. Se você dançasse a noite
toda tinha que pagar uma nota, né? Os homens iam lá apenas para dançar com as bailarinas. E havia também shows de categoria. Depois daquela
atividade toda, o pessoal ia para a Taverna da Glória, na Braz Cubas, comia um bife, tomava uma canja por volta das 5
horas da manhã. Outro restaurante que o pessoal freqüentava era o Marreiro, bem perto do cais. Isso na década de 40.
Era uma boemia até um certo ponto saudável.
Era, porque para entrar em um cabaré ou dancing tinha que ter 21 anos Em casa de
tolerância, entrava-se com 18. O Gonzaga era um bairro elegante, tinha o Parque Balneário, onde,
no jardim de verão, o pessoal dançava com grandes orquestras. E o pessoal entrava de summer. Parecia filme de Hollywood.
Fazendo um corte nesse passado, como o senhor vê hoje as confusões dos jovens à noite?
Veja, aqueles anos eram os anos dourados, anos 30, 40 e 50, das grandes orquestras. Não existiam a
violência e a agressividade de hoje. Naquela época, tinha a educação dura dos pais, depois ia para o colégio com educação dura dos professores, que
puxavam a orelha, davam reguadas. Você temia os pais e os mestres. A educação do jovem era outra. Hoje, vão aliviando cada vez mais. O menor par
dirigir não é menor, para matar não pode ser preso. Veja, por exemplo, o desfile da Dona Dorotéia acabou na agressividade, na imoralidade. Ficou
agressivo. Passou a ter atos obscenos, não era mais Carnaval.
E como era o Banho da Dorotéia na sua época?
O pessoal se fantasiava. Na década de 50, havia blocos, cordões que desfilavam com crianças. O
pessoal crescia sabendo o que era Carnaval. Hoje, a criança não sabe. Antes, as crianças choravam para ter uma fantasia. Hoje, você não vê mais
ninguém fantasiado. Recentemente, quando acabaram com o Carnaval em Santos, você dava uma volta na Cidade e parecia uma cidade-fantasma.
Antigamente, pegava o Bonde 10 e o pessoal ia cantando, batucando atrás, as famílias participavam. De 60, com o advento de
músicas estrangeiras, deu uma modificação na educação dos jovens.
Que avaliação o senhor faz, como autor de livros sobre Carnaval, dos bailes funks?
É um ensinamento e uma divulgação da violência, pela própria música que eles fazem.
Muito se falou que o Carnaval que Santos teve mais forte foi na década de 80. O senhor
concorda?
Carnaval mesmo, em si, era uma época em que se brincava em salão. Os salões todos lotados.
Existiam o folião de salão e o folião de rua. E tinha quem gostava só de assistir, aplaudindo. O povo que aplaudia, hoje, repudia. Não quer desfile
na praia e já estão querendo tirar o desfile da Zona Noroeste.
Veja, Santos é uma cidade batuqueira e carnavalesca por excelência, isso desde o tempo dos
escravos que havia o batuque. Depois, no século 18, tinha a festa de São Gonçalo, realizada em fevereiro, misturava escravo com branco, iam para a
rua para festejar. Depois, no século 19, começaram a surgir os primeiros movimentos carnavalescos, com os bailes de máscaras no
Largo da Coroação (Rua Dom Pedro II com Praça Mauá). Sempre teve um Carnaval forte e, no fim
do século, vieram as sociedades carnavalescas. O Clube XV foi fundado como sociedade carnavalesca. Elas desfilavam com
carruagens majestosas, com moças da sociedade. Isso por volta de 1880.
No início do século 20, começaram a surgir os cordões. Já por volta de 1914 e 1915, começou a
surgir o corso automobilístico, que teve força na Rua XV (de Novembro) e depois foi para o Boqueirão, no
Recreio Miramar. Até a década de 20, figuravam cordões, blocos e choros. A partir de 30, começou a disputa das entidades
carnavalescas. Em 34, surgiu um rancho carnavalesco diferente dos outros, não tocava marcha-rancho, tocava batucada, samba. Era chefiado pelas tias
Euclídia e Lidioneta, duas irmãs negras. Isso predominou até o fim da década de 30. Em 39, surgiu a primeira escola de samba, a Não é o Que Dizem,
que desfilou no centenário de elevação da Cidade. Depois veio, em 44, a X-9 do Macuco, originária
do (grupo) Mensageiros do Samba, de 42.
Onde eram os desfiles naquela época?
Eram realizados na General Câmara, com apoteose na Praça Mauá. Todas as entidades carnavalescas
faziam exibição na redação de A Tribuna. A meca do Carnaval era a Praça José Bonifácio, onde se concentravam os
foliões. O pessoal se concentrava na José Bonifácio, que ficava cheia de barraquinhas. Dali, saíam os blocos de sujo, na base do vai quem quer e
como puder. Iam pela Braz Cubas, General Câmara, Praça Mauá... Os foliões iam aderindo pelo caminho. Tinha gente que gostava de Carnaval de rua,
outros de salão.
Quando foram implantados os desfiles oficiais?
Até 1954, não eram oficiais. O antigo Conselho Municipal de Turismo passou a organizar o Carnaval
e a Prefeitura pagou uma subvenção. Tanto é que no Banho da Dorotéia começou a divisão dos blocos patuscos e não-patuscos. Patuscos eram mais
divertidos. Em 54, o desfile já foi realizado na praia, porque, antes, quem patrocinava os desfiles na General Câmara eram os comerciantes. Cada um
dava uma quantia para a compra dos prêmios, com o apoio de A Tribuna, Sapataria Vermelha, Joalheria Big Ben. No início da década de 50,
desfilava na Floriano Peixoto, porque a Casa Afonso Moreira e o Restaurante Trianon davam prêmio.
Qual o melhor local para os desfiles de Carnaval?
Na Zona Noroeste, achei bom. Acho que é um pouco distante do Centro,
para você ir para lá, de madrugada, e depois voltar, com problema de condução. Quando era na praia, o pessoal ia a pé. Então, ali é bom. O problema
todo é que hoje em dia, desfile de Carnaval é como feira, ninguém quer mais em sua porta. Antigamente, o povo aplaudia, hoje, repudia.
Quando se inverteu isso?
Isso era de uma época em que o folião era tão apegado ao Carnaval, desde pequeno, que o espírito
de Momo baixava em você. Você escutava o rádio e o dia todo tocava música de Carnaval. Então, passava o dia todo escutando música de Carnaval. E a
Atlântida, a cada ano, lançava um filme com artistas cantando música de Carnaval, até a década de 50. O que aconteceu para inverter isso foi uma
mudança da década de 60 para cá. As músicas de Carnaval foram decaindo, porque os cantores de fama como Francisco Alves,
Orlando Silva, Sílvio Caldas, Francisco Carlos, Cauby Peixoto e outros tinham que gravar música carnavalesca para serem
famosos. No início da década de 60, com o advento da TV, as músicas de Carnaval foram decaindo e só restaram as escolas de samba.
O que o senhor acha da chamada profissionalização das escolas de samba?
Já é uma realidade há um bom tempo. Porque todas as cidades imitam o Rio de Janeiro, que está 50
anos na frente. No passado, a pessoa fazia seus próprios instrumentos, como eu fiz. O sambista era um artesão popular, porque fazia o instrumento.
Hoje, a pessoa não prega um prego se não ganhar.
O senhor é mais otimista ou pessimista com relação ao futuro do Carnaval?
Olha, naquela época, a pessoa que saía na escola de samba era mais sambista; hoje em dia, tem
gente que sai na escola para tirar uma onda, está em reggae, funk, punk, não sei o que mais... Então, não é mais um sambista
propriamente dito. O sambista, propriamente dito, tem que defender o samba. Há um desvirtuamento assim, do pessoal só lembrar do samba no Carnaval.
Foto: Douglas Aby Saber, publicada com a matéria
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