[12] Capela de São João da Nova Cintra
É São João Batista o mártir precursor do Cristianismo, conhecido pelo seu cordeirinho e por ser parente
de Jesus Cristo [01]. Foi eleito o padroeiro do morro da Nova Cintra, contando aí com uma capela muito mais próxima
para os romeiros do que a igreja de Bertioga, onde a devoção foi implantada pelos primeiros evangelizadores da região [02] onde é patrono da cidade. Assim, desde tempos antigos seria o lugar mais concorrido para sua festividade, nas proximidades do centro urbano de Santos, como está registrado em jornais antigos que mencionam a
romaria do povo até esse ponto no alto do morro da Nova Cintra, que já seria tradicional e conhecido da população.
Segundo uma moradora das imediações da paróquia atual, a localização dessa capela era para o lado direito de quem vê a igreja de frente, onde ainda há umas pedras indicando a localização do início dos degraus onde hoje
está um cruzeiro das missões; a subida seria em linha reta para o lado esquerdo, havendo uma pequena quebrada para o lado direito e finalmente o cimo da pequena elevação de terra.
A capela de São João, pelas poucas referências escritas ou informações de pessoas dos anos 1970, teria sido construída no século XIX, mas sem datas exatas, que ainda podem existir na Câmara em suas licenças ou nos arquivos da
Cúria de Santos. Há notícias em jornais da existência da mesma em 1911 (contando portanto pelo menos 103 anos em 2014), inclusive menção da procissão com festa ocorrendo ali. Ocorreu também em 1914, na Matriz de Santos - que era temporariamente na
Igreja do Rosário dos Pretos -, a benção do estandarte, que pode ser o mesmo que foi usado nas festas até recentemente, recordando muito os de Portugal [03] e depois substituído por uma cópia quase idêntica, onde se vê o Santo e a capelinha ao fundo, como que no monte.
De pequenas proporções, tinha um frontão abarrocado, segundo o que se percebe em uma foto de perfil [04], solução comum para enfeitar as construções, seu acesso era feito por 33 degraus [05], mas perdeu seu frontão entre as décadas de 20 e 30 do século XX, como se pode ver em uma foto dos anos 50 e assim, no final dessa década, ocorreu a derrocada do terreno alto onde se encontrava - que, segundo os moradores das
proximidades contavam nas festas do patrono, fora usado para aterrar o cais de Santos [06]. Assim, finalmente, foi
feita a igreja grande que pode ser vista hoje.
O motivo pelo qual o local foi desmontado e aplainado não ficou bem entendido até hoje, pois no entorno da igreja atual existem terrenos bem elevados, sem haver uma tentativa de se deixar tudo em plano reto; seria um acordo entre
os proprietários do terreno e as Docas para assim conseguirem ali um local plano, no final dos anos 50, pois a criação do Parque da Montanha [07] ocorreu 16 anos após a igreja estar funcionando e não seria o motivo dessa obra.
Na foto mais nítida que chegou aos nossos dias, podemos perceber sinais de muita erosão no terreno bem próximo da capela, talvez pelo costume de se carpirem os matos e deixar a terra descoberta como sinal de limpeza. o que também ajudaria na
decisão de demoli-la, por estar à construção comprometida - de forma semelhante ao que ocorreu com as paredes da Capela da Graça em 1903.
A imagem antiga de São João o Batista era de madeira, segundo descrição comparativa com a pintura da bandeira (a qual mostrava São João menino e a capelinha ao fundo, num estilo bem velho, conforme a parca descrição existente), pois já nos anos
1970 era desaparecida havendo apenas a usada na procissão.
A referência da existência de uma placa funerária não dá uma informação correta se foi devidamente transcrita, inclusive pondo em dúvida quanto à identidade do idealizador do pequeno templo, pois deixa não muito claro se é um nome semelhante ao
personagem do Racionalismo Cristão, o senhor Luiz José de Mattos, que nasceu em Portugal em 1860 e faleceu em 1926 no Rio de Janeiro (e que portanto viveu por 66 anos). Caso seja realmente ele o
fundador, haveria aí claramente uma confusão, pois o nome na citada lápide é "Dr. José L. de Matos" que viveu 40 anos, de 1853 a 1893. Notamos a inversão dos nomes: a placa poderia se referir a um antepassado ali antes dele instalado ou ser uma
simples coincidência.
RESTOS MORTAIS DO
DR. JOSÉ L. DE MATOS
1853 -1893
Ainda se afirma que a placa que havia dentro da capelinha de São João Batista da Nova Cintra, onde poderíamos ler o nome de seu fundador, fora retirada dali. Estaria esta lápide de mármore branco no
cemitério do Paquetá, sem referência da época em que foi trasladada e onde estaria agora, para que possamos apreciá-la. Talvez tenha sido dali retirada na hora da derrocada do outeiro onde estaria a capela e de sua consequente demolição.
O que se percebe é que a capela possivelmente se erigiu no tempo do final dos sepultamentos dentro das igrejas, norma que demorou a ser totalmente cumprida pela população, que continuou a inumados
seus mortos em igrejas, ermidas, capelas ou taperas, burlando a proibição de 1851 - como é o caso desse senhor ali sepultado, justificando-se ser de propriedade sua ou de sua família, o que demonstra que haveria um ou mais túmulos preparados para
essa finalidade.
Outro detalhe que podemos perceber é que a mesma capela foi feita em um local bem alto, para ser vista de várias localidades e estar livre de enchentes, comuns no período de chuvas em qualquer local.
Outra referência indica que a pedra fundamental da antiga capela na igreja da Nova Cintra foi benzida pelo sacerdote em 1914, o que demonstra haver o desejo de se fazer no local um templo maior para atender a população local e os romeiros; já era
necessária na época, ficando a capela sem atender as necessidades dos cristãos da região.
Assim temos o escrito: "Às 16h do dia 05/07/1914, presentes os Exmos. Mons. José Benedicto Moreira, Pe. Caetano Boa Ventura, SJ e população local, foi signatário desta apresentada provisão o Exmo.
Pro vigário Geral Mons. Dr. Benedicto Paulo Alves de Souza, que tendo em mãos envelope selado da Cúria Metropolitana de São Paulo do Arcebispado de São Paulo, que traziam palavras de Dom Duarte Leopoldo e Silva, Arcebispo Metropolitano, autorizando
a ereção de Capela, tendo como padroeiro São João Batista. Abençoou a pedra fundamental o Revdo. Mons. José Benedito Moreira".
Ao que se sabe a capela antiga já existia, comprovando a lápide de seu fundador e a referencia a ela, mas decerto que essa pedra fundamental se trataria posteriormente da igreja que hoje conhecemos, confirmando isso que a citada pedra fundamental
foi levada para o novo templo.
Somente com a derrocada do pequeno monte no final dos anos 1950 que, segundo informações publicadas em jornais, a nova igreja começou a ser construída no início dos anos 1960, sendo inaugurada em 1963, sendo que talvez fosse atendida por padres
disponíveis no momento para celebrar os ofícios, mas não como párocos fixos - situação que mudaria segundo o que se lê nos informes da Diocese de Santos, de que o padre Geraldo Cayubi Crescente se tornou reitor da igreja em 1967, supondo-se que o
templo já estaria totalmente construído e com possibilidade de receber um pároco em suas dependências (recordando que o prédio foi feito em estilo neocolonial).
A Praça Guadalajara passou a ter esse nome em 24 de junho de 1970, criada pelo interventor Clovis Bandeira Brasil pelo decreto N°3.788, sendo que a igreja está situada em seu centro.
Desde 1978 ficou o Seminário São José [08] na parte de trás da mesma, sendo transferido em 1984
para uma área mais reservada em uma extremidade do morro com acesso pela Rua Caminho do Seminário, onde o bispo Dom David o inaugurou.
A igreja ainda seria usada em cenas de um filme rodado na área portuária de Santos, chamado Mulheres do Cais [09]; nele vemos claramente a igreja de São João Batista por dentro, com seus espaços e sua austeridade, até hoje mantida.
Finalmente em 31 de maio de 1987 a igreja passaria a ser considerada paróquia, assim devidamente funcionando a partir de 9 de dezembro de 1989.
Foi dona Maria da Touca (falecida em 2014) - uma portuguesa dedicada à extinta capela e ao novo templo, por residir em suas proximidades - conhecida pela constante touca de crochê na cabeça. Ela estava sempre ajeitando e
enfeitando os andores de procissão, principalmente o do padroeiro, ou auxiliando nas coisas necessárias para celebrar a missa. Como ela, havia muitas pessoas da Ilha da Madeira e demais regiões de Portugal ligadas ao Apostolado a Oração (cujas
senhoras saiam de azul marinho com a fita do Coração de Jesus e os homens com a opa vermelha da Irmandade do Santíssimo Sacramentam), as quais conheceram a capelinha e sua antiga imagem [10].
Foi o padre Walfram, na segunda metade do século XX, quem pintou o fundo do coro da igreja com passagens da vida de São João o Batista, havendo nos anos 70 uma reclamação pela existência de pinturas das estrelas com olhos no forro
da nave da igreja [11].
Pelo que sabemos e pelas noticias disponíveis, as imagens ali venerandas da antiga capela eram a do Sagrado Coração de Jesus, do padroeiro São João Batista, de São Pedro e (embora sem mencionarem) a de Santo António de Pádua
[12] a qual é uma imagem antiga com o caparrão e capuz muito grande característicos de forma antiga e que atualmente
pode ser vista nas procissões. Estavam todos em veneração até o início do século XXI, quando o pároco os retirou, ficando guardados para as festas.
Notas:
[01] – Yashia ou João é, como Jesus, da casa de David, e um dos dois sobreviventes da matança dos
inocentes (lembrada no dia 28 de dezembro) que teria vitimado um número não preciso (varia de mais de mil até uma vaga afirmação de 4 dúzias de descendentes da casa real) de crianças de dois anos a recém-nascidos que viviam em Belém, por ordens de
Herodes (conforme Evangelho de S. Mateus, capítulo 2, versículos 13/23). Portanto, era alguém ligado - mesmo que de forma distante - à nobreza, sendo seus pais levitas. O numero de sacrificados que mal chega a 50 estaria mais de acordo com o
sepulcro que existe no local da Basílica da Natividade em Belém, onde os peregrinos podem ver os lóculos funerários destinados a inumação coletiva dessas crianças.
A figura do cordeiro em sua iconografia faz menção à passagem bíblica onde ele diz: "Eis ai o cordeiro de Deus" (conforme Evangelho de S. João, capítulo 1, versículos 19/34); já seus hábitos são
semelhantes aos do profeta Santo Elias, que segundo uma afirmação do próprio Cristo seria a mesma pessoa (conforme Evangelho de S. Mateus, capítulo 17, versículos 10/13) que havia retornado para cumprir sua missão, para melhor entendermos na
realidade atual, sendo transformado em semente e colocado no ventre de Santa Izabel a prima da Virgem Maria como uma verdadeira fecundação feita em laboratório. Também seu martírio seria explicado por alguns como o pagamento pela não intervenção na
morte dos 300 sacerdotes de Baal, episódio em que ele seguiu seu caminho, deixando-os para trás.
[02] – Foram os jesuítas que implantaram a devoção ao mártir por todo o Brasil e - por curarem esta
região - também aí deram o nome do herói da fé a uma igreja; havia outra devotada a Santo António (do Guaíbe) cujas ruínas ainda se vêm hoje. Temos muitas histórias, e o que sabemos com certeza é que o padre José de Anchieta passou inúmeras vezes
por onde havia essa igreja do Guaíbe ereta por José Adorno; não temos informações se fora curada por frades franciscanos posteriormente; também os portugueses que iriam fundar o Rio de Janeiro em 1565 ali tiveram pousada para seguir sua viagem.
[03] - Esse estandarte era feito de pano vermelho muito grosso, sendo a figura do Santo pintada
onde se via claramente a imagem do mártir jovem, tendo ao fundo a capela em um plano mais alto com seu frontão retilíneo talvez por estar assim já naquele ano. Por estar muito envelhecido, o estandarte foi substituído nos anos 90 por uma cópia
quase exata do antigo em proporções, formato e pintura, mas com tecido mais delicado. Portugueses muito velhos da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja de São João e principalmente o que levava o estandarte fazia a comparação da imagem na
bandeira dizendo que "o São Juãozinho era como aquel da bandaira".
Imagem do cartão postal cedida a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa
[04] – Há uma foto intitulada "SANTOS - uma árvore em Nova
Cintra - M. Pontes & Co. Santos - Rua XV de Novembro, Nova série em cores Nº 144". O fotógrafo que fez os cartões postais da cidade de Santos e os coloriu teria usado essa foto antiga, que teria sido feita no final do século XIX ou início do século
XX. Isso é crível porque outros postais seus foram datados por alguns como sendo de 1915, mas mostravam a antiga Matriz na praça, sendo portanto baseados em fotos anteriores a 1906.
Neste postal da árvore, colorido à mão, pode-se ver o frontão da mesma capela com as tradicionais volutas usadas até hoje em muitos locais, sendo que o mesmo a fotografou do lado direito
de quem a olha pelos fundos, com a grande árvore ao lado, o que pode explicar que o mesmo frontão já estivesse comprometido e o fotografo não quis registrá-lo assim, a não ser que apareça outro postal com a capela de frente, desmentindo esta
suposição. Na foto existente, que remonta aos anos 1950, a mesma árvore já não aparece e o frontão é visto arruinado, sem a cruz da frente ou os enfeites antigos característicos de qualquer igreja.
[05] - Senhoras que fizeram sua primeira comunhão na mesma capela falavam desses degraus e do
número dos mesmos, os quais comparavam com a idade de Jesus Cristo.
[06] – Dona Marlene (que vinha sempre de São Vicente), Dona Maria da Touca e demais senhoras que
nestes termos diziam: "Só se via caminhão saindo daí e levando o barro e as pedras para aterrar o cais do porto". Caso existam os arquivos das docas, poderemos saber pelo ano para que trecho do cais teria sido levada toda essa terra, que não foi
usada para nivelar o terreno do próprio morro. O cais no ano de 1959 iria até onde hoje está o monumento de Nossa Senhora de Fátima, local conhecido por Outeirinhos, com o limite no final da
Avenida Rodrigues Alves.
[07] – No dia 13 de janeiro de 1979, como era costume nas proximidades da festividade do dia da
elevação de Santos a condição de cidade em 26 de janeiro de 1839, publicaram uma matéria onde haveria a construção do Parque da Montanha no morro da Nova Cintra; para isso haveria a necessidade de se reformular o local, mas o projeto nunca saiu do
papel, como tantos outros que conhecemos, e muita terra ainda foi retirada do local.
[08] - Havia uma reclamação das senhoras que ali prestavam serviços, por parte de frei Rafael
(Ordem Carmelita, falecido em 1998), posteriormente após seu retorno à região e como padre na igreja de São João da Nova Cintra em comentário reprobatório do padre José Cardoso (diocesano, falecido em 2013) que se depararam com o pôster do
Che-Guevara e símbolos dos partidos de esquerda ao invés das figuras religiosas.
[09] – Rodado em 1979, o filme Mulheres do Cais teve por direção
de José Miziara, roteiro de Antonio Moura Matos tratando de um drama da vida das meretrizes de Santos. Na película, a mulher da história se casa na Paróquia de São João da Nova Cintra, facilmente reconhecida por quem já a visitou.
[10] – Da imagem antiga de madeira, até o momento não restou nenhuma foto, a não ser a referência
com o citado estandarte. A outra é a que foi usada nas procissões por muito tempo - e que inclusive aparece no filme Mulheres do Cais, e seria possivelmente dos anos 1950 ou 60, devido à sua forma industrial (produção dessas figuras sacras
em série). Assim, o padre Júlio López Llarena - antes de ir para a Paróquia de Santa Rosa e Lima, no Guarujá, em 1998 -, para a festa do padroeiro, adquiriu a nova imagem de bom porte, que foi benta por ele ao término da missa que ocorreu após a
procissão, sendo ainda a que se vê atualmente na paróquia, ficando a menor para o andor.
[11] – Acusavam algumas pessoas entendidas em simbologia que a estrela de cinco pontas invertida
com aponta principal para baixo e com o olho dentro dessa posição indicaria uma figura demoníaca, sendo assim ou se corrige ou se apura tal coisa.
[12] – O trio junino pode ser assim visto no altar mor da Igreja de Santo António do Valongo, sendo
comum em outros tempos essa forma de apresentação em igrejas cujo orago fosse um dos três santos populares.
Bibliografia
Pesquisas de campo.
Relatos de antigos paroquianos.
Novo Milênio/O Bonde.
Site Diocese de Santos.
Jornal A Tribuna.
Apócrifo Protoevangelho de São Tiago. |