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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Igrejas
Capela da Graça

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Existem fotos, desenhos e pinturas, mas são raras as informações compiladas sobre a capela de Nossa Senhora da Graça, que existiu em Santos na Rua do Comércio, esquina da Rua José Ricardo. Essa é a história que o pesquisador de História e professor Francisco Carballa procurou recuperar, neste relato por ele enviado em 23 de novembro de 2011, para publicação em Novo Milênio:


Capela da Graça, que existiu de 1562 até 2 de dezembro de 1903 na antiga Rua Santo Antonio (Rua do Comércio), esquina da Rua do Sal (Rua José Ricardo), desenhada a partir de pinturas. As portas foram esboçadas por faltarem ao autor elementos seguros sobre seu aspecto. Pelo mesmo motivo, alguns detalhes não foram incluídos. Desenho feito em 2000
Imagem cedida a Novo Milênio pelo autor, o professor Francisco Carballa

Capela de Nossa Senhora da Graça de Santos

Francisco Carballa

A devoção sobre o título de Nossa Senhora da Graça

Ao escutarmos esse título, não devemos nos confundir com o de Nossa Senhora das Graças (devoção de 1830), mas com a devoção portuguesa do século XIV na cidade de Cascais, quando os lusos resgataram a imagem da santa em uma rede de pesca, sendo denominada de Nossa Senhora da Graça, devido à abundância de peixes trazidos na rede junto com essa efígie mariana.

Contam os lusos no Brasil uma história semelhante. Tudo se inicia com a índia Paraguaçu que - tendo voltado da Europa já catequizada (evangelizada) e batizada pelos jesuítas - tomou o nome de Catarina Álvares, recebendo o sobrenome de seu esposo o senhor Diogo Álvares, chamado pelos ameríndios de Caramuru, porque quando estava sendo perseguido como prato principal do banquete, conseguiu assustar os naturais tupinambás com um tiro de arcabuz, salvando sua vida e conquistando o respeito dos demais e o amor da filha do cacique.

Houve uma história em terras baianas que marcou o início dessa devoção, mesmo antes da colonização oficial do Brasil (entre 1500 e 1532). Numa manhã, Catarina revelou a Diogo Álvares que, durante a noite, tivera um sonho repetido várias vezes: contemplava em uma grande praia um barco destroçado, com homens brancos passando fome e frio, e junto deles uma bela senhora com uma criança nos braços. Devido à credulidade da época e à insistência da jovem Paraguaçu, Caramuru mandou explorar a costa, mas nada foi achado. Mais uma vez o sonho se repetiu, mais uma investigação, e desta vez realmente acharam o tal navio (que era espanhol) e sua tripulação, na ilha de Boipeba. Sem demora foi o socorro prestado, mas, quanto à presença de uma mulher entre os castelhanos, não foi confirmada.

Estando a índia Paraguaçu triste pelo não encontro da senhora, visto que esses assuntos eram muito sérios naqueles dias, durante a noite a senhora apareceu nos sonhos da índia e disse que a fossem buscar e lhe fizessem uma casa. Acordando, insistiu com seu esposo, e ele, devido ao sucesso das primeiras informações, acreditou que poderia encontrar alguma coisa. Uma nova expedição foi feita, até que encontrou uma imagem da Virgem Maria em uma palhoça, recolhida por um nativo do lugar; era a imagem da Mãe de Jesus com seu filho nos braços, que foi transportada para sua aldeia. Erigiu-se uma pequena capela em 1530, dando-lhe o nome de Nossa Senhora da Graça pelo efeito extraordinário ali ocorrido. Essa mesma ermida foi doada aos frades da Ordem de São Bento em 1586 pela própria Catarina Paraguaçu e seu esposo - assim ficavam garantidos o culto e a continuação de sua obra tão pia. Mais tarde, foi substituída por uma igreja de maior porte.

Isso seria a história que correu em nossas terras no século XVI, e essa devoção ficaria muito popular, sendo conhecida até na Vila de Santos, como o prova a sua presença.

O que é mais curioso: existe um paralelo entre os nomes das esposas dos colonizadores da Bahia e de Santos, pois José Adorno desposou em 1560 uma senhora mameluca de nome "Catarina" Monteiro, e da mesma forma o casal dividiu perfeitamente sua vida, inclusive participando essa senhora de decisões muito importantes tomadas por seu esposo - como em 18 de abril de 1563, quando José Adorno participou da famosa missão de paz da Confederação dos Tamoios, junto com os padres José de Anchieta e Manuel de Nóbrega, usando sua canoa, e obtiveram o sucesso desejado, com a paz instalada. Não seria de estranhar que ele soubesse da história ocorrida em terras baianas e assim, ao voltar para sua terra, construísse uma igreja com título semelhante ao da Bahia. Ele também tomaria parte na famosa batalha das canoas em 20 de janeiro de 1567, em São Sebastião do Rio de Janeiro - motivo pelo qual, sendo bom comerciante, conseguiu sesmarias na Carioca e em Niterói.

Justamente, em 1591, a frota de Tomaz Cavendish aportou em Santos e pilhou tanto a vila vicentina quanto a santista. É muito provável que a ermida também houvesse sido pilhada, mas, sendo a imagem de pequeno porte, foi escondida como as demais, pois sempre existiriam castiçais de metal, lampadário, alfaias de prata e adornos de altar como as populares palmas ou nas imagens como jóias e resplendores que eram matérias de grande durabilidade (pois não podemos esquecer que o dono da ermida estava bem de posses e os colonos eram devotos da Mãe de Deus).

Um novo ataque, em 1614: seria vez dos corsários holandeses que foram vitimados pelo famoso milagre do Monte Serrat: antes de escalarem o monte, sabemos que se entregaram às pilhagens de tudo o que poderia render dinheiro na Europa ou em outros portos como era seu costume. Nessa época, tamboladeiras de prata, cálices para vinho, pratos, travessas, salvas, bandejas, caros talheres e demais objetos de uso seriam comuns nas casas, devido à sua durabilidade e não somente por ostentação.

Limitado pela velhice, Adorno preferiu retornar a Santos, onde vivia sua esposa; conta sua biografia que faleceu pelos anos de 1603 ou 1608, com descendentes que tivera quando solteiro, com fama de bravura, conquistas em uma terra que era selvagem para os europeus, não para os ameríndios.

Incentivados pelo ocorrido, quando os portugueses começaram sua colonização, os padres que por aqui estavam evangelizando os ameríndios, sabedores dos fatos ocorridos na Bahia, encontraram nessa simples história um sinal do céu para seu sucesso na empreitada. Assim, os padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta muito devem ter contado e recontado esse evento pelo litoral e interior, onde trabalhavam evangelizando e cuidando do rebanho de Cristo, daí inúmeras capelas com esse mesmo título ou humildes peanhas receberam uma imagem sob essa invocação da Virgem Maria, sendo até possível que o próprio José Adorno, tenha visto a santa e assim decidido com os jesuítas implantar tal devoção nas terras santistas.

Ainda temos de recordar que em São Paulo do Piratininga existiu uma rua com esse nome, inclusive citada no trecho da música "Lampião de gás" no trecho em que a intérprete Inezita Barroso diz: "...do sabugueiro, branco e cheiroso, lá no quintal da rua da Graça, lampião de gás, lampião de gás, quanta saudade você me traz...". Ao contrário de São Paulo, que teve uma rua com esse nome, a capela da Graça de Santos não conseguiu emprestar seu nome às ruas que a circundavam.

Outras imagens estão incluídas nessa iconografia, como é o caso de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém, imagem trocada por engano - alguns quiseram acreditar tratar-se do título de Nossa Senhora do Rosário, mas não existe lugar para colocar um terço ou rosário e também a imagem não o possui em sua própria constituição natural de barro apresentação própria desse título. Sua iconografia é bem clara, pois se trata do título aqui citado, o da Graça, onde a Senhora abraça seu filho, tendo a mão direita em uma posição de amparar o menino, ou - como em Cascais/Portugal - de segurar um cetro ou alguma coisa.

 

Santinho com a Nossa Senhora da Graça,

 sob cuja invocação foi construída a capela

Imagem: acervo de Francisco Carballa

Este título mariano tem iconografia bem conhecida: a senhora em pé, segurando seu infante filho nos braços e sempre sorridente, com os cabelos soltos sem véu. Essa característica ocorre entre os séculos XVI e XVII, nos trabalhos de artistas de Espanha e Portugal. Desta forma, sob a grande coroa de prata era colocado um manto ou véu de tecido fino na cabeça da Santa, motivo de muita devoção do povo brasileiro. Já uma pintura conservada na Bahia, em estilo romântico, nos mostra a índia Paraguaçu ajoelhada em prece e a imagem da senhora sentada.

Muitos em Santos tiveram a chance de contemplar a foto em um álbum datado de 1900 (que estava no Instituto Histórico e Geográfico até metade dos anos 80, desaparecendo depois disso). Nele apareciam os interiores das igrejas santistas, hoje desaparecidas ou reformadas, inclusive a Capela da Graça, com seu altar idêntico ao que existe atualmente no Mosteiro de São Bento do lado direito, com uma efígie de Nossa Senhora da Graça, semelhante à que existe no patrimônio do museu, que por sua vez exibe um anjo de cada etnia (negro, índio e branco) aos seus pés, embora a Senhora seja loura - talvez seja esse o motivo pelo qual o negro Julião passava horas em preces fervorosas e ainda pediu a seu senhor que queria ser enterrado ali, aos pés da senhora com o anjo negro. O curioso é que essa imagem é muito semelhante na posição da mão direita à que existe na ermida de Cascais, tornando muito parecidas as capelas santista e lusitana (que tem uma sineira acrescida ao lado direito).

Devemos pensar que seria lógico e prático que, estando arruinados os altares do mosteiro, os frades reaproveitassem o que dispunham no momento, pois seriam duas as igrejas demolidas nos anos de 1902 e 1903, as capelas da Graça (século XVI), e do Carvalho (ou igreja de Jesus Maria e José, do século XVIII). Existe mesmo a possibilidade de que, ao executar os altares para a igreja conventual do Carmo, também fosse feito um altar para a dita capela, dentro do mesmo estilo e marca registrada da época do artesão; inclusive, abaixo da mesa eucarística, foi colocada uma escultura em alto relevo onde podemos ver Santo António com o menino Jesus na aparição da casa do conde Tirso, em oração, igual à que existe na mesa eucarística do altar mor do Santo António do Valongo - talvez em alusão ao nome da rua que até a segunda década do século XX se chamava de Rua Santo António, depois Rua do Comércio.

Outras comparações entre as talhas desses altares só destoam com o sarcófago, abaixo da mesa eucarística, sendo explicado que os quatro altares laterais do Convento do Carmo são de parede e o da capela seria o altar mor.

Imaginamos que caberiam aqui estudos e exames com carbono 14 e microscópico para detectar areia igual à da rua da antiga capela, tipo de madeira e traços artísticos do artesão. Consta que o casal erigiu outra capela dedicada a Santo Amaro na ilha do Guaibé, atual Guarujá, da qual não existe mais nada (pelo menos por enquanto, pois sempre pode aparecer uma foto ou litografia perdida na posse de alguém), apenas a velha imagem de Santo Amaro, salva do incêndio da igreja construída já em meados do século XX.

Será possível que tanto a capela do Engenho da Madre de Deus como a Capela de São Jorge dos Erasmos sejam obra do mesmo artesão e arquiteto, que teria construído todas essas casas de oração, sendo os mesmos vizinhos conhecidos entre si?

Mas temos que levar em consideração que muitas vezes o desenho de um altar era repetido pelo mesmo artesão, observe-se a semelhança do que está no Mosteiro de São Bento com os altares existentes no Convento do Carmo de Santos - seriam cópias.

Isso era comum, como ocorreu em Pirenópolis (Goiás), em 5 de setembro de 2002: ao perder toda a sua talha barroca e o seu altar mor num desastroso incêndio, usou-se como solução a réplica em menor escala do altar mor da demolida Igreja de Nossa Senhora dos Pretos, que estava guardada e serviu para resgatar parte do velho esplendor daquela matriz do povo cristão.

Lendo e vendo fotos antigas percebi que havia semelhanças entre o antigo altar mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos com o remanescente da Ordem Terceira do Carmo, outros seriam os altares do Santuário de Nossa Senhora do Monte Serrat com o remanescente altar mor da capela de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém e o altar mor do Convento do Carmo com a velha matriz demolida em 1906. Muitos altares, ao contrario do que se pensa, foram levados para outras igrejas, como ocorreu na Igreja de Nossa Senhora da Guia de Ilhabela, que recebeu altares de outra igreja demolida para substituir os seus, perdidos (segundo o que se dizia na igreja) nos anos 80.

 


Capela da Graça

Bico-de-pena do artista Lauro Ribeiro da Silva (Ribs),
reproduzido de Santos Noutros Tempos, de Costa e Silva Sobrinho (1953, São Paulo/SP)

As construções quinhentistas em Santos

Pela sua localização, longe de uma casa que seria a sede do engenho, e a falta de documentos ou mapas que demonstrem sua verdadeira localização, suponho (mas não posso afirmar) que a capela do Engenho de José Adorno seguiria o mesmo costume até hoje encontrado no sertão paulista, herdado dos bandeirantes, em que as capelas familiares, muitas vezes, estão na entrada do sítio e longe da residência familiar.

Como muitas construções de pedra neste litoral tinham a função de servir para as horas de prece, do terço, da Ave Maria, missas, batizados, casamentos e também para os enterros, esses foram feitos no chão do coro e do presbitério da capela. Segundo o que se pode ler no parecer da Prefeitura, nunca foram exumados, o que reforça a ideia que os carmelitas rapidamente passaram a construir sua igreja e convento mais adiante, pois de outro modo, não haveria lugar para os sepultamentos dos frades em tão pequeno espaço.

Segundo foto de Militão de Azevedo de 1865, podemos perceber que nada se fez para melhorar essa ermida em 300 anos, a não ser uma melhoria no telhado que levantou a água esquerda, ficando a mesma desalinhada com o frontão da fachada. Muito pobre sua construção, é uma típica solução arquitetônica desse período, ficando semelhantes apenas os batentes da porta principal e da janela lateral com os que existem ainda hoje no convento do Carmo (iniciado em 1599, segundo alguns), onde podemos perceber a presença das mesmas pedras, possivelmente vindas do reino como lastro de navios, com suas janelas internas retangulares encontradas na construção da Ordem do Carmo e não com a característica curva barroca das janelas do frontão das duas igrejas existentes.

Não é segredo que, para erigir construções assim, eram usadas as conchas dos sambaquis do Jardim Casqueiro, que - depois de queimadas - eram misturadas à massa e colocadas nas pedras para se erguer as paredes de até um metro de largura.

Quanto ao seu interior, dificilmente seria coberto até o séc. XIX por um forro de madeira, pois semelhante ao que ocorre ainda hoje com exemplares existentes de casas e capelas pelo Vale do Paraíba, as construções dispensam os forros de madeira, podendo ser admirados seus madeiramentos e telhas. É por esse motivo que existe a informação de que na capela do Engenho dos Erasmos saíam fortes luzes pelas suas telhas quando o padre José de Anchieta estava em prece e ali lhe apareceu Nossa Senhora com a hortelã que demoraria muito para vir do reino - pedido que o santo sacerdote fez à Senhora e foi atendido -, dizendo os moradores que isso salvou as pessoas que estavam atacadas de bichas (as folhas de hortelã, em infusão, serviam para matar os vermes).

Como se referem vários autores, no Enguaguaçu era comum as casas de pedra, recobertas de cal, sofrerem com a umidade, motivo pelo qual era necessária uma manutenção frequente, da qual sabemos que foi falho, causando o fim da ermida. Outro problema que ocorria com essas construções era justamente terem piso de madeira, que era infestado de cupins, baratas e ratos, motivo de alarde para a comissão sanitária de Santos, que no início do século XX tentava de todas as formas erradicar essas construções sem se pensar em valor histórico, sentimental ou reformas.

Sabemos, pelo parecer oficial, que a mesma construção sofreu danos quando ocorreu um rebaixamento do nível da rua para que pudessem colocar as pedras nas calçadas - de que ainda existem remanescentes semelhantes no piso da Cadeia Velha (na Praça dos Andradas), ou atrás do Convento do Carmo, no Beco do Itororó e na Rua Riachuelo.

O solo do local é arenoso, com pouca camada de húmus; embora fosse um alteio, ainda era um monte de areia e foi depósito de água das chuvas por milênios. Não era apropriado para sustentar construções pesadas que em breve sofriam rachaduras e apodreciam (ao contrário das edificações que estavam próximas das abas dos morros, que encontravam um solo mais resistente), sendo necessário mais de uma vez reerguer ou reformar as mesmas. Nas fotos de Militão, podemos observar a umidade em muitas delas, e assim aquelas ruínas sagradas eram um incômodo para comerciantes e moradores da região.


Secretaria da Câmara Municipal de Santos
Parecer de Nº 79, referente a demolição da Ermida de Nossa Senhora da Graça de Santos.

Ao cidadão presidente da comissão de justiça e/poderes e obras e viação remetido em 19 de novembro de 1903.

Oficial Geraldino Silva com aprovação em 02/03/1904

Pagina nº 1, datada de 19 de novembro de 1903:

(Frente)

Á ordem Carmelitana Fluminense,/ por seu representante nesta cidade, prova/ ser de sua propriedade, por doação que/ lhe foi feita, a capela ou ermida de N./Senhora da Graça. Construída no terreno/ á Rua de Santo António esquina da Rua José Ricardo.

Tendo tido á câmara necessidade de/ alargar e melhorar está ultima rua/ abrangeu nesse alargamento o referido/ terreno da ermida, em vista de que/ para á ordem carmelitana, para ser/ indenizada pelos prejuízos que sofreu/ e para o pagamento de terreno, á quantia/ de seis contos de réis.


(Verso)

Sobre o assunto foi ouvido o ilustríssimo Sr/ intendente, cujo parecer reconhece o direito alegado/ observado porem, que á/ quantia de quatro contos de réis é suficiente, / para o pagamento do terreno, e que os objetos/ pertencentes, á capela se acham depositados na secção, alm. / e viação, conformando-se com o parecer do Sr intendente pensou que a ele deve ser dada autorização para receber á quantia.

Sala das secções de 02 de dezembro de 1903.

- Raimundo Doler Muñiz.

- Cincinato Martins Costa.

- David Victor de Almeida


PARECER DE Nº 79 DA PREFEITURA DE SANTOS

Parecer de Nº 79, referente a demolição da ermida de Nossa Senhora da Graça em Santos. Transcrevo a frente e o verso do documento datado de 17 de novembro de 1903.

Quando á Câmara/Municipal alargando a Rua José Ricar/do cogitou da demolição da capel/la denominada da Graça encontrou o monumento apontado por isso, pois a aludida capela, das antigas/ e sem á mínima conservação, ameaçava rui/na pelo fundo so/estado esse que mais acentuava-se com o/ abaixamento de nível da rua/indicada.

Evidentemente o terreno/ da capella era da propriedade/ particular do convento do Carmo, cujos / descendentes tive ocasião de apre/ciar quando me foram apresen/tados pelo representante do peticio/nário e que assegura a petição que informo.

Surge agora á questão/ de indenização e sobre ela me pro/núncio pela forma seguinte:

Quanto á capela, este edi/ficio em nada valia, era um mon/tão de ruínas, esta desabou por si/ na maior parte, devido à falta de conservação, não obstante reitera/das notificações feitas á irman/dade de N.Sr. dos Passos, para que/ evita-se em desabamento/. Essa irmandade possuía em nome do convento e se incumbia de zé/lar da capela em questão entre/tanto o que se podia aproveitar/ de adornos e objetos do interior da/ capela fiz depositar na secção de/ obras e esses objetos com/cordo que mediante termo deverão ser entregues aos suplicantes.

Quanto ao terreno:

Este ter/reno é em si de pequeníssimas dimen/soes elevada é a estimação/ em R$6.000.000, para não exceder o seu justo valor de R$4.000.000./ Eu mesmo, reconhecendo/ á propriedade do suplicante, cu/jos documentos pudessem ser exa/minados e se acham referidos so/bre a “”Quantinuom”” da indenização nisto resolverá á respei/tavel câmara ouvidas ás co/missões de justiça e poderes e obras e viação.


Em outra página, anexa ao referido Parecer de Nº 79, encontrei o seguinte texto escrito á máquina:

Santos 03 de outubro de 1903.

Diz o Sr administrador do convento do Carmo desta cidade com representante da ordem Carmelitana Fluminense, tendo em 24/ de abril de 1589, Joseph Adorno e sua mulher Catharina Monteiro,/ por escritura lavrada nesta villa do porto de Santos, em/ as notas do tabelião – Athanazio da Motta -, feito aos religiosos da ordem de N.S. do Carmo, representados por seu vigário e co/missario Fr Pedro Vianna, doação da ermida de N.S. da Graça da/ dita vila, afim de nella fundarem o seu convento, posterior/mente por escritura lavrada na mesma villa em as notas do tabeliã/o António de Siqueira, em data de 07 de julho de 1603, confirma/ram a fita doação entrando a associação em posse da mencionada/ ermida, em que se manteve incontestadamente até o ano de 1758/ conforme se prova com o inventário dos bens do convento desta/ cidade, então feito pelo juiz de fora Marcelino Perreira Cleto, á mandado do capitão General Francisco da Cunha Menezes, posse essa que se perpetuou até o presente.

Acontece, porém que em julho ultimo á câmara Municipal/ desta cidade resolveu demolir á capela de N.S. da Graça, o que/ levou a efeito, desaparecendo assim a ermida de Jose Adorno/ cujo terreno em parte foi ocupado para o alargamento da Rua José/ Ricardo. O suplicante, confrade no espírito de jus/tica que caracteriza á Câmara Municipal de Santos, vem requerer/ á dita demolição e pede para o pagamento do terreno a quantia/ de R$6.000.000, deichando de avaliar o edifício demolido por jul/galo superior a qualquer avaliação, atenta a sua importância/ histórica, como o único edifício de meados do séc XVI, (1562 ou 1563, dizem os doadores), importância de nela deverem achar-se as sepulturas/ dos referidos doadores e de seus descendentes, conforme clausula/ de doação, pede a mais o suplicante que lhe sejam entre/gues os restos da capella demolida, que está informado terem sido/ guardados pelo representante dessa i.corporação.

Por ser de justiça e R M,

Santos, 03 de outubro de 1903.

Dr. Manuel Pereira Guimarães

Com um decreto: Instru/mento de procuração com a nossa Rubrica Dr. Guimarães

Foi a importância paga ao Adm do Conv. Do Carmo de Santos em 29ago1903, Fr Octávio da Virgem Maria Muniz Barreto.


OBS:. Estes dados foram copiados do parecer original que se encontra na Fundação Arquivo e Memória de Santos.


O alargamento da Rua do Sal, depois Rua José Ricardo

É verdadeiramente incompreensível que, nos tempos em que se ansiava por modernidade, alargassem uma rua justamente do lado que acabaria por criar um entroncamento obliquo, e não uma rua reta como era o modelo de Nova York (de ruas em forma de grade), que estava em voga.

Isso seria aceito se o tal alargamento fosse feito do lado direito de quem olha da Rua do Comércio para o mar e não do lado esquerdo, como ocorreu, visto que em 1917 ocorreria o alargamento da Rua Santo António do trecho que vai da Rua José Ricardo até Praça Rui Barbosa, o que aumentou em até 60% sua largura (a original era típica de cidade antiga e não de uma cidade com o progresso de Santos), seguindo as instruções e regras da Campanha Sanitária.

O certo é que o terreno contíguo à capela angariou o espaço da mesma tornando-se maior, o que é comprovado pela existência do grande prédio que pode ser visto. Hoje existem muitas perguntas sem resposta, que foram feitas pelas pessoas, as quais eu escrevo aqui para que juntos possamos pensar, são elas:

1 - Tentativa dos republicanos em fazer desaparecer qualquer coisa que se recordasse da colônia ou império.

2 - A Maçonaria, com a sua presença na Câmara, demonstrando sua força e destruindo tudo o que fosse sinal de devoção cristã.

3 - Empenho em eliminar todos os prédios antigos, insalubres, arruinados, substituindo-os por prédios modernos e saudáveis, que atenderiam ao gosto vigente da sociedade do século XX, sendo uma iniciativa da Campanha Sanitária de Santos - mas porque não fizeram outra capela?

4 - Evitar o prejuízo aos proprietários dos terrenos do lado direito de quem olha para o mar, assim seu patrimônio foi beneficiado e valorizado com esse alargamento, e seu conhecimento na Câmara.

5 - Falta de amor às coisas de Deus, por parte dos responsáveis pelo patrimônio da igreja, agraciados com a indenização a falta de zelo da irmandade de Nosso Senhor dos Passos, pelo que não era seu e da família Adorno.

6 - Tentar fazer a cidade toda modernizada no seu perímetro urbano.

7 - Prevenir um grave acidente que poderia ser causado com o desabamento que já ocorrera, com a parede afetada pelo rebaixamento da rua, evitando também a instalação dentro da mesma de marginais ou maloqueiros.

Bem, fica à disposição, de quem apreciar este escrito, escolher o que achar mais apropriado como desculpa, pois na época tudo isso foi falado.


Destino da imagem de Nossa Senhora da Graça

Foi o frei Rafael Maria Marinho (+1998), que deu o relato de que a imagem de Nossa Senhora da Graça esteve por um tempo na entrada conventual da Praça Barão do Rio Branco, junto a outras que um dia estiveram dentro da antiga capela, (entre elas a de um santo jesuíta de madeira bem negra e trincada que se mantinha no Convento ainda nos anos 90, sendo identificado - mas não com muita afirmação - como Santo Inácio de Loyola, vestindo o talar)

Depois, dali foram levadas várias imagens por um frade, mas ele não falou se foi a de Nossa Senhora da Graça que foi substituída por uma de grande porte feita em gesso lá pelos idos do final da década de 50. Nessa época, estariam os carmelitas formando o Museu de Arte Sacra da Bahia e para tanto seu curador saiu, com a permissão dos priores, angariando peças de prata, talhas e estatuária dos carmelitas do Brasil inteiro.

Existe ainda hoje no Mosteiro de São Bento de Santos - que abriga o Museu de Arte Sacra de Santos (MASS) - uma imagem de barro cozido, ao estilo do final do século XVI, com a iconografia dessa devoção onde Nossa Senhora sustenta o infante em seu braço esquerdo e tem o direito caído aos pés do menino, possuindo aos seus pés anjos nas três etnias (um branco, um pardo e um negro). Quando este anjinho negro era contemplado, muita gente negra cativa - como o escravo Julião (ali inumado com a autorização da família Adorno) - deve ter sentido grande alegria e consolo, pois mostrava que perante a Mãe de Deus todos são iguais.


Referências:

Fundação Arquivo e Memória de Santos.

No tempo dos Bandeirantes - Belmonte

Imagem Sacra Brasileira – Eduardo Etzel

Arte Sacra - Eduardo Etzel –

Arte Sacra Popular Brasileira. Conceito-Exemplo-Evolução – Eduardo Etzel

Igrejas de São Paulo.

Invocações da Virgem Maria no Brasil – Nilza Botelho Megale – Petrópolis 1997 – 3ª edição

Biografia de Padre José de Anchieta.

Santos noutros tempos – Costa Silva Sobrinho - 1953

Dados recolhidos entre moradores de Santos.

Memórias da Cidade do Rio de Janeiro – Vivaldo Coaracy – 1965 – vol. 3 – Livraria Jose Olympio Editora.

N. E.: há um acróstico no texto, mantido como no original

COMPARAÇÃO:

 

Estátua de Nossa Senhora da Graça encontrada no Convento do Carmo, em Santos
Imagem cedida a Novo Milênio pelo autor, o professor Francisco Carballa

 

Imagem de Nossa Senhora da Graça, em azulejaria portuguesa, encontrada em Cascais, Portugal
Imagem divulgada na Internet

 

Imagem em barro policromado em que a Virgem tem os cabelos dourados à moda da Senhora do Rastelo em Portugal, com tamanho típico usado nas capelas brasileiras em meados dos séculos XVI e XVIII, antes de as imagens de grande porte se tornarem mais populares. Esta imagem, encontrada no Mosteiro de São Bento (onde aparece identificada como Nossa Senhora do Rosário), pode ser comparada com a iconografia em azulejos da cidade de Cascais (acima)
Foto enviada a Novo Milênio pelo professor Francisco Carballa, em 20/12/2013

Capela da Graça, retratada em óleo sobre tela com 40x60 cm, não datado, pertencente ao acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo

Foto da tela: David Rego Jr., in CD-ROM Benedito Calixto -150 anos
editado em 2003 pela Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, Santos/SP

 


Tela conservada na igreja da Ordem Primeira do Carmo, em Santos; não tem data e mede 52,5 x 73 cm. A legenda manuscrita pelo pintor cita a localização da capela na Rua do Sal (atual Rua José Ricardo), esquina com a Rua Santo Antonio (atual Rua do Comércio)

Foto da tela: Ernesto Papa, in CD-ROM Benedito Calixto -150 anos
editado em 2003 pela Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, Santos/SP


Rua Santo Antônio, vista desde junto à Rua do Sal, em foto de Militão Augusto de Azevedo
Foto: coleção Arnaldo Aguiar Barbosa/IPHAN, reproduzida no livro
Santos e seus Arrabaldes - Álbum de Militão Augusto de Azevedo, de Gino Caldatto Barbosa (org.), Magma Editora Cultural, São Paulo/SP, 2004


Pormenor da foto acima permite observar mais detalhes da Capela da Graça

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