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HISTÓRIAS E LENDAS DE BERTIOGA
Quando Bertioga passou a decidir sozinha (3)

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Uma radiografia de Bertioga, no ano em que definiu a sua emancipação política, foi apresentada em uma série de matérias do jornal santista A Tribuna. Esta terceira parte foi publicada em 11 de junho de 1991:
 

BERTIOGA E O FUTURO
Bertioga ainda mantém traços da cultura nativa

Humberto Challoub e Mário Jorge

Bertioga ainda possui traços marcantes da sua cultura primitiva. Palco de lutas pela posse da terra e um dos capítulos da história dos colonizadores portugueses na região, eternizada na construção do Forte São João, o território bertioguense ainda abriga grupos de caiçaras e parte da reserva indígena tupi-guarani.

Apesar da forte influência exercida pela presença maciça de contingentes populacionais provenientes dos grandes centros urbanos, o cidadão de Bertioga mantém os trejeitos e costumes de tempos em que aquela localidade se constituía em um vilarejo quase esquecido, de vida guiada pela mata e pelo mar.

A simplicidade da população nativa também está refletida no espírito de religiosidade, atendido por vários tipos de entidades, que pregam conceitos e filosofias próprias.


Na reserva da Funai, cerca de 200 índios preservam parte das tradições primitivas
Foto: Rubens Onofre, publicada com a matéria

A identidade cultural do bertioguense é traduzida pela imagem marcante do caiçara, habitante típico das regiões litorâneas. Caiçara era o termo com que os índios costumavam classificar os colonizadores portugueses que chegavam ao Litoral, há cerca de cinco séculos.

Os portugueses tinham o hábito de colocar fogo na mata para afugentar animais ferozes e os silvícolas. Na linguagem indígena, cai quer dizer queimada e çara o executor. Na realidade, os nativos tachavam os colonizadores de "assassinos da selva".

Porém, a designação popularizou-se e passou a delinear o perfil do homem litorâneo, pescador e de hábitos simples. Décadas atrás, antes do avanço das construções imobiliárias, a figura do caiçara podia ser vista com maior freqüência, sempre com fácil identificação.

As casas desses moradores, fragilmente erguidas em meio à quase inexplorada região, eram de aspectos simples, com destaque para os pequenos barcos e redes de pesca sempre na parte frontal das residências.

A indumentária tradicional - calças arregaçadas e chapéu de palha - também acentuava a imagem do caiçara. As famílias de pescadores moravam em pequenos núcleos ao longo de uma estreita faixa de terra na praia com extensão aproximada de três ou quatro quilômetros.

Praticamente não havia estradas, e os acessos ao centro do Distrito somente se tornavam possíveis por meio de picadas abertas entre a grande vegetação - que mais tarde se transformariam em ruas de chão batido - e pelo mar, nas embarcações da antiga Companhia Santista.

Mas, não havia qualquer espécie de infra-estrutura, como posto de atendimento médico, transporte rodoviário e redes de água e de energia elétrica. O comércio era rudimentar, atendendo essencialmente as famílias dos pescadores.

Com o passar do tempo, o boom imobiliário tornou-se uma espécie de atrativo para os caiçaras. As perspectivas geradas pela construção civil fizeram com que as redes de pesca, aos poucos, passassem a dividir a atenção dos pescadores com as ferramentas utilizadas para erguer novas casas, que hoje compõem grandes conjuntos residenciais.

Porém, ainda há os que sobrevivem da pesca, embora utilizando métodos mais modernos e barcos maiores, ou os caiçaras por adoção, pessoas de outras regiões que escolheram Bertioga para fincar suas raízes e acompanhar a lenta transformação do Distrito.

Sebastião: "Hoje é melhor"
Foto: Roberto Konda, publicada com a matéria

Sebastião Rodrigues da Silva pode não ser considerado um caiçara típico, daqueles que nascem à beira da praia e pescam por vocação e herança cultural. Casado, pai de quatro filhas, Sebastião, policial militar aposentado, nasceu em Cachoeira Paulista há 67 anos, mas há 40 reside em Bertioga.

Para ele, o Distrito mudou muito desde sua chegada à região, na década de 50. "Não havia nada por aqui e nós éramos obrigados a atender todo tipo de problema".

Por isso, nos vários anos em que atuou na Policia Militar, sua tarefa, enquanto soldado, não se limitava à manutenção da ordem, mas também no atendimento de doentes e de problemas corriqueiros.

Mesmo o patrulhamento, na época, era feito a pé por entre os caminhos abertos precariamente, ou de barco, descendo o Rio Itapanhaú. O posto da PM ficava na Avenida Vicente de Carvalho, transferido depois para o Forte São João.

A paixão por Bertioga, segundo comenta, germinou e ganhou força com o nascimento das filhas na região. Com a emancipação, garante, é como se acompanhasse o nascimento de um novo filho.

Sebastião conta que foi um dos primeiros moradores do Jardim Veleiros. "Antes das muitas residências de temporada, havia somente cinco casas no bairro". Ele, no entanto, acredita que o Distrito está melhor atualmente. Justifica essa posição, citando os equipamentos existentes, como o Hospital Distrital, postos de polícia, estradas e redes de água e de luz.

Quanto aos problemas que o futuro prefeito terá pela frente, Sebastião Rodrigues espera que pelo menos um seja resolvido de imediato: a legalização dos lotes pertencentes aos moradores antigos. "Assim, a gente pode dormir mais tranqüilo".

Ilustração: Seri, publicada com a matéria

Os índios tupi-guaranis são o último elo de ligação que Bertioga tem com sua civilização primitiva. Abrigados em uma área de 948 hectares, situada na divisa com São Sebastião, os cerca de 200 índios mantêm viva parte da tradição e dos costumes dos autênticos e primeiros donos da terra no Brasil.

Na área, protegida por decreto presidencial e pela presença de representantes da Funai, o grupo sobrevive em perfeita harmonia com a natureza, de onde extraem os alimentos e os ensinamentos de vida. "A mata para nós é generosa, mas pode ser perversa se não soubermos lidar com ela", lembra o índio Caiburaburá, um dos representantes da tribo, que também se autodenomina Toninho, "na língua do branco".

Ele não encontra qualquer dificuldade para transmitir o que pensa em português. Assim como ocorre hoje com as crianças da aldeia, Caiburaburá também freqüentou a escola para aprender a linguagem praticada no País. Uma forma de defesa, de evitar o isolamento em uma região onde predominam outras tradições culturais. "O índio já entendeu que é minoria, mas jamais abandonará seu modelo de vida". Dentro da reserva só se conversa em tupi-guarani.

Vivendo em cabanas cobertas com sapé, as famílias indígenas mantêm hortas onde plantam alguns tipos de verduras, além da mandioca e banana. A caça e a pesca no Rio Cachoeira das Pratas ajudam a compor os hábitos alimentares do grupo.

Caiburaburá conta que a expansão imobiliária e a intensa movimentação de turistas na região próxima à reserva afastaram espécies da fauna nativa, que já não oferece tanta fartura como em tempos passados. "Mas ainda é possível encontrarmos a paca, o tatu, a raposa e outros tipos de animais". A caça, como conta, ainda é feita na forma primitiva, com a utilização do laço e do arco e flecha.

Mas, inevitavelmente, os índios de Bertioga também já incorporaram alguns aspectos da cultura branca. Usam os mesmos tipos de vestimentas, se utilizam de água encanada e compram mantimentos básicos (como o arroz, o óleo e o feijão) no supermercado. O dinheiro para tanto é conseguido através da comercialização de palmito e de peças de artesanato.

As doenças trazidas pelo "homem branco" são a maior preocupação do grupo indígena bertioguense. Antes da instalação do posto da Funai no local, que mantém uma enfermeira à disposição do grupo, eram muitos os casos de índios contaminados pelo vírus da gripe e com verminose. As doenças foram controladas com medicamentos, ao mesmo tempo em que foi dado início a um trabalho preventivo com a adoção de um calendário de vacinação.

Esse trabalho, segundo o técnico indigenista Márcio José Alvim do Nascimento, responsável pelo posto da Funai no local, vem dando excelentes resultados, permitindo até o aumento da população indígena da reserva. "A taxa de natalidade verificada nos últimos cinco anos situa-se, em média, em torno de 7,8%, muito superior à do restante do País, que está em cerca de 3,4%".


Apesar de contar com apenas uma igreja, a de São João Batista,
os católicos são maioria em Bertioga
Foto: Rubens Onofre, publicada com a matéria

Semelhante aos médios e grandes centros urbanos, a religião em Bertioga também é bastante diversificada. Os católicos parecem predominar nesse contexto, embora haja adventistas, espíritas e fiéis de seitas protestantes, como a Assembléia de Deus.

Segundo o padre João Chiarot, a Igreja São João Batista, situada na Vila de Bertioga, foi inaugurada em 17 de fevereiro de 1974, "sendo a única no Distrito até hoje". O pároco está na região há apenas 20 dias, substituindo o padre titular André Marzolek, que se encontra em sua terra natal, a Polônia.

Mesmo com pouco tempo no local, padre João diz que os fiéis que comparecem às missas são pessoas abertas "e sequiosas da palavra de Deus". Natural do Paraná, ele observa com apreensão a evasão de católicos para outros cultos, inclusive em Bertioga. No entanto, apresenta uma solução para o fenômeno: "O padre tem que se mostrar receptivo, conversar com os fiéis, e não apenas se limitar a rezar as missas. Eu faço isso com esta comunidade".


A igreja da Assembléia de Deus é freqüentada por cerca de 300 fiéis, muitos deles ex-católicos
Foto: Rubens Onofre, publicada com a matéria

A Igreja da Assembléia de Deus também possui seu templo em Bertioga. As reuniões, que ocorrem três vezes por semana, são promovidas para atender os cerca de 300 fiéis. "Um povo muito simples", como conta o ministro do Evangelho, Antônio Urias Barbosa, responsável pela igreja. Ele explica que a maioria das pessoas que freqüentam a Assembléia de Deus é ex-católica, assim como ele. "Todos nós temos aqui o que não encontrávamos em outras religiões".

Apesar de contar com menos adeptos do que as demais organizações religiosas (aproximadamente 60 pessoas), a Igreja Adventista está presente em Bertioga desde 1915, conforme esclarece Enéas Xavier, um dos responsáveis pela igreja. Segundo ele, a "casa adventista" realiza três encontros por semana e ainda promove diversos trabalhos de ajuda a pessoas carentes.


Além de servir para cultos, a sede da Igreja Adventista é utilizada ainda 
para a realização de trabalhos sociais
Foto: Rubens Onofre, publicada com a matéria

Já a Comunidade Espírita Cristã de Bertioga foi fundada há cerca de oito anos e soma atualmente cerca de 50 associados. Seu presidente, o ex-subprefeito do Distrito, Alberto Alves, diz que a entidade segue o pensamento kardecista - doutrina criada pelo filósofo espírita francês Allan Kardec. Os membros da Comunidade Espírita local se reúnem três vezes por semana, quando discutem os princípios da filosofia. A entidade mantém uma creche no Distrito, voltada exclusivamente para aproximadamente 40 crianças carentes. O estabelecimento é mantido por doações do comércio e de moradores da região.

Alberto Alves frisa que enfrentou problemas em atrair caiçaras para a doutrina. "Eles (os caiçaras) são relutantes, mas aos poucos vão assimilando a filosofia espírita".


A comunidade espírita possui um local para reuniões periódicas, que abriga também uma creche
Foto: Rubens Onofre, publicada com a matéria