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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Igrejas
Convento do Carmo - efemérides (2)

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Este extenso trabalho sobre as igrejas do Carmo foi organizado durante alguns anos pelo pesquisador de História e professor Francisco Vazquez Carballa - muitas vezes narrando histórias em primeira pessoa por ter vivido naquela área -, e que em novembro de 2018 enviou o material para divulgação por Novo Milênio:
 

Efemérides do Convento do Carmo de Santos

Francisco Vazquez Carballa


Capela da Ordem Terceira, Igreja e Convento do Carmo, em 1865: foto de Militão Augusto de Azevedo
(albúmen com 17,5 x 10,8 cm. Acervo Museu Paulista)
Imagem reproduzida no livro Santos e seus Arrabaldes - Álbum de Militão Augusto de Azevedo, de Gino Caldatto Barbosa (org.), Magma Editora Cultural, São Paulo/SP, 2004

PRÉDIO

Muito antigo, com formatos do século XVII, erguendo-se na Praça Barão do Rio Branco já por quatro séculos, sofreu com todas as reformas possíveis ou restaurações e, tem muitos acréscimos que foram necessários ou apenas modismos. Suas paredes de vários palmos de largura, típicas dos séculos XVI/XVII, foram feitas para resistir ao tempo.

Existem fotos muito antigas - das quais possuo algumas e a outras tive acesso - que registram o templo:

1865 - Militão Augusto de Azevedo – Pátio do Carmo, parte da fachada quase de frente, vista do lado esquerdo da foto.

1865 - Militão Augusto de Azevedo – Rua Meridional vista do Largo da Matriz – Vemos o prédio dos Terceiros e a torre do convento.

1865 - Militão Augusto de Azevedo – Capela da Ordem Terceira e Igreja e Convento do Carmo, em vista de frente e completa.

1865 - Militão Augusto de Azevedo – Santos vista do Monte Serrat – Podemos observar o conjunto do Carmo pelos fundos.

1865 - Militão Augusto de Azevedo – Santos vista da Ilha Barnabé – Vemos o conjunto carmelita de frente.

1865 - Militão Augusto de Azevedo - Vemos a fachada de frente e de lado.

1880 – Marc Ferrez – Panorama de Santos - Vemos as construções a partir dos fundos mais pelo lado esquerdo.

1889 – Marc Ferrez – Porto de Santos, vemos parte da fachada dos Terceiros e torre.

1889 – Marc Ferrez – Vista obtida da Ilha Barnabé - Vemos as construções de frente, principalmente do convento, e o canhão da casa do Braz Cubas.

1901 – Anônima – Foto que mostra as construções do lado direito e a Matriz ao fundo, infelizmente com danos à imagem causados pelos sacros cupins.

1902 – Marc Ferrez – Panorama de Santos - Vemos as construções pelos fundos.

1904 – Circulado 28 de junho Union Postale Universelle, Bilhete Postal Lembrança, Estados Unidos do Brazil, Bazar de Paris – M. Pontes & Co, Santos intitulado Praça da República e Rua 15 de Novembro. Podemos observar a igreja dos Terceiros, a torre e a tribuna sem acesso da igreja, com a construção abaixo.

1915 – Circulado em 15 de junho, Santos Panorama II, F. Manzieri, Edictor, S. Paulo Nº 02, vemos o convento pelos fundos e pela presença do bonde elétrico sabemos ser posterior ao ano de 1909, igualmente a antiga Matriz já não existe.

1919 – Circulado em 4 de janeiro, Cartão Postal. Union Postale Universelle. Estados Unidos do Brazil intitulado Santos. Jardim da Praça da República. Série em preto Nº 18. Podemos observar parte da igreja das Terceiros e a torre da igreja.

1925 – Cartão Foto Postal – Santos – 52 Praça Barão do Rio Branco - O antigo Palacete do Largo do Carmo, em processo de reedificação do Santos Hotel, quando ganharia os dois pavimentos superiores, sendo marcante que não existe a construção do monumento de Gaffrée e Guinle - que só seria inaugurado em 19 de novembro de 1934.

1930 – Anônimo – Brasil, Vistas do Convento do Carmo de Santos – As fotos reunidas nessa coleção de postais são anteriores à sua comercialização com data de 1930 [09] com os registros de 1911 e 1925, quando o convento foi reformado; podemos ver possivelmente os monges que vieram em 1906.

1952 – Circulado em 10 de maio – Foto Postal em branco e preto, Nº 4 Brasil Santos Prefeitura Municipal. Podemos observar do lado esquerdo parte do Ginásio do Carmo, remontando a foto à década de 1930.

FACHADA

Sua fachada até o século XVIII se limitava à igreja e ao convento, muito simples. Depois foram feitas a Ordem Terceira e a torre, seguindo linhas semelhantes, como pode se ver em fotos antigas de Militão de Azevedo de 1865 e de Marc Ferrez de 1880 e 1902, sendo o contrário da segunda fachada da Ordem Terceira.

A mesma tem linhas mais simples, de acordo com o século XVII: podemos ver o grande frontão arqueado com o óculo centralizado e acima - em um friso de pedras esculpidas - a grande cruz de pedra e nas duas extremidades duas ponteiras igualmente de pedras esculpidas, três janelas com balaústro de sacada rente aos seus batentes de pedra e arco abatido, uma porta bem grande com arco abatido (ou, como também se diz, barbacã). Nas bases, os assentamentos das colunas onde a pedra - devido à ação das maresias, do sal e do tempo - está se desintegrando como casa de cortiça, no que é semelhante a todas que havia nas igrejas da cidade desse período.

A porta principal de acesso ao templo tem formato típico colonial, mas suas almofadas são em linhas retas, com suas partes centrais arredondadas e um adorno interno em forma de flor. Apenas as duas almofadas superiores têm o arqueamento típico e um ornamento de ondas. Até os anos 1980 havia altos-relevos retangulares que ocupavam 1/3 da altura da porta, na parede da mesma que é a fachada, formando o quadriculado neoclássico que se usava em paredes, mas essa solução artística não estava lá em 1900. Conforme se comprova em fotos, esse detalhe foi retirado da parede da Ordem Primeira.

Podemos ver a data 1756 gravada no friso acima da porta. Observando o histórico de várias construções da Ordem, vamos perceber o mesmo costume em todas as igrejas carmelitas no Brasil: quando construíam os irmãos Terceiros sua sede e quando ocorriam as reformas essa gravação era feita.

No frontão está o óculo mistilíneo, onde se encaixam perfeitamente as linhas curvas e quadradas.


O conjunto do Carmo, em 1898

Foto cedida a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa

PRESBITÉRIO

De bom tamanho, seu piso igualmente é recoberto por mármore. Em outros tempos, os cantores e organistas tocavam próximo do altar-mor, do lado esquerdo de quem olha. Igualmente haviam retirado a grade da comunhão, com a qual fizeram mesas e que recentemente foi reconstruída.

No altar-mor estava, até os primeiros meses de 2018, a imagem da oraga, no nicho principal, mas foi retirada dali. Justamente nesse local, quando o sol se põe no verão, já nos últimos lampejos, a luz que entra pelo óculo corre em linha reta e iluminava a Virgem Maria, ali terminando. Vi isso muitas vezes enquanto rezava o terço e esperava a abertura da igreja para a missa das 18h00.

O forro é feito em estilo caixotão, havendo as divisões de madeira em figuras quadriculadas, mas não colocaram pinturas para o lado de baixo, como era comum, sendo mantido o forro da nave em tábuas corridas em forma arqueada. Curiosamente, vamos ver que na igreja dos Terceiros a situação é inversa.

Bem distribuídas, tem de cada lado três tribunas ou janelas destinadas ao serviço religioso para os fiéis participarem da missa, mas curiosamente elas terão um andar de acesso só no início do século XX - como se pode comprovar em fotos antigas. Assim, sua utilidade era para iluminação e ventilação do presbitério.

Existe uma porta de acesso ao local de cada lado, próxima ao supedâneo do altar-mor, uma dando entrada ao corredor e a outra ao espaço entre as duas igrejas, o que pode dar a ideia de que os irmãos Terceiros teriam acesso livre ao local, mas existiu em outros tempos a clausura, onde não poderia haver acesso sem permissão especial.

Próximo do gradil da comunhão - que é feito em madeira e há pouco tempo foi recolocado -, existe do lado direito outra porta de acesso ao presbitério, não havendo outra à sua frente - o que contraria a solução de simetria que existe dos dois lados e nos leva a supor que a mesma foi feita posteriormente, pois as almofadas entalhadas não condizem com o resto da construção, nem apresenta batentes e sobrancelha de pedra esculpida.

ALTARES DO PRESBITÉRIO

Existe uma pesquisa feita por Mateus Rosada, onde se descobre que o retábulo do altar-mor teria sido esculpido em cerca de 1770 pelo português Bartholomeu Teixeira Guimarães, que também teria esculpido os retábulos nas Igrejas da Candelária de Itu, antigo Carmo de São Paulo, Nossa Senhora da Conceição de Viamão, os santistas da Ordem Primeira do Carmo e Capela da Graça (pertencentes aos carmelitas) e o da velha Matriz, que era muito assemelhado ao remanescente carmelita de Santos (que não possui peanhas para colocação de duas imagens laterais).

Fica a questão sobre se ali haveria outro altar ou retábulo mais simples, que teria sido substituído ou trocado de lugar, como era comum ocorrer quando a peça não estivesse deteriorada ou consumida por insetos. Mas, desse, nada temos de referência até o momento.

Altar-mor – Seu retábulo é feito em estilo de Barroco triunfante. Como diziam, era muito assemelhado ao da Matriz demolida em 1906, conforme foto que existia no Instituto Histórico e Geográfico de Santos nos anos 1980. Podemos compará-lo com o retábulo que existe na igreja de Nossa Senhora da Candelária de Itu/SP, observando-se aí que, quando o prior frei Mario Bastos mandou dourar as talhas, decerto não saberia que as partes do fundo do altar principal e demais são coloridas como se usa no barroco. Um dos motivos desse altar seguir o estilo tão rico é justamente pelas posses recebidas pelos carmelitas, herdadas ou por doações.

Na base do retábulo está a mesa ou o sarcófago abaloado do altar. Pode ser que retivera a imagem do Senhor Morto em outras épocas, mas para certificar tal afirmação seria necessário pesquisar e verificar a parte interna do mesmo. Sabe-se que sua pedra tinha o nome de mártires famosos: eu a vi uma única vez, sendo de tamanho considerável e as letras com os nomes pintados, não me recordo ao certo quem eram os heróis cujo fragmento de seu corpo ou relíquias [10], levou a presença do Espírito Santo para aquele local de preces.

No corpo do retábulo vemos quatro colunas salomônicas e entre elas não temos peanhas para sustentar duas imagens laterais, como é comum em todos os retábulos construídos nesse período; se um dia teve as peanhas, estas desapareceram.

Na parte central está o trono onde ficava a Senhora do Carmo de vestir, acima e em frente ao nicho central que no passado sustentou o crucifixo (agora encontrado no altar lateral esquerdo). Até alguns anos atrás se exibia a custódia de madeira com uma caravela entalhada na base. Mais acima está a pirâmide com os cinco degraus e, em um nicho sobre esta, expõe-se um solar com o Divino Espírito Santo, contando as pessoas mais idosas que bem no passado era ali colocada uma custódia simples, com o Santíssimo Sacramento [11].

O nicho central em outra época possuía um varal que sustentava uma cortina que na Quinta-Feira Maior era aberta velando totalmente o local do povo [12].

O seu sacrário antigo, por ser simples, foi retirado, sendo em seu lugar colocado um muito mais trabalhado - porém em desacordo com o estilo do altar mor -, ficando o primitivo para ser usado na cerimônia de Quinta-feira Santa, quando o sacramento é guardado em um local especial e adornado. Neste caso, passaram a utilizar a capela do Senhor dos Passos. O uso desse antigo sacrário se deveu à falta de restauro da Urna do Santíssimo Sacramento que existe ainda no convento, com o Cordeiro sobre a caixa abaloada em estilo do século XVIII.

Entrando por uma portinhola do lado direito se tem acesso à parte interna, debaixo do retábulo, onde existe uma tora de madeira descomunal que o sustenta (pelo menos estava lá no final dos anos 1990), sendo uma figura curiosa de se ver, aquela peça. Decerto, um bom teste identificaria a época da sua colocação ali.

Assim, existe a pequena porta para poder mexer dentro do trono, e mais atrás enormes armários onde se guardavam os descansos (muito antigos) de esquifes (depois reservados para os andores), varas do pálio e mastros de estandartes, castiçais de cristal que se usavam nos dias festivos, os vasos grandes de porcelana branca com adornos azuis.

Havia ali uma antiga e graciosa lanterna de mão, com um pequeno sino abaixo do aro de sustentação; seus vidros eram adornados com cruzes. Era para ser usada iluminando o caminho e acompanhar o sacerdote para levar o Santíssimo Sacramento em casos de extrema unção. Existiam ainda as peças de presépio e tudo o que fazia parte da vida anual do convento.

O coroamento do grande retábulo - executado em barroco triunfante - fica encimado por uma grande cartela com o brasão carmelita, frisos e demais detalhes próprios do estilo ali usado. Também tem dois altares de grande porte rentes à parede da nave, sendo o do lado da epístola (ou da direita do celebrante, quando está de frente para o altar mor, e de quem olha a igreja de frente) e o do lado do evangelho (ou da esquerda do celebrante, quando está de frente para o altar mor, ou para quem olha a igreja de frente).

Esse retábulo recebeu um panejamento ou cortina (talvez recriando uma versão mais simples inspirada na igreja dos carmelitas da capital paulista), no altar do Santíssimo Sacramento, que foi adicionado na parte inferior do retábulo ou altar mor da nova igreja e convento do Carmo de São Paulo. Este, segundo se afirma, perdeu o altar mor e assim juntou dois, formando um novo retábulo.

O nicho do retábulo de Santos recebeu uma cortina gigantesca feita de veludo vermelho, encimada por uma coroa com enormes borlões de cortina pendentes, possivelmente quando se instalou ali a Adoração Perpétua em 1956. Em 1981 se observava em foto de jornal que ainda estava lá, mas posteriormente, para devolver o projeto primitivo do altar, foi aquele panejamento retirado, expondo os degraus que ele ocultava e inclusive retirando-se os caibros que passavam por trás e um pela portinhola do nicho, para sustentarem a cortina vermelha e a grande coroa.

Assim, frei Rafael colocou um solar com o Divino Espírito Santo no lugar. Na época, até se cogitou de colocarem ali Santa Ana e São Joaquim, nos degraus, como medida de proteção às mesmas imagens e por se tratarem dos pais de Nossa Senhora que está no trono (além de combinarem com o lugar, devido ao douramento de suas vestes), mas essa ideia caiu em esquecimento.

Altar do presbitério, rente à parede direita da nave e voltado para o outro defronte – dedicado ao Cristo Rei e Redentor, cuja imagem foi trazida do Rio de Janeiro, lendo-se no lado esquerdo, no bojo da nuvem, uma inscrição terminando com “Rio – 1944”. Possivelmente foi ali entronizado em 1959, quando se retiraram os membros da Irmandade do Senhor dos Passos. Nesse lugar ficava a Senhora das Dores, que era patrimônio da referida irmandade. Segundo o professor e artista plástico José Marques de O. Neto, a imagem tem características de sua origem portuguesa, devido aos anjos e sua feitura, em que vemos Nosso Senhor com cabelos ondulados.

Altar do presbitério, rente à parede esquerda da nave e voltado para o outro defronte – dedicado ao Senhor Crucificado, com uma imagem que, segundo frei Rafael M. Marinho, um dia fora o Senhor Morto do convento, motivo pelo qual tem os pés separados e muitos acham que é de origem espanhola. Fora colocada nos anos 1980 e ele pretendia colocar aos seus pés a Senhora das Dores que encomendara em Minas Gerais, sendo imagens de proporção próxima, como o frade solicitou ao encomendá-la. Em seu lugar ficava o Senhor dos Passos, da irmandade do mesmo nome, antes desta sair dali.

Recordo, ao ver a foto da antiga Matriz, que os dois altares do presbitério eram em posição semelhante à vista no convento de Itanhaém/SP: eram de frente para o povo, rentes nas duas paredes entre o presbitério e nave. Já no Santuário de Santo António do Valongo são de quina com essas mesmas paredes.

Para a imagem de Nossa Senhora, a pedido de frei Rafael, recordo que comprei um punhal, um resplendor e um aplique de cabelo natural para que a Virgem Senhora ficasse mais realista, inclusive o restaurador Marcos Lamouch pegou a imagem da Santa e trabalhou nela para lhe retirar as imperfeições, pois era uma figura muito bruta quando chegou - o que deixou o frade preocupado pela aproximação da Semana Santa. Assim, ela foi trabalhada e reencarnada como está até hoje.

Capela do Senhor dos Passos - fica do lado esquerdo de quem olha para o altar mor, ou seja, do lado do evangelho. No final dos anos 1970 foi retirado o antigo gradil da porta que existia no presbitério e feito um aposento, onde se colocou a imagem do Senhor dos Passos que frei Mário mandara fazer em gesso, visto que a antiga da irmandade havia ido embora com a mesma do convento. Assim, ele ficava no coro e, ao contemplá-lo de baixo, parecia que Jesus Cristo estava sentado nos observando [13].

Com a construção da capela - que é nova em comparação com as paredes coloniais -, ficou meio em desacordo com o local. Isso, visto pelo lado externo, por que dentro pouco se percebe a não ser pelos seus adereços e por ter o teto baixo. Para ficar perfeito, seria melhor ter depositado essa imagem no antigo altar em que outrora ficava a imagem do Senhor dos Passos (atualmente na paróquia do Boqueirão), mas parece que a base das duas imagens tem grande diferença.

Devoção guardada no coração e muito querida do povo, pela consideração com o prior frei Mário Bastos e por frei Rafael, ganhou a capela um lustre de cristal que fora trazido de Veneza. Por seu respeito ao bispo e amor a Jesus Eucarístico, o doou para a capela do Santíssimo Sacramento da Catedral de Santos. Outro detalhe que levou a tal decisão foi que, sendo o teto muito baixo, os penduricalhos de cristal do mesmo poderiam ser furtados e na matriz estão bem altos.

Esses altares já foram apenas escurecidos com anilina e envernizados, até que o prior frei Mário Bastos, durante uma restauração em um dos altares, verificou que havia douramento e tratou de devolver o brilho barroco a esses altares do convento.

No final dos anos 1970 eles foram pintados de dourado ou folheados, mas a sua cor indicava que fora usado material inferior. No início dos anos 1980, os altares foram todos dourados pelo restaurador Marcos Lamouch [06a] que pacientemente era visto aplicando as folhas de ouro com goma laca.

ESTALAS DO PRESBITÉRIO

De bom tamanho, também têm o nome de cadeiral do século XVIII, eram onde os frades ou monges se sentavam durante a missa ou as orações em comum. Até 1998, eram usadas pelos irmãos da Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte, na missa compromissal. Podemos vê-los em quatro telas enormes pintadas por Benedito Calixto: Santo Alberto, São Nuno, Santo Elias e São Elizeu.

Existia quem afirmasse que os mesmos foram confeccionados na madeira jacarandá da Bahia. Podem ser contemplados no presbitério, sendo muito imponentes, com capacidade para nove monges sentados na parte superior e sete monges na parte inferior, somando 32 monges ao todo. Creio que o convento não teve tantos frades ou irmãos consagrados assim, desde sua fundação.

NAVE

Típica de uma igreja de sua época, é bem ampla para abrigar os fiéis cristãos ou sepultar seus corpos. Atualmente, os túmulos estão tampados e se ainda existirem lápides ou se buscarem os locais de seus óculos, os encontrarão entulhados de materiais para sustentar o piso atual, estarão tampados com entulho ou ainda estarão com seus despojos antigos por não haver noticia ou registro até o momento de que foram exumados e levados para o Paquetá.

A parede esquerda da nave se mostra meio inclinada, assim como houve outros danos como o ocorrido na década de 1960. Pode até ser que essa inclinação ou acomodação tenha ocorrido junto com os danos no arco entre o presbitério e a nave, que está cedido devido à explosão do gasômetro em 8 de janeiro de 1967.

O piso atualmente é recoberto com mármore, expondo quatro altares de cada lado, sendo seis idênticos e dois diferentes um do outro. Já a disposição dos bancos - que são muito antigos - é o normal de todas as igrejas conhecidas, respeitando a passagem entre o acesso ao claustro e a saída para a Rua Itororó - que hoje não é mais usada pelos fiéis.

Existiam duas portas na parede entre os altares laterais e o acesso ao presbitério: a do lado esquerdo ficou como acesso à capela do Senhor dos Passos e a do lado direito ficou a porta fechada onde antes havia por detrás o equipamento de som.

O teto da nave é encurvado, semelhante ao do convento de Itu. Provavelmente ostentou pinturas, como é o comum nessas igrejas, mas nunca foi feita uma prospecção em suas tábuas corridas para se apurar a existência de fragmentos dessa pintura ou se apenas ela se perdeu por completo com sua substituição através dos tempos, conforme ocorreu em muitas igrejas no Brasil.

Nas igrejas paulistanas de Santo António da Praça Patriarca, na de São Francisco no largo do mesmo nome, na capela das irmãs do Mosteiro da Luz, na igreja da Ordem Terceira do Carmo, foram encontradas lindas pinturas no forro encurvado. Também na igreja da Ordem Primeira, da cidade de Cachoeira da Bahia, foram resgatados fragmentos dessa pintura no forro, com fotos antigas mostrando os acréscimos mal feitos como a figura de Santa Tereza de Lisieux onde o artista representou a imagem popular e conhecida da época e não a personagem dentro do contexto, deslocando o estilo do conjunto, que um dia poderá ser restaurado.

Vale ressaltar que existem grandes caibros atravessando a parede de um lado a outro e um deles caiu nos anos 1980, ao que o prior frei Rafael mandou verificar para assegurar a segurança dos fiéis. Outro detalhe é que o óculo - ou olho-de-boi, como se dizia - está com a parte de cima tampada pelo forro, o que indica uma reestruturação ou reconstrução do mesmo, ficando um pouco mais rebaixado.

Existem de cada lado, em perfeita simetria, três janelas ou tribunas, com o espaço perfeitamente dividido entre uma e outra, seguida a última pelo púlpito (que fica em direção do presbitério). Essas tribunas, com baldaquinos esculpidos recordando sacadas, eram destinadas aos fiéis que poderiam participar da missa sem os inconvenientes que pudessem existir, sendo liberadas para os benfeitores do convento, pessoas ilustres, fieis importantes da cidade e demais personalidades. Se estivesse vivo e a construção estivesse terminada, o próprio Braz Cubas estaria em uma delas, durante uma missa ou importante cerimônia cristã.

Em direção da porta da entrada principal está o coro onde existem igualmente duas portas, uma diante da outra, em cada parede, sendo a do lado direito de quem olha ao altar mor a que dá acesso ao coro e a do outro lado a que dá acesso ao campanário - e que muitas vezes cruzei para tocar os sinos ou limpar a torre e seus degraus de madeira. Nas fotos de 1880 e de 1902 de Marc Ferrez, não observamos na construção as paredes laterais que dariam acesso às mesmas para pessoas importantes ou benfeitores da Ordem. O que percebemos é que dos lados esquerdo e direito não há acesso, ao contrário da igreja dos Terceiros (onde foram feitos acessos para suas janelas na nave e presbitério, do lado esquerdo de quem olha a igreja de frente).

Igualmente a essa solução arquitetônica, no Mosteiro de São Bento da Santos de 1650 foi feita uma estrutura lateral esquerda para gerar acesso a essas sacadas e janelas. Mas, com a reforma de 1980, não houve respeito aos acréscimos do tempo e aquela parte foi demolida, deixando as janelas sem uso e suas sacadas, que ficaram apenas fazendo par com o lado direito.

Observamos ainda que na Igreja de Santo António do Valongo de 1640 existe o acesso às mesmas janelas do lado direito, mas as janelas do lado esquerdo que existiram foram retiradas na reforma que ocorreu no início do século XX. Igualmente, o púlpito, que em meados do século passado foi retirado do alto - e atualmente está mais abaixo, próximo da capela dos Terceiros Franciscanos -, sendo em seu lugar colocado um vitral com a cena do milagre da pregação do Evangelho aos peixes, recordando que o costume local era sempre colocar o mesmo número de janelas ou púlpitos de um lado e de outro.

Os dois púlpitos existentes no convento carmelita santista ainda lá estão, sendo o do lado esquerdo apenas uma solução de arquitetura de simetria e o do lado direito o que era usado para as pregações. Naquele tempo, em que não havia aparelhagem que aumentasse o som, era o lugar onde o sacerdote poderia pregar e ser ouvido pelo povo, tanto pela altura (que espalharia o som de forma uniforme e alto, devido ao eco) como por estar acima de todos e assim chamar mais a atenção. Fica a dúvida se seu acesso seria feito por escadas laterais ou pela pequena passagem na parede que não é percebida ou não existia na foto de 1880: um bom trabalho de prospecção nas madeiras solucionaria essa questão.

Na entrada, podemos ver portas de acesso: a da direita vai debaixo da torre e a da esquerda dá acesso às dependências do antigo convento, sendo hoje apenas uma porta de entrada pela praça.

Haveria um batistério, mas seu local é ignorado, sendo possível que fosse do lado esquerdo de quem entra, com a informação de que a pia batismal seria a mesma que está na capela dos Terceiros desde quando frei Rafael para lá a mandou; a prospecção nas paredes poderia revelar o local exato de onde ela foi retirada.

ALTARES DA NAVE

Foram colocados posteriormente aos três principais do presbitério: o altar-mor, o altar do lado da epistola e o do lado do evangelho. Os demais foram posicionados graciosamente debaixo de cada janela lateral, ostentando seis castiçais cada um, com bases parafusadas - trabalho que realizei num dia de Finados, após o término da restauração. Entretanto, alguém tirou todos os castiçais, o que deixou esses altares pobres.

1º - Altar de Santa Ana – Essa imagem da santa anciã e de seu esposo, segundo se dizia, viera da capela de São José do Jurubatuba, fazendo conjunto com a Virgem da Conceição e seu pai São Joaquim, e assim ficaram no convento. Ali havia uma imagem em gesso do início do século XX, de porte maior e muito artística, da avó de Jesus, mas frei Mário a retirou, mantendo-a nas dependências do convento e colocando a imagem antiga no seu lugar - o que ficou mais de acordo com o conjunto.

2º - Altar de São José - Essa imagem, que parece ser fundida em gesso, foi trazida do convento do Rio de Janeiro em cerca de 1993, substituindo uma imagem da mesma devoção que era muito comum e grande para o altar, pesando sobre as madeiras envelhecidas. Primeiro, frei Rafael encomendara uma imagem em madeira com uma senhora que era artesã, mas, ao chegar, viu-se que o desenho não era dos melhores para a realidade barroca da igreja, por ser arte popular ingênua. Assim, foi buscado um São José de Botas, mas não se encontrou naquele momento, pois haviam vendido o que se oferecia em uma loja de artesanato mineiro e aquela imagem de menor porte ficou então perfeita para o altar barroco.

Nos anos 1980, frei Rafael colocou ali uma imagem do Bom Jesus que viera do Rio de Janeiro, mas estava vestido.

3º - Altar da Senhora da Boa Morte – Possivelmente ali instalado desde 1750, segundo importante referência histórica [14], tendo seu altar características anteriores à época. Podemos ver no trono ou nicho acima do sarcófago a imagem em roca da Virgem Senhora da Assunção que até 1998 usava uma coroa de prata grande do século XVII, bem ao gosto colonial, com suas roupas de seda e veludo bordado. Durante o período do tríduo e festa do dia 15 de agosto, a Senhora ficava imponente e rainha, do alto de seu altar - que, como todos, tinha seis castiçais barrocos fixados na mesa, conferindo-lhe um encanto de tempos passados. Recordo que uma vez ocorreu de um deles começar a queimar e frei Rafael, que rezava ali após a missa compromissal e nos dias de tríduo, se levantou de sua prece e disse: “Como pode, um castiçal do século XVIII queimando e ninguém fez nada?”.

Na parte de baixo em uma peça de madeira - que é mais antiga que o próprio altar onde está instalada - está uma arca de madeira, com a parte de cima em forma de arco abatido e com a frente de vidro. Dentro dela, repousa a imagem da Senhora adormecida ou morta entre flores de seda, que recebia a outra coroa do século XVIII, quando era colocada no esquife para a procissão do enterro da Senhora - que era retirada desse local, levantada por duas grandes argolas. Na parte da frente percebemos que a instalação foi feita de forma improvisada, pois se cortou parte dos adornos desse altar para ali colocar aquela peça, podendo ser justamente esse o altar onde no passado ficou Nossa Senhora do Ó.

Em 15 de agosto de 1936 foi adquirida outra imagem da Virgem da Assunção, de maior porte, para usar na procissão. Ela foi benta e apresentada em seu andor adornado de crisântemos e copos de leite, mas na hora de ser colocada no nicho do altar a imagem não coube; assim, permaneceu a antiga, sendo a nova guardada dentro de um oratório que - além da porta principal - tem uma parte lateral que abre facilitando a retirada ou colocação dessa imagem dentro, assim ficando onde antes havia um grande crucifixo guardado e usado em cerimônias da igreja.

Nas festas sempre tem as histórias de bastidores. Eu fui protagonista de muitas, como na festividade em agosto de 1993. Entre elas, a de que, ao som da famosa frase: "Ficou pra vestir Santo!", me deram a responsabilidade de trocar as roupas da imagem da Virgem da Assunção. Levei a imagem para o consistório da Confraria, e de lá saí com o rosto corado de vergonha. Frei Rafael me perguntou o que havia ocorrido para eu estar daquele jeito, e lhe respondi que a imagem da Virgem tinha seios rosados e entalhados e eu os vira; o bom frade, sorridente, disse que era assim mesmo nas imagens antigas, mas que a coloração rosada fora dada pelo restaurador Marcos Lamouche nos anos 1980, pois gostava de muito realismo nas obras sacras; antigamente decerto as imagens não eram assim. Finalmente troquei as roupas e devolvi a Virgem ao seu nicho no altar.

4º - Altar da Senhora do Monte Serrat – Esta imagem veio da Catalunha/Espanha, sendo uma cópia da que se venera em Monte Serrat, portanto é uma réplica românica e de certa forma um recado dos carmelitas por nunca conseguirem ter a posse do Monte Serrat de Santos em brigas jurídicas desde o século XVII. Foi trazida em procissão dos lados da Alfândega (conforme se comprovava por fotos que existiam no convento) e entronizada com muita festa, sendo colocada no lugar de Santa (Marga)Rita de Cássia - que era uma imagem de roca, ali venerada por muitos anos, tendo ali começado seu culto na cidade de Santos.

5º - Altar de Santa Tereza de Lisieux – Devoção mais recente, por ser uma santa do final do século XIX. Foi colocada onde antes ficaria a Santa Bárbara grande. Depois do retorno dos carmelitas, uma imagem de menor porte, muito antiga, ficou no nicho direito, até ser furtada, não havendo informações se seria a mesma que um dia fora para o Rio de Janeiro. Já a titular do altar é uma imagem de gesso com muita arte, que impressiona os devotos até hoje pela delicadeza.

6º - Altar de São Joaquim – Essa imagem do santo ancião e de sua esposa, segundo se dizia, viera da capela de São José do Jurubatuba, fazendo conjunto com a Virgem da Conceição e sua mãe Santa Ana, e assim ficaram as três no convento.


A Praça Barão do Rio Branco, vendo-se à esquerda o Santos Hotel e ao fundo a igreja Matriz, tendo o complexo do Carmo à direita, em foto de 1901

Foto cedida a Novo Milênio pelo professor e pesquisador Francisco Carballa

TORRE

Sino vem da palavra latina Signum (sinal) e sua menção mais antiga é do século VI. Mais tarde, os sinos serviriam a todas as igrejas cristãs do mundo, inclusive como única forma de anunciar as horas para a população. Em terras brasileiras e principalmente na Santos dos séculos XVI a XVIII, serviram também para avisar dos ataques de índios e posteriormente dos piratas.

Existe uma diferença quanto ao lugar onde estão os sinos em uma igreja.

Sineira é a parede sem guarnição de um telhado, onde os sinos ficam expostos às intempéries, sendo também o nome do nicho onde estão os mesmos, quase sempre repicados.

Campanário é uma palavra de origem castelhana (campana ou sino), para indicar um local alto, guarnecido de telhado para não expor os sinos às intempéries, sendo estes quase sempre bimbalhados e em alguns casos repicados, como na igreja do Rosário, que - para afastar os pombos e suas pestilências - colocou grades nas sineiras.

Podemos perceber que a torre foi ereta junto com a igreja dos Terceiros, motivo pelo qual a balaustrada de pedra superior da torre, onde está a cúpula e suas ponteiras, segue o estilo deles. Essa torre não seguiu as linhas da igreja conventual, com a diferença de que na porta de acesso pela rua, na janela sacada do 1º pavimento e na janela sacada do 2º pavimento temos o arco abatido, já nas sineiras temos o arco neoclássico.

Ai vem à baila a história dos azulejos que existiram na torre. Durante uma reforma e restauro das paredes da torre, no início dos anos 1980, os pedreiros, desavisados, começaram a remover duas faixas horizontais que comportavam fileiras de 4 azulejos sobrepostos compondo 152 peças, fora seus frisos de azulejos em forma retangular. O prior mandou parar imediatamente, recolhendo os azulejos do chão - o que outras pessoas fizeram também. Quase todos os azulejos foram removidos depois de 1998.

Diziam que os mesmos seriam coloniais e que foram comprados por Braz Cubas, depois ali guardados, segundo acreditavam as pessoas de mais idade, sendo que os mesmos azulejos aparecem em fotos do início do século XX, mas não são percebidos em fotos do século XIX, tanto pela qualidade dessas fotografias como pela distância com que foram feitas ou simplesmente por não estarem ali esses azulejos.

Em uma das fotos, datada de 1865, do famoso fotógrafo Militão de Azevedo, vemos uma mancha acima das sineiras do lado esquerdo de frente para os terceiros, o que é característico de umidade na parede. Surge assim uma série de perguntas e cada um achará sua resposta mais apropriada para o caso:

- Se Braz Cubas os comprou, porque só foram utilizados cerca de 160 anos após sua morte?

- Por quê não foram utilizados nas paredes internas da igreja conventual?

- Por quê não os utilizou na igreja da Misericórdia, que já existia e onde foi inumado?

- E por quê foram utilizados na torre, se esses adereços eram comuns para dentro das igrejas?

- Qual a marca do fabricante dos azulejos, para determinar a época e país?

- Porque os retiraram, se eram tão antigos?

Essa dúvida e outras mais sempre houve, em tempos em que as pessoas moravam no centro velho, hoje despovoado e cheio de terrenos ociosos que poderiam ser reocupados pela população. Mas a História sofreu ruptura em sua continuidade: as tradições dali se perderam, porque sua população se espalhou e os mais velhos não foram ouvidos.

Como ocorreu com a Igreja do Rosário dos Homens Pretos, o convento ficou por muito tempo sem torre por haver partes mais importantes da igreja que seriam necessárias que estivessem prontas, como o templo e o convento, até que tiveram condições de a construir em 1752. Para isso, segundo registros, receberam auxílio da Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte. Se havia sinos antes disso, eles deveriam ficar em uma armação simples de madeira, nas dependências do convento.

Fica uma curiosidade ligada aos carmelitas e suas igrejas: tanto em Mogi como em Santos, Angra dos Reis e São Paulo, quando a igreja ficava no centro - ou no Rio de Janeiro, onde os Terceiros fizeram depois sua própria torre, o costume era haver entre as duas igrejas uma torre.

Existem nessa torre oito sineiras, mas os únicos três sinos que existem estão na parte interna, sobre uma armação de metal, onde bimbalham. Eu os toquei muito de 1983 até 1998. Usei apenas uma vez o toque fúnebre conhecido pelos sineiros, durante o sepultamento do saudoso prior frei Rafael M. Marinho, pois só tocava para as festas dos Santos, Páscoa, Padroeira e missas. Jamais toquei para casamentos ou enterros, embora me oferecessem pagamento, pois prometi que só tocaria para defuntos ou para alguém muito especial. Uma vez, durante o toque dos sinos (que eram acionados eletricamente), um dos badalos se soltou e caiu sobre um carro na rua - o que levou o prior a pagar o conserto do carro e do sino.

Quanto a essa eletrificação, que ocorreu no final dos anos 1970, dizia o prior que fizeram duas ligações para acioná-los entre a Ordem Primeira e Ordem Terceira e se fossem acionados ao mesmo tempo haveria um curto-circuito, com perigo de incêndio. Sei que eram acionados no pequeno corredor que leva à sacristia do convento, pois o vi várias vezes fazer isso, principalmente em dias de festa para sair a procissão da oraga; o fato é que depois a parte que existia nos Terceiros foi retirada.

A corporação do 6º Grupamento dos Bombeiros de Santos/SP fez a doação das cordas quando ocorreu o centenário dos mesmos. Assim, com uma escada, coloquei as cordas nos sinos, que foram usadas por muitos anos.

Igualmente, à altura do telhado tinha uma janela com os vidros quebrados. Com a permissão do prior - que reclamava que a mesma sempre ficava batendo com os fortes ventos - subi à torre e tirei as medidas dos vidros, que comprei e coloquei, sendo todos os quatro coloridos. Infelizmente, foram tocar os sinos e deixaram a janela aberta. Com esse esquecimento, numa ventania a janela quebrou os vidros, ao bater.

PONTEIRA DA TORRE

Foi o galo um adereço de muitas igrejas, feito em ferro ou cobre, marcando uma característica da antiga Matriz de 1543, do Convento do Carmo (sendo só ereta essa torre em 1754), da Igreja de São José do Macuco de 1927 (que o perdeu nos anos 1990), e ainda da antiga igreja de São Pedro que existe na Cota 200 de Cubatão. Esta apresentava o galo no frontão, mas este galo se perdeu quando a igreja foi reconstruída no final dos anos 1990.

O uso dessa ave através dos séculos sofreu variações segundo a identificação e está relacionado a algo nobre, como o pássaro pavão que ainda existe (mas atualmente sem a cauda) em cima da capela do antigo palácio episcopal onde residia dom Idílio o bispo de Santos, no bairro da Pompeia, em frente à paróquia.

Encimando todas essas estruturas, existe sempre uma cruz ricamente adornada, pois está mais alta que as cabeças humanas que a contemplam por ser digna e importante para o cristão, recordando uma profecia do Antigo Testamento que afirma que o Messias "levantará o seu estandarte sobre as nações" (cf. Isaías cap. 11 vers. 12). Assim, a cruz é o símbolo do cristão e se ergue em todas as nações, mas em alguns casos exibe-se também a figura de um galo, cujo significado catequético é o seguinte:

Obediência - Lembrando que, assim como o galo serve ao homem que irá matá-lo, igualmente o homem serve a Deus que um dia lhe tirará a vida terrena.

Fraqueza – O galo é um animal fraco que qualquer golpe mata, e assim é o ser humano igualmente fraco.

Sinceridade – Obediente e sincero, o galo é pontual para anunciar as horas, lembrando as obrigações aos demais galináceos; igualmente o homem deve ser sincero com o seu próximo por toda sua vida.

Outro significado importante é a recordação de que - assim como o galo cantou três vezes anunciando o cumprimento da profecia de Jesus, negado por São Pedro quando lhe faltavam a fé e o entendimento (cf. Ev. São Mateus cap. 26 vers. 69/75) - nós devemos estar prontos para confessar nosso Salvador e nunca O negar diante dos homens e mulheres deste mundo.

No caso da igreja da Ordem Primeira do Carmo de Santos, era chamada por algumas pessoas pouco envolvidas com o cristianismo santista de “igreja do galo”.

Nas fotos de Militão de Azevedo datadas de 1865, podemos ver que o galo da torre se mexia segundo o vento que o impulsionava em sua direção, motivo pelo qual em uma foto o mesmo aparece (por ser visto de perfil) e em outra não.

Certa vez, num daqueles dias de ventania, a cauda do galo se despregou e caiu no meio da rua. Antes que algum catador de ferro velho o pegasse, um senhor a apanhou e entregou ao frei Rafael, sendo o galo mais uma vez arrumado e colocado na torre que tanto caracteriza essa igreja. Observando de perto, pude ver que havia um sistema para que o mesmo girasse com o vento e tirei uma foto do lado; para tanto, tive que levantar aquela almanjarra e com trabalho apoiar na grade e a senhora que era responsável pela limpeza captou a foto que tanto eu queria.

Era conhecido o prior pelo seu amor com as criaturas de Deus, fossem plantas ou animais, mas tinha certa bronca dos pombos que comiam as argamassas das paredes (por terem fragmentos de conchas em sua composição de sambaqui) e dos cupins que sempre infestaram o convento, afirmando que iriam para o inferno.

Certa vez, uma fêmea de urubu se aninhou na torre e ali teve o filhote; o frade mantinha então aberta a janela acima do primeiro andar, bem abaixo dos sinos, para que o animal pudesse sair e entrar alimentando seu filhote. O animal vomitou em mim durante a minha ida à torre para tocar os sinos que dariam saída à procissão festiva dos 200 anos da irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte. Ao ver o pássaro fazendo um barulho esquisito, pensei se tratar de um alerta dele contra a minha presença, depois é que percebi seu modo de defesa. Ao contar para o prior, ele começou a rir da situação e me fez perdoar o bicho por agir como faria na natureza.

CORREDOR ENTRE AS IGREJAS

Existe ainda hoje o corredor de acesso entre as duas igrejas - que foi mantido sem haver telheiro ou construções que o ocultassem, para que exista boa circulação de ar e acesso aos dois templos pelo antigo portal do beco, ficando apenas as tribunas do lado esquerdo da nave da Ordem Primeira e Terceira sem acesso devido a não ter sido feita construção alguma que o permitisse.

Curiosamente, as duas igrejas tiveram a mesma solução em suas paredes do lado esquerdo, sendo que isso se explicaria pela iluminação e ventilação, apenas os Terceiros fariam acesso a essas tribunas após 1925.

Recordando que frei Mário Bastos, ao encontrar ali (durante a instalação de um encanamento) ossadas humanas, enviou-as para o cemitério do Paquetá. Era portanto aquele mais um ponto de inumação de irmãos, e para quem pudesse pagar para ali ser enterrado - o que lhes rendia um bom dinheiro.

CONVENTO

Podemos dividir em duas partes as etapas de sua construção, a primeira até o final do século XIX e após 1906, quando foi projetado que seria aumentado pelos monges holandeses. Até então, é possível ver como estava a construção no início do século XX até 1917 e depois a segunda etapa para o ano de 1925.

Desde então, com a inauguração das obras, houve um acréscimo considerável no prédio para receber a escola, até a metade do século XX, quando o antigo colégio do Carmo foi demolido, assim como a frente do convento seiscentista, ficando apenas a parte da construção que se pode apreciar atualmente.

CLAUSTRO

Dizia o prior frei Rafael Maria Marinho, que viu em fotos, ser o antigo claustro em linhas retas, com rótulas, de forma que havia certa privacidade dos monges ao transitar por ali. O jardim tinha túmulos, havendo quem afirmasse que ali esteve por um tempo enterrado o patriarca José Bonifácio, até começarem as obras da construção do Panteão em 1889, sendo a data registrada em documentos. Os túmulos do centro do claustro e de seu corredor térreo foram sendo retirados, assim como na reforma de 1925 colocaram arcos, altos relevos em um material avermelhado onde se vê basiliscos e áspides que adornam suas paredes. Também trouxeram um cruzeiro que tem em cada face o símbolo de um evangelista, fixado em uma bancada para que se sente ali quem queira meditar.

Do prédio antigo restaram apenas as partes da frente, sendo que as partes do prédio que ficavam para a Rua Augusto Severo foram demolidas, restando apenas uma parede dos arcos do claustro, hoje tampados; da frente se perdeu parte do prédio, restando muito pouco.

Existiu uma grande caramboleira que o prior plantara muitos anos antes e foi cortada depois de 1998. Os cristãos que quisessem uma carambola podiam consumir, desde que pedissem ao bom frade, que - usando uma taquara com uma lata amarrada em cima, com parte cortada - pedia para a pessoa escolher e a colhia, mas só poderia consumir depois de lavá-la.

Existiu ainda um pé de dendezeiro que frei Rafael trouxera de Boa Vista da Paraíba, de onde era natural. A árvore cresceu e se tornou frondosa palmeira, mas nas palavras do carmelita a planta não daria frutos pois para isso seria necessário existir outro exemplar. A árvore foi depois cortada, pois suas raízes poderiam causar problemas nas construções antigas e as folhas impediam a entrada dos raios solares, favorecendo a umidade do prédio. Infelizmente, a arvore não existe mais: se fosse plantada na praça, ali estaria.

CRUZEIRO DO CLAUSTRO

Situado bem no meio do antigo claustro se encontra um cruzeiro cuja base foi feita como bancos de alvenaria para que se pudesse sentar e meditar ou fazer preces. Em foto do início do século XX, acima da coluna que sustenta a cruz, está uma base de quatro lados que mostra os quatro símbolos dos evangelistas - que na verdade tem muito mais significados do que parece, começando que os mesmos aparecem na descrição da visão do profeta São Ezequiel:

São Marcos, o Leão – Escreveu seu evangelho no deserto onde o animal habitava, recordando que o último leão foi caçado em Israel na década de 20 do século XX; a juba do animal representa o elemento fogo.

São Mateus, o Touro – Foi martirizado por esse animal e seu evangelho tem a força de um touro; pelo seu peso representa o elemento terra.

São João, a Águia – Escreveu seu evangelho no monte Atos, onde vive esse pássaro; seu evangelho tem a liberdade do voo acima das cabeças humanas; por estar nas alturas, representa o elemento ar.

São Lucas, o Anjo – Escreveu seu evangelho começando pela genealogia de Jesus Cristo e pela natureza humana, cujo corpo é sustentado pelos líquidos; representa o elemento água.

Acima deles está a cruz, em estilo medieval, para combinar com todo o entorno do claustro.

SEGUNDO CLAUSTRO

Por certo construído entre 1906 e 1925, quando se reinaugurou o convento. Para atender a tudo o que se instalava ali, desde a escola aos alojamentos dos frades, foi feito um segundo claustro, que teria o seu vão em forma de um grande retângulo. Ele não aparece em fotos de 1902, a menos que a foto esteja em uma posição em que não se perceba a construção, mas temos certeza que haverá documentos no convento que possam nos dar a data correta.

Conheci muito bem esse local e pude observar que para abrir o caminho foi necessário usar parte de um aposento, de forma que ficou menor na parte inferior. Está até hoje ali a Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte, nos fundos.

Também ficava ao fundo, do lado esquerdo, a cela ou quarto da irmã Regina, uma freira da Ordem de Servas de Jesus Sacerdote. Ela tinha seu tanque, que ninguém podia usar, debaixo de uma escada vista ao lado da porta de acesso ao Beco do Itororó. Ali ficava uma sala onde frei Mário Bastos, que era cadeirante, passava o descanso de tarde, levado e trazido de volta por frei Rafael.

Seguindo mais à frente das dependências da Confraria da Boa Morte, está outra sala que abrigava o coral onde dona Elza guardava suas partituras. Estava ali a imagem de Santa Cecília com cerca de um palmo de altura, muito antiga, que eu ganhara da Loja Santa Maria, de dona Carmem Amaro, situada na Rua General Câmara nº 122. Essa mesma santa foi levada por frei Rafael para o coro da igreja; ali se podia ouvir quando ensaiavam e até participar quando faziam um lanche com bolo, doces, salgados, café ou refrigerantes com os cantores. Na parte superior ficam uma sala e a biblioteca, a cozinha dos frades, a lavanderia, as celas do lado direito onde estava a do prior e demais frades.

No local havia flamboyants e muitos pezinhos de carás que o prior cultivava, com os coqueiros e outras espécies de plantas. Em seu centro havia um lindo aviário feito de madeira pintada de verde, com cúpula em cobre semelhante à de uma torre de igreja, onde o frade criava duas galinhas-de-angola que ganhara, até que elas foram servidas no convento, preparadas com receitas de irmã Regina.

Quanto à bela peça de cobre, caiu sobre ela, de uma palmeira, um fruto de coco maduro, que a amassou; devido às chuvas, a madeira apodreceu e o prior mandou retirar tudo dali, restando apenas as fotos do mesmo, em que podíamos ver a peça cilíndrica de cobre onde o saudoso frade fazia as velas que serviriam o altar-mor do convento, ou o corpo de uma imagem de roca que pertenceria a Santo Ângelo, entre grandes órgãos cheios de trabalho de arte e que ficaram sem conserto, pois o frade que o fazia fora embora dali e os mesmos foram doados.

ENTERRAMENTOS

O primeiro local onde os carmelitas puderam inumar os membros de sua Ordem foi a nave da capela de Nossa Senhora da Graça, reservada também unicamente para a família Adorno - com uma única exceção, que foi o sepultamento em 5 de agosto de 1825 do negro Julião [15], devoto da Santíssima Virgem e que ali rezava todos os dias de sua vida. Com a nave da nova igreja, tiveram os frades o presbitério do convento, ficando os demais locais para as irmandades como era o costume (o irmão era inumado na frente do altar da sua irmandade ou proximidade), além de todas as adjacências onde poderiam depositar corpos humanos, segundo o costume antigo.

Sendo eu o funcionário nº 97431-5 da Telesp, soube que no antigo terreno da Capela da Graça a empresa iria de novo abrir o chão e que em momentos anteriores haviam encontrado ossadas e acreditaram os trabalhadores ser um crime. Eu me deparei com os ossos do falecido Julião quando estava de férias e me dirigia ao Valongo e passei propositalmente por ali em 2000. Ao chamar o instituto que cuida desses eventos, me escorraçaram dali e divulgaram que foi um transeunte que os avisara, sendo eu bem conhecido daquela turma; no final, ainda queriam meu estudo sobre a capela demolida, que não lhes passei.

Pela posição da sepultura do Julião, estava bem para a frente, quase encostada à parede direita de quem olharia a capela; isso indicaria que não haveria exumações e também sepultamentos por muito tempo e talvez 26 anos depois, quando então a prática foi proibida - embora burlada em muitos locais como se comprova pelas lápides existentes.

Foi proibido na capital do Império - por lei promulgada em 1851 - o sepultamento dentro das igrejas, como era o costume desde o início da colônia. Essa proibição acabou sendo usada por todos os sanitaristas no Brasil, inclusive em Santos. Recordo que essa ordem se aplicava apenas à cidade do Rio de Janeiro, conforme a li, justamente criando o cemitério público de São João Batista, seguido do cemitério público do Caju - pois já existiam, anteriores a todos eles. o cemitério dos Anglicanos ou Ingleses, desde 1811, e o cemitério de São Francisco de Paula, criado pela ordem dos frades Mínimos em 1850 (há outra referência, de 1849) -, mas com certo limite para enterramentos e que deveriam ser bem pagos.

Em 1862, conforme data que pode ser vista no gradil (era o costume haver uma data trabalhada no ferro quando se construía ou concluía algo, sendo muitos os exemplos), exatamente nessa data ou um pouco antes, foi construído nos fundos um portal que mais parece em estilo mexicano, e que pelas fotos antigas percebemos ser a entrada de um cemitério do Convento e seus agregados. Esse grande portão talvez fosse uma forma de se equiparar ao portão do recém-construído cemitério do Paquetá em 1854 (ou, pela data, justamente o ano de fundação e ocupação do local como campo santo, evitando as inumações dentro da igreja. Perceberemos que na Ordem Primeira os sepultamentos continuaram, comprovando-se isso pelas lápides ali remanescentes, com o desaparecimento desse campo santo, pois os Terceiros foram os primeiros a ocupar uma quadra no cemitério público - afirmando o saudoso provedor Manuel Lourenço das Neves, em 1988, possuírem ainda a escritura de uso do terreno público.

Outra associação religiosa que se mudou para o Paquetá foi a Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte, que conseguiu uma pequena quadra do lado direito antes da capela, bem no corredor central, e na década de 1940 adquiriu parte do terreno da Irmandade do Senhor dos Passos que fica para os fundos do cemitério no lado esquerdo, terminando assim as inumações que primeiro foram na Igreja dos Jesuítas no século XVI, depois na 2ª Igreja da Misericórdia no século XVII na Igreja da Ordem 1ª do Carmo no século XVIII e finalmente no Paquetá, do século XIX até hoje.

No convento santista, confrontando as datas e os registros de sepultamentos que existem nos livros guardados na Fundação Arquivo e Memória de Santos, podemos ver claramente que - referindo-se ao cemitério do Paquetá - dizem simplesmente: "quadra da ordem tal no cemitério público" ou referindo-se a sepultamentos nas igrejas e suas dependências, dizem: "jazigo do Carmo ou jazigo do Santíssimo Sacramento" etc. Da mesma forma, referindo-se à velha Matriz, cessam as referências, com a proximidade da demolição e ocupação definitiva na sua quadra ainda existente no cemitério do Paquetá, pois a irmandade foi extinta recentemente por um padre estrangeiro da Catedral.

Assim - comprovando que desobedeceram essa ordem ou ela não foi totalmente imposta, temos dentro do convento do Carmo quatro lápides visíveis. À sua ordem, com a pesquisa que fiz nos arquivos públicos, consegui achar a informação das mesmas, localizadas duas ao lado direito da porta da sacristia e outras duas ao lado esquerdo da porta de acesso ao claustro:

01 - Aqui jaz Joaquim Teixeira de Carvalho nasceu a 16 de janeiro de 1840 falleceu a 16 de setembro de 1880 – Tributo De amor fraternal.

Registro - Não consta no livro de registros.

02 - Lilina filha de João da Sª Olivr Pinto, dezembro 23 de 1880.

Registro - 1880 dezembro 23/ Nº sepultamento 445/Dª Izolina Augusta de Oliveira/ ½ /Hemorragia pulmonar/21 anos/solteira /Brasileira/jazigo 15 sepultura 23 (nome e sobrenome do apelido próximo do que está gravado na sepultura).

03 - Aqui jaz João do Prado Carvalho nasceu a 24 de maio de 1851 e falleceu a 8 de maio de 1887 – Tributo de amôr fraternal.

Registro - 1887 maio 08 /Nº sepultamento 245/ João do Prado Carvalho/emoliente ½./Febre renitinta typhoidêa /37 anos/solteiro/ brasileiro /jazigo 07 sepultura 46

04 - Restos mortaes de Eliza Ferreira Requião falleceu a 7 de julho de 1893 amor conjugal.

Registro - 1893 julho 08/Eliza Ferreira Requião /31 anos/ casada/ Brasil/ ilegível/Rua da Constituição Nº 167/Syncope cardíaca/ c. de obº (certidão de óbito)/jazigo 15 sepultura 20 [16].

Recorde-se que essas lápides são os últimos remanescentes visíveis dos sepultamentos, sendo que seus lóculos funerários e até os restos mortais ainda podem repousar sob esse antigo piso. Com um estudo detalhado se pode constatar ou não a sua existência.

Não aparece nenhuma menção sobre exumação ou traslado para o claustro do Carmo nos livros públicos; se houver algum registro, estará nos livros de óbito ou nas atas das irmandades que um dia administraram essas campas nas igrejas. Constando em uma inscrição "restos mortais", o que recorda uma exumação, assim analisando os livros de obituário do Paquetá, percebi que em momento nenhum são citadas as pessoas acima como enterradas no interior das igrejas, mas apenas é relatado seu falecimento e inumação, burlando as leis com papéis escritos para inglês ver.

Remanescentes de outra época, essas quatro sepulturas, que foram poupadas das reformas, demonstram bem que os ocupantes do prédio secular do Convento ainda suportaram por mais tempo o cheiro pútrido de decomposição humana, fazendo parte do que se chamava na época de miasmas, exalados pelas sepulturas, ao qual já estariam acostumados por séculos de enterramentos na igreja.

O piso do claustro, onde estão as sepulturas, é revestido por ladrilhos hidráulicos com sua camada vitrificada e sem adornos. São muito simples, assemelhados aos que foram usados na cobertura das paredes das estações elevatórias de esgoto, segundo o plano de saneamento feito pelo sanitarista Saturnino de Brito, ainda existentes algumas na cidade de Santos. Pelas características, são muito antigos, podendo ser anteriores à reforma de 1925, pois já eram usados na metade do século XX.

Nas fotos de Marc Ferrez de 1880 e 1902 podemos observar o cemitério que havia atrás da igreja dos Terceiros e Primeiros carmelitas, com o seu majestoso portão datado de 1862 na grade, mas que ainda recebiam sepulturas devido à necessidade de lugar principalmente durante as pestilências ou por falta de cemitérios públicos.

A Campanha Sanitária de Santos, escrita pelo médico sanitarista Guilherme Álvaro, nos deixou estatísticas da população santista e do alto índice de óbitos, o que justificaria o uso das sepulturas em algumas igrejas - costume que já estava em desuso devido às medidas sanitárias, mas havia a necessidade de lugares para inumações (pois, pior que o túmulo no claustro, no fundo ou dentro da igreja, é a contaminação causada pela decomposição humana).

Assim, podemos perceber que em 1892 falecerem 1.742 pessoas de febre amarela e 823 de varíola, sendo nesse ano inaugurado o cemitério da Filosofia ou Saboó por estar nesse bairro, mas o espaço não era suficiente para o número de óbitos, visto que esses corpos precisavam de no mínimo 4 anos para desaparecer, fora os túmulos de famílias onde não se podia enterrar ninguém - mesmo que o espaço estivesse ocioso -, como foi o caso do túmulo do comendador Neto, falecido em 1868 no Paquetá, onde não se pode sepultar ninguém.

Como se pode observar, desde o final do século XIX os espaços para inumações eram insuficientes: em 1899 foram 1.362 óbitos por várias causas, em 1900 foram 1.369 óbitos, em 1901 foram 1.312, em 1902 foram 1.371 óbitos; 1903, 1.490 óbitos; 1904, 1.507 óbitos; 1905, 1.391 óbitos; 1906, 1.404 óbitos; 1907, 1.609 óbitos; 1908, 1.636 óbitos; 1909, 1.544 óbitos. Em 1910, foram 1.469 óbitos de diversas enfermidades contagiosas que até este momento (2018) foram erradicadas. Assim, vemos que o túmulo de 1893 teria justificativa para ser usado no claustro do Carmo, assim como o cemitério nos fundos das duas igrejas:

01 - Ordem Terceira do Carmo, com sua nave e presbitério reservada aos membros da irmandade ou benfeitores.

02 - Ordem Primeira do Carmo, com o presbitério do convento reservado aos frades, diante de cada altar e proximidades reservado a suas irmandades.

03 - Os enterramentos ou inumações entre as duas igrejas, conforme se comprovou durante a instalação de um encanamento, mencionada mais acima.

04 - No claustro do convento, comprovado pelas quatro lápides e onde pudesse se colocar um defunto, frequentemente chamados de “recheio de igreja”. Diziam os frequentadores da igreja nos anos 1970 que teria frei Mário Bastos junto com frei Rafael mandado retirar os despojos, mas isso eu nunca perguntei ao bom frade.

05 – Na frente da igreja conventual, comprovado pelos achados de 2009.

Com a proibição de 1851, os enterramentos dentro das igrejas ou suas dependências foram sendo aos poucos evitados. Assim, segundo dizia o provedor da Ordem Terceira, Manuel Lourenço das Neves, foram trasladados todos os restos mortais para o Paquetá. Fica entretanto a dúvida se isso de fato aconteceu, pois - repito - ao passar um encanamento para levar as águas de intempéries do passadiço que se inicia no Beco do Itororó entre as duas igrejas para os lados da Praça Barão do Rio Branco, foram encontradas ossadas humanas que o prior frei Mario Bastos, no final dos anos 70 do século XX, mandou para o cemitério público.

Ainda existe uma cruz ou cruzeiro de pedra nos fundos da Ordem Terceira do Carmo - que, segundo se dizia, era a mesma do cemitério e que dera inclusive apelido ao lugar como Rua da Cruz por um tempo que caiu no esquecimento. Quem visita o pátio pode ver uma placa com uma breve descrição do local.

ESTALAS DE ITU

Essas estalas ou cadeiral ocuparam por muitos anos o claustro principal do convento, ficando uma leva fixada na parede contigua à nave e presbitério e outra mais adiante. As pessoas se sentavam nelas, esperando ser atendidas pelos frades em diversos assuntos ou confissões, pelo horário da missa, principalmente em dias de muito calor e contemplado o jardim do claustro, às vezes florido, onde estava o pé de carambola e o dendezeiro cultivados por frei Rafael M. Marinho, sendo esta última árvore daquela época cortada em 2018.

A procedência de parte dessa mobília, segundo o bom frade, era de Itu, assim como duas imagens que estão na sacristia, de Santa Tereza de Ávila e São João da Cruz ambos de mãos postas; devido à coloração, nunca soube se eram de madeira, barro ou gesso, mas chegou um dia que o convento pediu as mesmas estalas de volta para recompor o presbitério da sua igreja na cidade ituana e foi retirado com cuidado e levado para lá, onde pode ser visto ainda hoje. Na década de 1980 houve uma restauração do convento de Itu, que deve ter a data exata de quando o confortável cadeiral retornou ao local primitivo.


O Complexo do Carmo, em foto feita em 1902 por José Marques Pereira

Foto publicada na edição especial da Revista da Semana/Jornal do Brasil de janeiro de 1902, e na edição 4 da revista Santos Illustrado, de 26 de janeiro de 1903 (acervo: historiador Waldir Rueda)

PINHEIRO NOS FUNDOS DO CARMO

Alguém plantara um pinheiro do tipo araucária do lado da igreja da Ordem Primeira, bem ao fundo, onde mais tarde estaria a capela do Senhor dos Passos. A árvore cresceu como deveria e cercada da famosa superstição de que quando esse vegetal passa o teto da casa o dono dela morre. Nesse caso, isso se aplicaria ao prior frei Mário Bastos. Essas crendices eram repetidas por pessoas que nelas acreditavam, mas devido ao tempo que leva esse crescimento é claro que alguém sempre morre - o que sustenta, aos menos desavisados, essa afirmação mortal.

Muitos ainda podem se recordar ou achar fotos e desenhos feitos em quadros por artistas, onde se aprecia o pinheiro junto com a igreja. O então novo prior, frei Rafael, preocupado com as ventanias, levou o caso aos bombeiros, que não poderiam remover a árvore pela mesma não oferecer risco e estar saudável. Finamente, depois de um dia de muita ventania, o frade acabou pagando para um jovem - que era parente dos caseiros que moravam na igreja do lado - cortar a árvore e assim foi feito. Podíamos ver sua madeira com o forte odor da resina dos pinheiros, que ficou por uns dias na passagem entre as duas igrejas, até que foi toda ela retirada dali.

PANTEÃO DOS ANDRADAS

José Bonifácio de Andrada e Silva faleceu em 5 de abril de 1838, aos 74 anos de idade, em Niterói, tendo sido trasladado seu corpo para a Igreja do Carmo do Rio de Janeiro, onde ficou depositado até o dia 25 desse mês, quando foi transferido para Santos e enterrado na capela mor do convento.

Mas sua campa era simples, até que em 7 de setembro de 1869 o artista equestre Antonio Carlos do Carmo mandou fazer uma lápide por seu próprio dinheiro, onde se lê: “Aqui jaz o Patriarca da Independência do Brasil, grande e desinteressado patriota, distinto cidadão, José Bonifácio de Andrada e Silva. Tributo à virtude, honra ao mérito pelo artista A. C. do Carmo. Santos, 07 de setembro de 1869, 74 anos".

Ainda durante o império em 1888 decidiu-se construir um monumento e seu corpo foi exumado em 7 de dezembro de 1889, sendo que o local está justamente relacionado ao seu pedido no testamento onde pedia para ali ser inumado.

Logo que seus despojos foram trasladados para o monumento, o panteão foi inaugurado, em 7 de dezembro de 1923.

Nosso ilustre santista e Patriarca da Independência, dessa forma, está ligado ao Convento do Carmo de Santos, tanto por ter conhecido a igreja no século XVIII como por estar atualmente em seu antigo terreno.

Existem muitas informações desencontradas quanto a esse panteão, onde datas não conferem ou as pessoas acabam passando informações erradas. O livro Os Andradas tem toda a descrição de seu passamento e traslado para nossa cidade, da lápide antiga, que muito é assemelhada às remanescentes do claustro do convento, nada se sabe até o momento.

DEDICAÇÃO DA IGREJA DA ORDEM PRIMEIRA

Foi consagrada a igreja e no local onde foi aplicado o óleo pelo bispo foi colocada uma placa circular que recorda a cruz de Pádua usada nos medalhões da Liga de Santo António, mas a sua origem é muito antiga, de antes do Cristianismo: ela significava, com seus quatro braços, os pontos cardeais na terra onde havia o domínio real, aparecendo em medalhões como sinal do poder dado ao Grão-Vizir na antiga Babilônia (atual Iraque).

São ao todo doze, havendo o desfalque de uma que fora furtada da porta principal por ser segura por um prego ou pino e a massa estaria fraca, sendo a mesma arrancada do batente. Para solucionar o problema, frei Rafael pegou uma placa interna que estava entre os altares de São José e de Nossa Senhora da Boa Morte, do lado direito da entrada, e a colocou ali no batente da porta - esse é o motivo pelo qual falta uma placa de mármore na igreja.

Sua distribuição é a seguinte:

Duas placas ladeando as estalas do lado direito.

Duas placas ladeando as estalas do lado esquerdo.

Duas placas ladeando a porta do claustro do lado direito.

Duas placas ladeando a porta do corredor do lado esquerdo.

Uma placa entre o altar de Nossa Senhora do Monte Serrat e Santa Terezinha de Lisieux.

Uma placa entre o altar de Nossa Senhora da Boa Morte e São José (faltando).

Duas placas, uma de cada lado, em cada batente da porta principal.

Fica a observação de que falta por algum motivo o suporte de um castiçal que sustentaria a vela a ser acesa em dia festivo, o que deixa uma questão: foi uma dedicação do templo ou apenas a benção durante sua reabertura?

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