PARTE I - SANTOS LIBERTÁRIA! (cont.)
O porto
Em 1870, a 31 de agosto, os empresários Francisco Praxedes de Andrade Pertence e o
conde de Estrela ganharam a concessão para concretizar seu projeto de melhoria dos atracadouros da cidade, a tão
ansiada e reivindicada melhoria do porto - cujo volume de navios superara a partir de 1850 o do Rio de Janeiro -, o que, após prorrogações, não se
concretizou.
As pressões da Associação Comercial de Santos pela reforma e ampliação portuária, ela
que tentaria fazê-lo por sua conta em 1885, fizeram com que a Assembléia Provincial de São Paulo aprovasse a lei 13, de fevereiro de 1881, colocando
o governo paulista como gestor da obra, tendo interrompido o processo de concorrência pública que se desenrolava desde 22 de dezembro de 1879.
Em 1882, o imperador dá seu referendo pelo decreto 8.800, de 16/12/1882, estabelecendo
a concessão para as obras em um prazo de quatro anos, sendo obrigatória a competência da iniciativa pelo governo provincial ou pelos meios que lhes
fossem mais convenientes, na tendência privativista que compunha o Aviso número 5 de 879 do presidente da província de São Paulo, João Lins Vieira
Cansação de Sinimbu, ministro dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.
Com forte presença dos trapicheiros e donos de armazéns na Câmara Municipal, setores
locais desprezados, estabelece-se o conflito inicial. Sucessivas prorrogações e a 27 de março de 1886 o governo imperial declara sem efeito a
concessão dada ao governo, mas sem levar em conta o pedido da Associação Comercial.
A cidade tinha dez trapiches em 1880, 14 em três anos, e seis anos depois tinha 23
trapiches ou pontes, incluindo o da São Paulo Railway autorizado ainda ao tempo do barão de Mauá. Nova concorrência aberta em
19 de outubro de 1886 e a 12 de julho de 1888 publica-se o decreto
9.979 autorizando o contrato do governo imperial com José Pinto de Oliveira e outros. Era o prenúncio de que, na verdade, os amigos do
imperador, os empresários cariocas de tecidos Cândido Gaffrée e Eduardo Palassim Guinle, comandariam este que seria o maior empreendimento da cidade
e do país, em sua época o mais lucrativo do mundo.
Em meados do século XIX, o porto de Santos ainda era um atracadouro improvisado.
Servido pela linha férrea da São Paulo Railway, inaugurada em 1869 e responsável pela ligação de um tronco da produção de café do interior com
Santos. Com o crescimento da movimentação, as obras do cais seriam iniciadas apenas em 1888 e os primeiros 260 metros inaugurados em 2 de fevereiro
de 1892.
Em 26 de julho de 1888, quatorze anos depois, a "José Pinto de Oliveira e Outros", que
ganhara a concorrência, se transforma na Gaffrée, Guinle & Cia., já apresentando os investidores e procurando superar pela rapidez a intensa
polêmica nacional travada a respeito da concessão, ainda pelo Império.
O porto já tinha os estivadores, antigos trabalhadores dos navios que foram desligados
e se agruparam nos portos do mundo para operar suas cargas. Mas o cais teria também trabalhadores da Companhia das Docas de Santos, cocheiros,
ensacadores de café, marítimos, ferroviários, consertadores, engenheiros, médicos, contadores, maquinistas, motoreiros, calceteiros, manobreiros,
atracadores, práticos do porto, funcionários de agências e navegação, das casas exportadoras de café. Entre muitos profissionais, havia também
fiscais da Alfândega, da Saúde do Porto, da Fazenda do Estado, policiais.
Em 22 de outubro de 1892, a Gaffrée, Guinle & Cia. se torna a Companhia Docas de
Santos, nome que permaneceu até o fim da concessão em 1980, garantida sempre pelo governo federal, em todos os prazos elásticos e vantagens, como na
demora das retribuições que dava à cidade em face da ampliação de seus direitos - o que não foi pouco. Mas, pelo volume financeiro envolvido, o
porto poderia ter sido mais amplo e menos cruel com a sua mão-de-obra, que viveu a época do escravagismo, com surras de chicote e roubos no
pagamento.
O porto crescia, com guindastes, cábreas, empilhadeiras, tratores ferroviários,
locomotivas, vagões, carroças, caminhões, dalas, sugadores de trigo, rebocadores, dragas, batelões, ferry-boats, barcas d'água e de
abastecimento de combustível, lanchas portuárias, entre vários outros equipamentos.
A imprensa da Abolição
- 1882/1888
De 1881 a 1885, seria a fase de ouro do abolicionismo santista, a fase do Jabaquara, a
Vila da Redenção. Surgiram diversos órgãos efêmeros, mas de intensa atividade, levados pela mocidade abolicionista e republicana, como A Notícia,
de Arthur Bastos e Adauto Lima, O Guarani, O Periquito e O Papagaio (1882/1883).
Em 1882 surge A Evolução, o primeiro, de Francisco Martins dos Santos; em 1883,
o Idéia Nova, de Constantino Mesquita, e em 1884 o Jornal da Tarde, de Antonio Manoel Fernandes, ambos abolicionistas. No mesmo ano
chega O Alvor, de Guilherme de Melo, engajado na causa; em 1885, O Piratiny, de Guilherme de Melo e Augusto Bastos. O segundo Idéia
Nova surge em 1886, com Alberto Souza, assim como o segundo A Evolução, de Silvério Fontes e Vicente de Carvalho, ano em que a Sociedade
Emancipadora 27 de Fevereiro edita o órgão do mesmo nome.
Em 1887 chegam A Vila da Redenção, de Alberto Souza e João Emmerich,
homenageando o Quilombo do Jabaquara; A Procelária, de Júlio Ribeiro; e A Redenção, de Antonio Bento. O Luiz Gama, publicado
pelo Clube Luiz Gama, chega em 1888, que é o ano da edição de A Flora, de Alberto Morais, A Luz, do padre Francisco Gonçalves e do
Cidade de Santos, de Narciso de Andrade e Martim Francisco Ribeiro de Andrada, conforme remonta o livro História da
Imprensa Santista, de Olao Rodrigues.
Todos os escravos que fugiam do açoite nas fazendas do interior chegavam ao Jabaquara,
em um tempo de conflitos dos "subversivos" abolicionistas com a polícia. A essa época falava-se de uma "Revolução Social" levada adiante pelos
abolicionistas, que atentavam "contra os costumes e as leis da nação brasileira", escreve o livro A Beneficência.
A Beneficência Portuguesa abrigou muitas das vítimas desta batalha, escravos fugidos,
sem pagamento algum, embora seus diretores tenham se recusado a assinar a adesão à Sociedade 27 de Fevereiro. Santos tinha nessa luta Vicente de
Carvalho, Alberto Souza, Gastão Bousquet, Silva Jardim, Silvério Fontes, Júlio Ribeiro, Constantino Mesquita, Felix Carneiro, Isidoro Campos (que
depois seria um delegado de polícia cruel com os trabalhadores, denunciado pelos anarquistas em seus jornais), Martim Francisco, João Guerra,
Leopoldo de Freitas, Joaquim Montenegro e Carlos Escobar.
A Abolição era uma luta que trazia adesões até da Guarda Nacional, que se recusava a
caçar escravos. Em face destas fugas e pressões, chega a Lei Saraiva, decreto 3.270, de 28 de setembro de 1885, livrando os escravos com mais de 60
anos. A comemoração do dia 14 de março, no Teatro Guarani, reuniu duas mil pessoas, sendo fundada a Sociedade Emancipadora 27 de Fevereiro.
Vicente de Carvalho, poesia e
Abolição
Abolicionista atuante, Vicente de Carvalho (nome
de distrito de Guarujá, de avenida e monumento na praia de Santos) era o Poeta do
Mar. Atuava não apenas na poesia, mas, decisivamente, na defesa dos interesses populares.
Por exemplo, na Abolição, na República e na questão das praias de Santos, que os
proprietários de chácaras na orla estavam querendo só para si. Foi ele que, em carta ao presidente da República, Epitácio Pessoa, em 1922, garantiu
para todos o espaço de areia que queriam reservar. Que, comum e igualitário, iria contribuir para a evolução da sociedade, dissipando privilégios.
Advogado, jornalista, poeta, abolicionista, republicano, teatrólogo, educador,
deputado, juiz criminal, ministro, agricultor, secretário de Estado, Vicente nasceu em Santos, a 5 de abril de 1866, e foi homenageado com um
monumento de Caetano Fracarolli nos jardins da praia do Boqueirão, em 1946 - em que olhava o mar que tanto amou.
Depois, com a urbanização do local em 1957, deslocaram a estátua de bronze para um
ponto mais próximo ao canal 3, só que de costas para o mar. Uma atitude impensada e que este autor pediu correção,
solicitando ao Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Histórico sua devolução ao local e posição originais.
Com a idade de 11/12 anos, em 1877 a 1878, Vicente esteve empregado em uma casa
comercial. Deixou seu primeiro emprego logo depois, para matricular-se no curso preparatório em São Paulo. Em 1882, obteve dispensa de idade,
matriculando-se no curso de Direito na Faculdade de São Paulo, com 16 anos de idade. E obtendo, a 8 de novembro de 1886, com 20 anos, o grau de
bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.
Durante sua vida acadêmica, foi redator dos jornais Idéia e República,
onde só escreveu versos, iniciando a prosa no seu terceiro ano de curso, numa polêmica com o poeta Dias da Rocha. Em 1885, publicou o seu primeiro
livro de versos, Ardentias, e, em 1888, O Relicário, também de poemas.
Depois de formado, voltou a Santos, onde passou a integrar o movimento abolicionista,
subscrevendo artigos e folhetins de propaganda. E começou a escrever em dois pequenos jornais da mocidade, O Patriota e Idéia Nova.
Escrevia em todos os números, em prosa e em verso. No jornal Piratiny escreveu o seu primeiro artigo de crítica política, sob o título Um
Trânsfuga, contra o dr. Rodolfo Fabrino.
Em maio de 1889 redigiu o Diário de Santos e, em 1890, fundou o Diário da
Manhã. Em 1902 publicava o seu poema Rosa, Rosa com Amor. Em 1908, Poemas e Canções. Vicente de Carvalho foi diretor do Partido
Republicano Municipal, em mais de uma oportunidade, sendo a primeira em 1885, com 19 anos de idade.
Agindo como republicano e abolicionista, atuou junto a Silva Jardim, Rubim César,
Miranda Azevedo e Augusto Fomm, entre outros. Deputado à Constituinte Paulista de 1891, foi nomeado para a comissão de redação da Constituição do
Estado. Assim, foi um dos oito deputados que renunciaram, após a aprovação da proposta de apoio ao golpe de estado do marechal Deodoro.
Tomou parte ativa no movimento para deposição do presidente do Estado, Américo
Brasiliense, que havia sido nomeado pelo presidente Deodoro da Fonseca, que tentara o golpe e fora deposto. Depois de assumido o governo estadual
pelo dr. José Alves de Cerqueira César, foi Vicente de Carvalho nomeado para a pasta do Interior - quando conseguiu finalmente a verba para os
canais de Santos, que redimiram a cidade das epidemias.
Abandonando a vida pública em virtude de divergências no governo, em 1895 publicou no
jornal O Estado de São Paulo uma Carta Aberta, na qual, sob a influência das doutrinas positivistas, declarou também abandonar o
jornalismo. Tornou-se, então, agricultor e advogado, mantendo uma fazenda de café em Franca e uma banca jurídica em Santos.
Um ano após comprar a fazenda em Franca, começou a crise do café, que se agravou em
1889. Vicente de Carvalho tomou a frente da reação agrícola-econômica de São Paulo, concluindo um plano de aquisição, pelo governo, das sobras do
café e respectiva queima, terminando com uma representação ao Congresso do Estado, de 11 de maio de 1901, subscrita por mais de duzentos
agricultores.
Naquele mesmo ano, publicou Solução da Crise do Café, que, anos depois, seria
adotada como solução do problema (1929). Em 1908, por motivo de moléstia, Vicente de Carvalho transfere a sua banca de advocacia para São Paulo.
Depois de alguns meses e coincidindo sua transferência com a criação das Varas Criminais da capital, foi nomeado juiz criminal da 3ª Vara Cível,
chegando a desempenhar, em certa ocasião, as três varas. Depois de algum tempo foi nomeado ministro do Tribunal de Justiça.
Vicente de Carvalho foi um dos fundadores do Liceu Feminino Santista. Era membro da
Academia Brasileira de Letras e da Academia Paulista de Letras. Em 1909, publicou Verso e Prosa, e, em 1918, Luisinha, comédia em dois
atos.
Em 22 de agosto de 1921, Vicente de Carvalho publica a Carta Aberta ao Presidente
da República, ofertada ao dr. Epitácio Pessoa, presidente da República na época. Dela resultou a salvação das praias santistas, do aforamento
por particulares, tornando-se, assim, patrimônio público. Faleceu em Santos no dia 22 de abril de 1924, deixando grande número de obras editadas e
muitas outras inéditas. Figura cultuada em toda a região, deu seu nome à antiga Itapema. |