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Originalmente publicado pelo autor em 28/1/1992 no caderno
semanal Marinha Mercante do jornal O Estado de São Paulo
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/03/01 22:05:38
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História
do porto
de Santos
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Começam as obras

"As obras que tiverem por objeto promover a navegação dos rios, abrir canais ou construir estradas, pontes, calçadas ou aquedutos, poderão ser desempenhadas por empresários nacionais ou estrangeiros, associados em companhias ou sobre si”. A lei sem número, assinada em 29 de agosto de 1828, dando continuidade ao ato de Abertura dos Portos de 1808, já demonstrava a preocupação da Corte, ainda nos primeiros anos da Independência, com o problema das comunicações terrestres e marítimas no Brasil.

Entretanto, porque o movimento marítimo fosse ainda inexpressivo ou por que o Tesouro não tivesse recursos para as grandes obras que um porto exige, o fato é que até 1869 o governo não havia adotado qualquer providência efetiva, com referência a tais obras.

Início do desmonte do Trapiche Brazil, em 18 de fevereiro de 1899
Em 13 de outubro de 1869, o decreto-lei completava o sentido da legislação de 1828, autorizando o governo imperial “a contratar a construção, nos diferentes portos do país, de docas e armazéns para carga, descarga e conservação das mercadorias de exportação e importação”, tornando possível a construção do porto santista, como relatou o historiador Hélio Lobo.

A lei de 1869 estabelecia, entre outros itens: aprovação dos planos pelo governo; determinação do capital; prazo máximo de 90 anos, findo o qual as obras e o material ficariam pertencendo ao Estado; formação de um fundo de amortização, a contar de dez anos da conclusão dos trabalhos; percepção de taxas para retribuição dos serviços prestados, devendo se reduzir quando os lucros líquidos excedessem 12% sobre o capital da Concessão; faculdade de emissão de warrants (títulos de depósito, que permitem ao exportador obter crédito bancário) sobre mercadorias; resgate pelo Estado, depois do primeiro decênio da conclusão das obras; faculdade de execução do serviço de capatazias e armazenagem, caso o Governo encarregasse disso a empresa contratante; minuciosa fiscalização e arrecadação dos direitos do Estado; desapropriação das propriedades e benfeitorias particulares necessárias às obras; vantagens e favores de que gozavam os armazéns e entrepostos etc.

Pelo decreto 4.584, de 31 de agosto de 1870 – três anos após a inauguração, pelo Barão de Mauá, da ligação ferroviária de Santos com o Planalto -, era concedido à companhia, que o Conde de Estrela e Francisco Praxedes de Andrade Pertence organizassem, a autorização para construir docas e fazer melhoramentos no porto. Diante do insucesso da empreitada, seguiu-se a tentativa do governo da Província de São Paulo, por meio do decreto 8.800, de 16 de dezembro de 1882. O prazo estabelecido no decreto para o início dos trabalhos não foi cumprido, a concessão foi declarada sem efeito e, pelo decreto 9.637, de 27 de março de 1886, o governo imperial chamou de novo a si a construção do cais de Santos.

Desembarque de mercadorias direto para vagões, no cais da SP RailwayEm 19 de outubro de 1886, o Ministério de Viação e Obras Públicas publicou edital reabrindo a concorrência para as obras, de acordo com o projeto da comissão chefiada pelo engenheiro Milnor Roberts, com as alterações introduzidas depois pelo engenheiro Domingos Sérgio de Sabóia e Silva.

Das seis propostas apresentadas, venceu a de um grupo de brasileiros: Cândido Gaffrée, Eduardo Palassin Guinle, José Pinto de Oliveira, Alfredo Camillo Valdetaro, Benedicto Antonio da Silva e Francisco Ribeiro, Barros & Braga.

Através do decreto 9.979, de 12 de julho de 1888, foi celebrado o contrato (assinado oito dias depois), pelo prazo de 39 anos (prorrogado para 90 anos em 7 de novembro de 1890). O documento foi assinado pela Princesa Isabel e referendado pelo ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o paulista Antonio da Silva Prado.

Segundo o contrato, o grupo vencedor da concorrência ficava obrigado a, no prazo de seis meses a contar da assinatura do acordo, iniciar as obras do porto, principalmente com a construção de um pequeno trecho de cais e aterro, desde a Rua Brás Cubas até o extremo de uma velha ponte da São Paulo Railway, no bairro do Valongo.

Sobre o tema, comentava, seis dias depois da assinatura do contrato, o jornal A Província de São Paulo (atual O Estado de São Paulo): “Depois de longos anos gastos em firmar-se a competência do Estado e da Província, foi afinal resolvida a questão do cais de Santos. Agora começa o período das obras e da fiscalização. Há quem sustente que o plano adotado não pode ser levado a efeito com duração e solidez, e que talvez em meio da construção seja tudo perdido, tendo-se necessidade de voltar atrás e recomeçar a obra. Um profissional demonstrou nesta folha que o plano aceito terá de ser alterado, devendo custar mais cara a sua execução, ou não oferecerá garantia e solidez”.

É válido registrar que todos os contratantes eram brasileiros, utilizando capitais exclusivamente privados e nacionais, bem como técnicas e chefe dos serviços igualmente brasileiros. Usando como base técnica o relatório de Sabóia e Silva, e sob o comando do engenheiro Guilherme Benjamin Weinschenk, a obra foi iniciada então, utilizando-se apenas alguns materiais e equipamentos estrangeiros, por não serem fabricados no Brasil.

Weinschenk, em 1901, junto ao 1º bloco de granito da ampliação do cais
Quando Gaffrée e Guinle planejaram a construção, organizaram (em 23 de julho de 1888) a firma Gaffrée, Guinle & Cia., com capital inicial de 3.851 contos de réis. Nessa época, a sociedade sofreu alteração, com a substituição de Ribeiro, Barros & Braga, entrando Francisco Justiniano de Castro Rabello e Hypolito Veloso Pederneiras.

Com a necessidade de novos investimentos, o capital social foi em 1890 elevado para cerca de 15.000 contos de réis, e novamente a sociedade sofreu alterações por falecimento ou retirada de alguns sócios.

Mesmo sendo aquela uma quantia bastante elevada para a época, acabou sendo necessário transformar (em 16 de outubro de 1892) a sociedade solidária Gaffrée, Guinle & Cia. na Sociedade Anônima Companhia Docas de Santos, sem solução de continuidade administrativa, e dirigida unicamente por Gaffrée e Guinle.

Apesar da febre amarela que grassava na região, da falta de mão-de-obra especializada, da necessidade de importação de equipamentos, e de ter de dragara quase cinco vezes mais do que o previsto, a empresa entregou ao tráfego o primeiro trecho de cais, de 260 metros, em 2 de fevereiro de 1892, com a atracação do navio inglês Nasmyth, de Liverpool (da firma Lamport & Holt).

Nasmyth, primeiro navio a atracar no porto organizado de Santos.
O fato foi registrado no dia 4 de fevereiro de 1892 pelo jornal O Estado de São Paulo, com esta pequena notícia: “O Sr. vice-presidente deste Estado recebeu ontem, de Santos, dos srs. Gaffrée, Guinle e Companhia, o seguinte telegrama: ‘Com satisfação comunicamos a Vossa Excelência que foi entregue ao tráfego o primeiro trecho do cais de Santos”.

No dia seguinte, esse jornal descrevia: “O trecho do cais entregue ao tráfego tem 260 metros de comprimento e fica entre a rua nova aberta junto ao Arsenal de Marinha e a Alfândega. Passada a quadra epidêmica, a Empresa Melhoramentos do Porto de Santos conta que poderá entregar todos os meses um novo pedaço para o serviço. A inspetoria da Alfândega foi autorizada de acordo com as cláusulas 8ª e 9ª do contrato celebrado com a empresa, a servir-se da parte do mesmo cais já concluída”.

Com essa inauguração, Santos foi o primeiro porto a atender à convocação imperial de 29/8/1828, e tornou-se o primeiro porto organizado do país dentro do que também preconizou o decreto 1.746, de 1869.