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Originalmente publicado pelo autor em 28/1/1992 no caderno
semanal Marinha Mercante do jornal O Estado de São Paulo
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/03/01 22:05:14
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História
do porto
de Santos
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Dois decretos modernos... 
do século XIX!

Enquanto hoje o país discute a privatização do sistema portuário, abertura ao capital estrangeiro e questões afins, surpreende os desavisados a moderna mentalidade que norteou a edição do decreto 1.746, de 13 de outubro de 1869, e do decreto 9.979, de 12 de julho de 1888, a seguir reproduzidos na íntegra. Aliás, segundo um ex-administrador do porto santista, Sérgio da Costa Matte, mais de 120 anos depois desses textos o país continua relutando em aplicar tais princípios na solução dos problemas atuais.

Decreto N.º 1.746 – Autoriza o Governo a contratar a construção, nos diferentes portos do Império, de docas e armazéns para carga, descarga, e guarda e conservação das mercadorias de importação e exportação.

Hei por bem Sancionar e Mandar que se execute a seguinte Resolução da Assembléia Geral:

Art. 1º - Fica o Governo autorizado para contratar a construção, nos diferentes portos do Império, de docas e armazéns para carga, descarga, guarda e conservação das mercadorias de importação e exportação, sob as seguintes bases:

    §1º - Os empresários deverão sujeitar à aprovação do Governo Imperial as plantas e os projetos das obras que pretenderem executar.

    §2º - Fixarão o capital da empresa, e não poderão aumentá-lo ou diminuí-lo sem autorização do Governo.

    §3º - O prazo da concessão será fixado conforme as dificuldades da empresa, não podendo ser, em caso nenhum, maior de 90 anos. Findo o prazo, ficarão pertencendo ao Governo todas as obras e o material fixo e rodante da empresa.

    §4º - A empresa deverá formar um fundo de amortização por meio de cotas deduzidas de seus lucros líquidos, e calculadas de modo a reproduzir o capital no fim do prazo da concessão.

    A formação desse fundo de amortização principiará, o mais tardar, 10 anos depois de concluídas as obras.

    §5º - Os empresários poderão perceber, pelos serviços prestados em seus estabelecimentos, taxas reguladas por uma tarifa proposta pelos empresários e aprovada pelo Governo Imperial.

    Será revista esta tarifa pelo Governo Imperial de cinco em cinco anos; mas, a redução geral das taxas só poderá ter lugar quando os lucros líquidos da empresa excederem a 12%.

    §6º - Poderá o Governo conceder às companhias de docas a faculdade de emitir títulos de garantias das mercadorias depositadas nos respectivos armazéns, conhecidos pelo nome de warrants. Em regulamento especial deverá estabelecer as regras para a emissão destes títulos e seu uso no Império.

    §7º - O Governo poderá encarregar às companhias de docas o serviço de capatazias e de armazenagem das alfândegas.

    Expedirá, neste caso, regulamentos e instruções para estabelecer as relações ca companhia com os empregados encarregados da percepção dos direitos das alfândegas.

    §8º - Em cada contrato estipulará o Governo as condições que julgar necessárias para assegurar a mais minuciosa e exata fiscalização e arrecadação dos direitos do Estado.

    §9º - Ao Governo fica reservado o direito de resgatar as propriedades da companhia, em qualquer tempo, depois dos 10 primeiros anos da sua conclusão.

    O preço do resgate será fixado de modo que, reduzido a apólices da dívida pública, produza uma renda equivalente a 8% de todo o capital efetivamente empregado na empresa.

    §10º - Os empresários poderão desapropriar, na forma do Decreto n.º  1.644, de 27 de outubro de 1855, as propriedades e as benfeitorias pertencentes a particulares, que se acharem em terrenos necessários à construção das suas obras.

    §11º - O Governo fará inspecionar a execução e o custeio das obras, para assegurar o exato cumprimento dos contratos que houver estabelecido.

    §12º - Os armazéns das docas construídas pelos empresários gozarão de todas as vantagens e favores concedidos por lei aos armazéns alfandegados e entrepostos.

    §13º - As empresas estrangeiras serão obrigadas a ter representantes, nas localidades em que tiverem seus estabelecimentos, para tratarem diretamente com o Governo Imperial. As questões que se suscitarem entre o Governo e os empresários, a respeito dos seus direitos e obrigações, poderão ser decididas no Brasil por árbitros, dos quais um será de nomeação do Governo, o outro do empresário e o terceiro por acordo de ambas as partes ou sorteado.

Art. 2º - Ficam revogadas as disposições em contrário.

Joaquim Antão Fernandes Leão, do Meu Conselho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, assim o tenha entendido e faça executar.

Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de outubro de 1869; 48º da Independência e do Império. Com a rubrica de Sua Majestade o Imperador.

(a) Joaquim Antão Fernandes Leão.


Decreto da concessão (N.º 9.979) – Autoriza o contrato com José Pinto de Oliveira e outros para as obras de melhoramento do porto de Santos.

A Princesa Imperial Regente, em Nome do Imperador, Tendo em vista a proposta apresentada em concorrência pública por José Pinto de Oliveira, C. Gaffrée, Eduardo P. Guinle, João Gomes Ribeiro de Avelar, Dr. Alfredo Camillo Valdetaro, Benedicto Antônio da Silva e Ribeiro, Barros & Braga em virtude do edital da Diretoria das Obras Públicas da respectiva Secretaria de Estado datado de 19 de outubro de 1886, Há por bem conceder aos referidos proponentes autorização para construir as obras de melhoramento do Porto de Santos, a que se refere o mesmo edital, observadas as cláusulas que com este baixam, assinadas por Antônio da Silva Prado, do Conselho de Sua Majestade o Imperador, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que assim a tenha entendido e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro, em 12 de julho de 1888; 67º da Independência e do Império. (a) Princesa Imperial Regente. (a) Antônio da Silva Prado.

Cláusula a que se refere o decreto n.º 9.979, de 12 de julho de 1888:

I – As obras de melhoramento do Porto de Santos que constituem o objeto da concessão feita pelo presente Decreto a José Pinto de Oliveira, Cândido Gaffrée, Eduardo Palassin Guinle, João Gomes Ribeiro de Avellar, Dr. Alfredo Camilo Valdetaro, Benedicto Antônio da Silva e Ribeiro, Barros & Braga; são as que constam do plano e relatórios confeccionados pelo Engenheiro Domingos Sérgio Sabóia e Silva, compreendendo um cais e aterro entre o extremo da ponte velha da Estrada de Ferro e a Rua Brás Cubas, o estabelecimento de uma via férrea dupla de um metro e sessenta centímetros (1m60) de bitola para o serviço dos guindastes e vagões de carga, e a construção dos armazéns precisos para a guarda de mercadorias.

As referidas obras serão executadas de acordo com os estudos aludidos apresentados ao Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, em datas de dez de julho e nove de outubro de mil oitocentos e oitenta e seis, e com as seguintes modificações que os concessionários obrigam-se a efetuar, sem que por isso possam alegar dispêndio com a construção superior à importância do orçamento constante dos mesmos estudos, a saber: três mil oitocentos e cinqüenta e um contos e quinhentos e cinco mil quinhentos e setenta réis (3.851:505$570):

1ª - Ao longo do cais será reservada uma faixa de 20 metros de largura para depósito de mercadorias durante as operações de carga e descarga;

2ª - Serão construídos telheiros ou galpões para abrigo provisório das mercadorias durante aquelas operações;

3ª - Em vez de guindastes a vapor indicados no projeto, serão estabelecidos aparelhos hidráulicos do sistema Armstrong.

    §1º - O sistema de fundações adotado poderá ser substituído, sem aumento do custo das obras, por outro que ofereça iguais garantias de estabilidade e duração se o Governo nisso convier, concedendo para esse fim a precisa autorização.

    §2º - Fica entendido que só nos casos previstos na atual tarifa das alfândegas haverá isenção de direitos de importação para o material a empregar na construção e custeio das obras.

II – Os concessionários terão uso e gozo das obras de que trata a cláusula precedente pelo prazo de trinta e nove anos a contar da presente data, com os ônus e vantagens estabelecidos pela Lei n.º 1.746, de mil oitocentos e sessenta e nove, e de acordo com as estipulações e modificações provenientes das presentes cláusulas. (N.E.: o decreto 9.979 teve diversas mudanças, entre elas a do decreto 966, de 7 de novembro de 1890, que ampliou o prazo de exploração do porto para 90 anos a partir dessa data, em razão dos investimentos necessários à expansão do porto).

Findo esses prazo, reverterão para o Estado, sem indenização alguma, as obras, terrenos e benfeitorias, bem como todo o material rodante da empresa.

III – Os concessionários terão igualmente o usufruto dos terrenos desapropriados e dos que forem aterrados, podendo, de acordo com o Governo, arrendar ou vender os que não forem necessários ao serviço da empresa.

O produto do arrendamento será reunido ao das taxas, para os fins da segunda parte do §5º do art. 1º da Lei aludida, de 13 de outubro de mil oitocentos e sessenta e nove; no caso de venda, será o produto da mesma levado à conta de amortização do capital.

IV – O Governo reserva-se o direito de resgatar as obras na forma do artigo primeiro, parágrafo nono, da Lei de treze de outubro de mil oitocentos e sessenta e nove.

Para este resgate, bem como para a redução das taxas de que trata o artigo primeiro, parágrafo quinto, da mesma Lei, será deduzida do custo das obras a importância que houver sido amortizada.

V – Os concessionários terão o direito de cobrar pelos serviços prestados nos seus estabelecimentos, na forma da Lei de treze de outubro de mil oitocentos e sessenta e nove, as seguintes taxas:

    1º - pela carga e descarga de mercadorias e quaisquer gêneros, nos cais que possuírem em virtude da presente concessão, excetuados apenas os objetos de grande volume e pouco peso, um real por quilograma.

    2º - pela carga e descarga nas mesmas condições, de objetos de grande volume e pouco peso, três réis por quilograma.

    3º - por dia e por metro linear de cais ocupado por navios que não sejam movidos por meio de vapor, quinhentos réis.

    4º - por mês ou fração de mês e por quilograma de mercadorias ou qualquer gênero que houver sido efetivamente recolhido aos armazéns dos concessionários, dois réis.

Parágrafo único – São isentos do pagamento de taxas:
    1º - em relação à carga, os volumes que constituem bagagem de passageiros.

    2º - relativamente à atracação, os botes escolares e outras embarcações miúdas de qualquer sistema e os que pertencerem a navios em carga e descarga.

VI – Serão feitos gratuitamente os serviços de transporte de imigrantes do cais para a estrada de ferro e a carga e descarga das respectivas bagagens, bem como as das malas do correio.

VII – Os concessionários terão preferência, em igualdade de condições, para a execução de obras semelhantes que, durante o prazo desta concessão, se tornarem necessárias ao porto de Santos.

VIII – Os concessionários obrigam-se a efetuar os serviços das capatazias, de conformidade com o regulamento e instruções que o Ministério da Fazenda expedir para estabelecer as relações da empresa com os empregados da Alfândega.

IX – O serviço de carga e descarga de mercadorias, uma vez encetado, ficará sujeito à fiscalização do Inspetor da Alfândega, que dará aos concessionários as precisas instruções, de acordo com o Regulamento a que o serviço estiver subordinado.

Os mesmos concessionários ficarão sujeitos, além disso, às obrigações que os Regulamentos impõem aos administradores de Trapiches alfandegados, na parte em que lhes forem aplicáveis, pela guarda, conservação e entrega das mercadorias recebidas nos seus armazéns, as quais serão todas as que o Inspetor da Alfândega designar.

Incumbe-lhes, outrossim, remover com prontidão os volumes que devem ser recolhidos aos armazéns da Alfândega.

X – Não será permitida a atracação de navios na parte do cais fronteiro à Alfândega, senão quando tiverem de descarregar mercadorias destinadas aos respectivos armazéns.

Fica expresso que não haverá dupla cobrança de taxas, devendo cessar pela Alfândega a cobrança das que passarem a pertencer aos concessionários.

XI – Os concessionários entrarão anualmente para os cofres públicos com a quantia necessária para a fiscalização das obras e serviços da empresa, até o máximo de quinze contos de réis (Rs. 15:000$000).

XII – As obras terão começo dentro de seis meses a contar da presente data, e serão concluídas no prazo de três anos, sob pena de multa de dois contos de réis (Rs. 2:000$000), em qualquer dos casos, por mês e demora.

XIII – Pela inobservância das demais cláusulas da presente concessão, poderão ser impostas aos concessionários multas de duzentos mil réis a dois contos de réis (200$000 a 2:000$000), as quais poderão ser reduzidas da caução na importância de vinte contos de réis (20:000$000), prestada em conformidade com a condição décima sexta do Edital da Diretoria de Obras Públicas, de dezenove de outubro de mil oitocentos e oitenta e seis, e que fica retida no Tesouro Nacional para garantia da fiel execução do contrato, devendo ser completada sempre que por qualquer motivo se achar desfalcada.

Palácio do Rio de Janeiro, em 12 de outubro de 1888. 
(a) Antônio da Silva Prado.