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Publicado em 11/7/1982 no jornal A Tribuna de Santos
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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES
A colônia italiana (1)

Beth Capelache de Carvalho (texto). Ademir Henrique e Arquivo de A Tribuna (fotos)

A boa gente italiana

Quando el-rei de Portugal, D. Diniz, resolveu reestruturar a armada de seu país, determinou a plantação de enormes pinhais, para o cultivo de madeira própria para a construção de navios, e também tratou de importar os serviços dos navegadores italianos. Dezenas de florentinos, genoveses e venezianos prestavam serviço à marinha portuguesa à época das grandes navegações, como capitães, pilotos e marinheiros.

Portanto, os primeiros italianos a pisarem o solo brasileiro vieram com as naus portuguesas, havendo também entre eles muitos mercadores, agentes comerciais e nobres emigrados por questões políticas. Com Américo Vespúcio, famoso florentino, vieram para o Brasil exploradores, cronistas e aventureiros italianos, que aqui se instalaram ainda na época da colonização.

Em 1532, Martim Afonso de Souza trouxe, em sua esquadra, os irmãos Giuseppe, Francesco e Paolo Adorno. O primeiro deles se radicou em São Vicente, tornando-se amigo de Anchieta e Nóbrega. Com Brás Cubas, Pascoal Fernandes e outros, Giuseppe Adorno participou da fundação de Santos, e ficou conhecido como "o genovês". Em pouco tempo, com seus canaviais e engenhos de açúcar, ele se transformou num dos homens mais ricos da região.

Em terras de Santos e São Vicente, Giuseppe Adorno levantou alguns dos mais antigos engenhos de açúcar do País, e neles reuniu o maior número de escravos entre as propriedades dos povoados. Segundo Frei Gaspar da Madre de Deus, ele morreu com mais de cem anos, depois de ter participado também da fundação do Rio de Janeiro e da expulsão dos franceses da Baía da Guanabara. Seu irmão Paolo, um dos colaboradores de Mem de Sá, casou-se com uma índia, e Francesco, também dono de engenhos, seguiu para Portugal em 1572.

A chegada da família real portuguesa, em 1808; a abertura dos portos por D. João VI; e, mais tarde, o casamento de D. Pedro II com uma princesa napolitana, Dona Tereza Cristina, incentivaram bastante a vinda de italianos. Em homenagem a ela, o rei de Nápoles e das duas Sicílias permitiu a emigração de seus súditos para o Brasil, e assim vieram algumas famílias de artistas, professores, alfaiates e artífices.

Só mais tarde começaram a chegar os trabalhadores rurais, principalmente para trabalhar nas lavouras de café, sempre com o incentivo do governo. O ano de 1836 é considerado como o começo da grande imigração italiana no Brasil, embora antes disso já fossem registrados muitos casos isolados. E pelo menos duas vezes esse fluxo migratório foi interrompido, devido a denúncias sobre as péssimas condições de trabalho oferecidas aos imigrantes.

Por volta de 1886, muitas famílias italianas já estavam estabilizadas e começavam a crescer, quer como pequenos proprietários, quer como trabalhadores nas indústrias ou agricultores, nas zonas cafeeiras do Vale do Paraíba e nas zonas Noroeste e Mojiana paulistas. Com a abolição da escravatura, para solucionar a onda de desânimo que abatia a cultura do café, os fazendeiros paulistas passaram a incentivar ainda mais a vinda de italianos.

Pode-se, portanto, citar três fatores que pesaram no crescimento da imigração: a extinção gradual da escravatura, a febre do café e a construção continuada de estradas de ferro. Além disso, as condições de vida na Itália, um país pobre, de pequena extensão territorial e alto índice de natalidade, castigado por guerras internas, faziam crescer no povo italiano o sentimento de emigração.

Levas e levas de italianos continuaram chegando ao Brasil até uns vinte anos atrás, quando a imigração praticamente acabou. E nenhuma outra etnia, a não ser a portuguesa, se aculturou e miscigenou tão rapidamente entre nós. Tanto que, hoje, é difícil encontrar os italianos, no meio da multidão. Mesmo os seus principais redutos paulistas - o Brás e a Moóca - estão em vias de perder a sua caracterização. Hoje, em São Paulo, quase todo mundo descende de italianos, mas são poucos os legítimos representantes das levas de imigração.


A chegada dos transatlânticos da Linea C transforma-se em motivo para encontro dos italianos de Santos

A herança dos italianos

Em Santos, os italianos são poucos: calcula-se cerca de quatro ou cinco mil em toda a Baixada. Mas o mesmo não se pode dizer de seus descendentes, que formam parte considerável da população. Como cidade paulista, Santos está cheia de tradições ligadas à imigração italiana, mas todas elas irremediavelmente abrasileiradas.

Um grupo de italianos costuma reunir-se na Societá Italiana, todas as semanas, para uma partida de scopone científico, jugo que deveria transcorrer no maior silêncio, mas que acaba sendo disputado entre risadas e provocações, bem à maneira italiana. É esse grupo bem-humorado, do qual fazem parte o cônsul Paolo Leone e o presidente da Societá Italiana, Cláudio Capurso, que vai lembrando as coisas italianas da Cidade.

Os primeiros bondes a burro, introduzidos por João Éboli; o pioneiro e luxuoso Hotel Internacional, que pertencia à família Martini; o Parque Balneário Hotel, que se tornou internacionalmente famoso graças a João Fracarolli, italiano de Valdiero que viveu 40 anos em Santos; e ainda o Palace Hotel, no terreno onde hoje se encontra o Universo Palace.

O Palace Hotel pertencia a Sebastiano Appi, que foi imediato do transatlântico Conte Grande, da Agência Marítima Italmar, dona dos maiores navios que faziam a linha da Itália. O Conte Grande ficou retido no porto durante a Segunda Guerra, e muitos de seus tripulantes acabaram se radicando em Santos, como Sebastiano.

Havia os terrenos do comendador Augusto Marinângeli, que se espalhavam pela Ponta da Praia, a Rangel Pestana, o Morro do Fontana, o Morro da Nova Cintra e parte da Vila Mathias. E as alfaiatarias famosas dos mestres italianos, entre elas a do comendador Urbano Ferrari, na Rua Senador Feijó.

Mas não eram famosos apenas os alfaiates italianos. Entre os imigrantes, era ponto de honra dos pais que os filhos aprendessem uma profissão - ou um ofício, como se costumava dizer. A família pagava para que os jovens trabalhassem nas oficinas como aprendizes e assim surgiram os marceneiros, os sapateiros, os músicos, os barbeiros, os chapeleiros italianos.

E os pescadores de San Lucido - cidade de onde vieram muitos dos imigrantes que ficaram em Santos -, que trabalhavam no Mercado. Desses, alguns transformaram-se em armadores, como os Franzese, os Molinari, os Câmara, os Grotoni, os Di Tulio (que também ficou conhecido como o chefe do ademarismo em Santos).

Bom tempo aquele, quando todo mundo se reunia na Cantina do Guilherme, para discutir política, ler o Fanfula (jornal em italiano, editado no Brasil, que trazia as notícias da Europa), e ouvir música ao vivo, produzida por violões, bandolins e sanfonas tipicamente italianos. Casa italiana que se prezasse tinha macarronada às quintas e aos domingos, e, depois do almoço do feriado, barulhentas partidas de bríscola, tômbola ou sete e meio.

A bocha, jogo trazido da Itália, estava entre os preferidos dos aposentados, que na Pascuela comiam o fragone, espécie de empadão recheado com ricota, queijo, ovos, salame e outras coisas boas.

Mas, na hora de trabalhar, os italianos também criaram o seu estilo. No setor de café, por exemplo, muitas famílias de imigrantes se distinguiram na Praça de Santos, como os Lunardelli, os Corazza, os Bozzi. Tantas famílias tornaram-se membros importantes da comunidade que seria impossível citar todas. Mas os jogadores de scopone científico continuam lembrando e citam os Aulicino, os Conte, os Romiti, os Bava, os Tomazelli, os Santini. E Washington di Giovanni, representante da colônia na Câmara dos Vereadores.

Crime da mala - Por volta de 1928, toda a colônia surpreendeu-se, como aliás o resto da Cidade, com o desfecho do famoso crime da mala, ocorrido em São Paulo e cujos protagonistas eram dois italianos: Maria Mercedes Féa e Giuseppe Pistone. Maria Féa, que acabou tornando-se uma espécie de santa, venerada por um número enorme de devotos, foi asfixiada pelo marido; seu corpo foi colocado em uma mala e despachado para a França pelo Porto de Santos.

Mas, antes do embarque, o conteúdo da mala foi descoberto e o crime ficou conhecido mundialmente, transformando-se inclusive em filme. Em Santos, os devotos de Maria Féa construíram-lhe uma capela, no local onde está sepultada, no Cemitério do Saboó. Lá se encontram inúmeros votos, em agradecimento por graças alcançadas.

Veja as partes [2] e [3] desta matéria