Cinemas se enfrentavam na busca pelo público
Vale tudo na guerra pela audiência. Parece frase usada em emissoras de televisão no final do século XX, na disputa pelos pontos preciosos nos mapas de audiência elaborados pelos institutos de pesquisa - mas também se aplicava à guerra pelos espectadores nas casas de exibição de filmes que foram surgindo desde o início daquele século em Santos.
Naquela época, em nome dessa disputa pelo público, valia instalar um cinema praticamente ao lado de outro (ou outros...), mesmo em bairros então mais afastados e menos urbanizados, Se no início da cinematografia santista eles se concentravam nas imediações do Largo do Rosário, quando começou a expansão pelos bairros eles foram se concentrando numa nova Cinelândia no vinal da Avenida Ana Costa, no Gonzaga. Na Rua Campos Mello, a concorrência foi acirrada em 1937 quando o Cine São José se instalou no número 179, para concorrer com o D. Pedro II, que já funcionava no número 215 dessa via. Números superlativos: o S. José registrava 183.131 espectadores/ano, enquanto o D. Pedro II reccebia no mesmo período 165.553 espectadores.
Valia, claro, demonstrar cada novidade que surgisse para o conforto dos espectadores, como novos projetores, som aperfeiçoado, qualidade do ar e das poltronas, telas melhores, preços menores... em anúncios de página inteira nos jornais..
Valia denunciar artimanhas dos concorrentes, como a exibição de filmes antigos como se fossem recém-lançados; valia alterar nomes de filmes para atraírem mais a clientela local; valia oferecer ingressos para quem comprasse carne no açougue parceiro... Valia até disputar acirradamente os certificados de classificação indicativa emitidos pela Censura Federal, vejam só: para anunciar qual filme era oficialmente considerado o mais pornográfico do Brasil!
E foi essa (nem sempre) saudável competição pelo espectador que acabou dando a Santos a liderança nacional em número de poltronas de cinema por habitante.
Promoção: um ingresso no Eden a cada 4 kg de carne comprados no Açougue Monstro...
Jornal A Tribuna, 8/8/1909, página 4
O cinema Eden Salão tinha sido inaugurado em 23 de junho de 1909 na Praça dos Andradas e duraria apenas umas poucas semanas. Mesmo em sua curta existência, fez história, como nesta curiosa promoção conjunta com o Açougue Monstro, situado na tradicional Rua Áurea ou Rua dos Açougues (entre outros nomes), a atual Rua General Câmara.
Eis parte do texto do anúncio então publicado e republicado na imprensa (mantida a ortografia original): "CARNE TODA PREMIADA: Para toda a nossa freguezia que comprar carne a dinheiro, sendo de primeira de 800 réis em diante e de segunda de 600 réis em diante, levando QUATRO KILOS, levará juntamente uma entrada que dá direito a uma secção cinematographica no 'EDEN SALÃO', na praça dos Andradas. Todo o freguez que comprar de um kilo por diante, levará de cada kilo um vale impresso, que completando os 4 kilos receberá uma entrada. Mandamos entregar pesos a domicílio (...)".
Polytheama apresentou em 1919 o filme Joana D'Arc, com aviso contra falsificações Jornal A Tribuna, 3/5/1919, página 10
O aviso contra falsificações, no detalhe da imagem acima Jornal A Tribuna, 3/5/1919, página 10
Ao exibir em 1919 o ffilme Joana D'Arc, o Polytheama incluiu uma advertência sobre a existência de falsificações: "ATENÇÃO - A Empresa Cine-Teatral previne o respeittável público que um CINEMAZINHO, querendo aproveitar-se do reclame por nós feito, anuncia um filme com o mesmo nome, já muito antigo e que foi exibido há cinco anos e editado por (? uma fáb)rica italiana. Precavenha-se o público, pois pretendem passar-lhe o 'conto'. O único autêntico filme 'Joanna d'Arc', edição da PARAMOUNT, interpretado por GERALDINA FARRAR, só será exibido no POLYTHEAMA. O mesmo que foi exibido no CENTRAL e ROYAL, de S. Paulo".
O saboroso detalhe dessa história é que o filme dito "autêntico" e "maior triunfo cinematográfico do ano de 1919" foi na verdade lançado em 1916!
Cartaz oficial do filme "novo"... de três anos antes!
Acervo: IMDB
Outro lance curioso nessa guerra dos cinemas foi registrado em novembro de 1980. O cine Caiçara começou com Estória do 'O', liberado só para salas especiais destinadas a adultos. Quatro dias depois, o Cine Roxy respondeu, provando com documentos que Vanessa era o primeiro filme nacional oficialmente pornô, pelo certificado 001 da Censura Federal. Mais sete dias, o Indaiá lançava em pré-estreia Giselle, primeiro filme brasileiro considerado espetáculo pornográfico:
Cine Caiçara abriu a guerra, com Estória do 'O'
Jornal A Tribuna, 11/11/1980, página 23
Roxy autenticou Vanessa, como filme pornográfico, estampando o documento da Censura Federal
Jornal A Tribuna, 15/11/1980, página 27
Cine Indaiá respondeu aos dois outros com o filme Giselle
Jornal A Tribuna, 22/11/1980, página 27
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