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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
Via Anchieta (5)

Matéria publicada no jornal santista Expresso Popular, em 23 de abril de 2007:


Os mineiros Carlos e Antero e o baiano Oresto falam da estrada, que completou 60 anos
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria 

60 anos de histórias e lembranças
Três dos milhares de homens que suaram para construir a rodovia falam ao "Expresso"

Marcelo Luis

Seis mãos calejadas pelo trabalho, seis décadas de histórias. Na memória de Oresto, Antero e Carlos, permanecem vivas as recordações de um dos períodos mais importantes para o desenvolvimento da Baixada Santista: a construção da Via Anchieta.

A estrada, que ontem completou 60 anos de inauguração, ampliou a comunicação viária entre o Litoral e o Planalto, até então restrita ao velho Caminho do Mar, e abriu novas possibilidades de crescimento.

Construída graças a um projeto de engenharia ousado e audacioso para a época, a estrada certamente não teria saído do papel se não fosse o suor de milhares de trabalhadores vindos das mais diferentes regiões do País. Entre eles, estavam os mineiros Antero e Carlos e o baiano Oresto, todos moradores da Cota 400.

"Muita gente não agüentava o fio e a chuva e ia embora. A gente tinha de secar a roupa na lenha", relembra Oresto, 89 anos. Conhecido no bairro como "Marancó", uma alusão ao povoado onde nasceu, Oresto viveu muitas experiências antes de engrossar o time de operários que ergueu a Via Anchieta.

No estado da Bahia, foi militar e ajudou a perseguir os temidos cangaceiros do sertão nordestino. Chegou, inclusive, a ver Lampião e Maria Bonita quando era adolescente. Depois, quase embarcou para a Europa para lutar na Segunda Guerra Mundial. "Foi a mulher de um general quem me tirou. Na época não gostei, pois queria mesmo ir para a guerra".

Atraído pelo trabalho, veio de trem para São Paulo e trabalhou na construção da Anchieta como ferreiro junto com quatro irmãos. "Muita gente trazia a família inteira. Nós trabalhávamos e ganhávamos por hora". No dia da inauguração, ele também esteve presente. "Tinha barril de chope, mortadela, churrasco e queijo".

Quem também se emociona ao falar da Via Anchieta é o aposentado Carlos de Souza Filho, 76 anos, mineiro que participou da construção da segunda pista da rodovia.

Ele lembra que muitos alojamentos que serviam de abrigo aos trabalhadores ocupavam áreas de encostas, perto da Cota 400, que já tiveram a vegetação recuperada.

"Sinto muito orgulho por ter trabalhado nesta obra. Eu era um trabalhador braçal, aceitava qualquer tipo de serviço, mas depois fui encarregado de turma. Hoje, quando vejo esta estrada, sinto uma grande emoção".


Os mineiros Carlos e Antero e o baiano Oresto vivem atualmente na Cota 400
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria

Obra rendeu até casamento

A construção da Via Anchieta não guarda consigo apenas concreto, cimento e histórias de suor e de trabalho. Dos milhares de anônimos que participaram do ousado projeto, outras tantas histórias surgiram. Algumas, de tão intensas, foram transformadas pelo tempo em verdadeiras lições de vida.

A união de Antero Preciliano de Souza, 83 anos, e Ruth Angélica de Oliveira Souza, 68, ilustra bem essa realidade e poderia até virar roteiro de filme. Durante a construção da rodovia, Antero era um jovem trabalhador. Angélica, uma menina de 8 anos de idade que ajudava a mãe, responsável pelo preparo e fornecimento de refeições a um grupo de operários agenciados para atuar na obra.

Anos mais tarde, surgiu o namoro entre os dois que resultou em uma feliz união. Casaram-se em 1957 e na última quinta-feira completaram Bodas de Ouro. São cinco filhos, dez netos e uma bisneta. "Foi graças à Via Anchieta que eu a conheci", brinca Antero.


O casal Antero e Ruth acaba de completar Bodas de Ouro
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria

Sinônimo de desenvolvimento

Após o término da Segunda Guerra Mundial, o Brasil vivia um período de desenvolvimento industrial. No Estado de São Paulo, a necessidade de ampliação dos acessos rodoviários entre a Baixada, o Porto de Santos e a Capital era mais do que evidente. "Antes da Via Anchieta, o único acesso rodoviário entre a Baixada e o Planalto era o Caminho do Mar, que já estava estrangulado", relembra a doutora em História Social Vera Bittencourt.

Segundo ela, a construção da nova rodovia foi fundamental para o desenvolvimento da região, estabelecendo novas possibilidades de importação e exportação por meio do Porto de Santos.

"A Via Anchieta teve um impacto muito grande em todos os aspectos, positivos ou negativos. Dinamizou as relações entre a Baixada e a Capital, mas também possibilitou o crescimento demográfico, já que na obra foi muito utilizada a mão-de-obra de migrantes, que posteriormente trabalharam no desenvolvimento do Pólo Industrial de Cubatão.


Depois da 2ª Guerra foi preciso novo acesso da Capital ao Litoral
Imagem: Fundação Arquivo e Memória, publicada com a matéria

Veja a história

No século XVI, o padre José de Anchieta iniciou a construção de um caminho entre a Baixada e o Planalto, que de tão difícil exigia que o viajante, em alguns trechos, se agarrasse às raízes das árvores para seguir adiante. No século seguinte, o caminho já apresentava melhorias e a viagem podia ser feita em lombos de burros.

Em 1948, um ano depois da inauguração da primeira pista, 830 mil veículos passaram pela estrada. Quatro anos depois, esse número já havia saltado par 1,9 milhões de veículos. Antes da construção da nova rodovia, o acesso entre a Baixada e São Bernardo era o Caminho do Mar.

Em seu trecho de serra, com cerca de 13 quilômetros, a Via Anchieta conseguiu transpor uma muralha de 730 metros entre o Planalto e a Baixada. No projeto, bastante ousado para a época, pavimentação em concreto e cimento, 58 viadutos, 18 pontes e cinco túneis. As obras duraram aproximadamente dez anos.

A segunda pista da Anchieta e o trecho entre Cubatão e Santos foram inaugurados em 1953.

A maior prova da importância da Via Anchieta para a economia da região é o grande número de veículos que ainda se utilizam dela. Por ano, cerca de 10 milhões, segundo a Ecovias. Somente no ano passado, foram 5,5 milhões de caminhões, responsáveis pelo transporte de 76 milhões de toneladas de cargas.