Espécies raras da mata atlântica, árvores frutíferas, animais de vários tipos e tamanhos,
rios de águas cristalinas e ruínas históricas. Tudo isso está reunido no Vale do Quilombo, uma área de 20 quilômetros quadrados, onde a Prefeitura
pretende instalar o Distrito Industrial de Santos. Para alguns, a implantação de indústrias em meio àquele santuário ecológico fatalmente
determinará o fim de uma das últimas e mais ricas reservas florestais do Estado. Os
ecologistas consideram o projeto do Município simplesmente abominável e acham que oferece riscos incalculáveis para o equilíbrio da natureza,
podendo até mesmo ameaçar a própria sobrevivência do homem na região. Acreditam que, em pouco tempo, o Quilombo poderá se transformar em um novo
Vale da Morte, ponto de concentração de poluentes mortíferos, favelas e miséria. Não deixam de fazer outro alerta: até mesmo a poluição emanada
pelas indústrias de Cubatão, se não for controlada, provocará a degeneração daquela exuberante área quase virgem.
Em contrapartida, não falta quem considere a implantação do Distrito Industrial como a única
saída para o caos econômico, a redenção desta Santos sempre dependente do porto. Enquanto se desenrola toda essa polêmica, as poucas famílias
residentes no Vale do Quilombo continuam levando uma vida tranqüila e de muito trabalho, cultivando aquela terra que tudo dá.
Ecologistas temem que a poluição acabe com os rios e as matas
Numa área de cerca de 20 quilômetros quadrados, Santos guarda um exuberante trecho de Mata
Atlântica. A imensidão verde conhecida como Vale do Rio Quilombo se conserva quase virgem, mas o perigo da poluição espreita.
Espreita, e bem de perto. Os gases mortíferos emanados pelas indústrias de Cubatão já
começaram a afetar a vegetação em alguns pontos e há quem diga que, não demora muito, o Vale estará transformado em um imenso deserto. Tal
afirmação não carrega nenhum exagero: basta lembrar que o Vale do Rio Mogi, onde se estabeleceu o parque industrial de Cubatão, exibiu, no
passado, um verde luxuriante, entrecortado por rios de águas transparentes.
Como se não bastasse o perigo representado pelo complexo industrial de Cubatão, o próprio
Vale do Rio Quilombo deverá receber indústrias e sofrer uma total descaracterização. Já se comenta por lá que a Imobiliária Savoy está alterando o
curso do Rio Quilombo e pretende vender terras para indústrias. Mais que isso, existe um projeto da Prefeitura visando a implantação na área do
Distrito Industrial de Santos.
Os defensores dessa idéia vêem o distrito como a saída para o caos econômico em que Santos se
encontra mergulhada, mas, em contrapartida, alguns se posicionam totalmente contra a iniciativa, por não quererem ver o Quilombo transformado em
um novo Vale da Morte. A polêmica continua aberta, porém, não chega a preocupar os moradores da região, uma gente boa que só quer poder viver e
trabalhar tranqüila.
Para alegria dos ecologistas, a região ainda não recebeu a unidade 2 da Cosipa:
a siderúrgica por enquanto se limitou a represar as águas do rio
"A Imobiliária Savoy vai mudar o curso do Rio Quilombo. Quer
deixar ele reto para aproveitar melhor o terreno", afirma um morador. "Já está mudando. Quer deixar tudo pronto para vender áreas para as
indústrias", assegura outro.
Mais: logo nos primeiros metros da estrada do Vale do Quilombo se descobre, perdidas no meio das matas,
plaquetas indicando que as terras pertencem à Savoy. E a imobiliária não deixa por menos: impede a circulação de estranhos a partir de determinado
ponto da estrada. Uma estrada que não foi aberta por ela e se constitui no único acesso às casas de algumas famílias.
Tudo indica que coisas muito estranhas andam acontecendo no Vale do Quilombo. Pode a imobiliária modificar o
curso do rio? Quais serão as conseqüências dessa alteração? Tem ela o direito de impedir o trânsito?
Essas são apenas algumas questões iniciais. E tudo se torna mais grave porque se trata de uma região objeto de
desapropriação por parte da Prefeitura, que pretende implantar lá o Distrito Industrial. Ninguém desconhece que a municipalidade só se tornará
efetivamente dona das terras à medida que pagar por elas. Mas, como já existe até um decreto de desapropriação, parece indispensável que a
Prefeitura averigúe o que vem ocorrendo na área.
Um santuário ecológico que guarda espécies raras da mata atlântica - Mas, afinal de contas, o que é
exatamente esse Vale do Quilombo, que muito santista sequer ouviu falar?
Pois bem. O Vale do Quilombo fica no quilômetro oito da estrada Cubatão-Guarujá, bem juntinho a Cubatão. E não
só pertence a Santos, como assume a importância de ser uma das últimas reservas florestais do Estado de São Paulo. Um verdadeiro "santuário
ecológico", conforme preferem dizer alguns.
Trata-se de uma imensidão verde, cercada por morros que dão a idéia de protegê-la. Do lado esquerdo da estrada
que liga Cubatão a Guarujá, o Vale do Quilombo tem, à direita, a Serra do Jurubatuba e, à esquerda, as encostas da Serra da Boa Vista. O Morro
Cabeça de Negro fica ao fundo do vale, mais exatamente ao lado direito do local onde começa a se estreitar em direção a Mogi das Cruzes.
Até hoje não se sabe com exatidão qual a área do Vale do Quilombo, mas calcula-se que tenha uns 10 quilômetros
de comprimento por dois de largura. E, além da opulência do resquício de mata atlântica, há que se destacar a riqueza dos mananciais: o Rio
Quilombo oferece de 1.200 a dois mil milímetros de água por segundo, enquanto o Rio Jurubatuba permite a retirada de um metro cúbico de água por
segundo.
O Vale do Quilombo parece pertencer a um outro mundo. A cada instante se depara com espécies raras de mata
atlântica e muitas árvores frutíferas, sempre floridas ou carregadas de frutos. Frutos doces, da melhor qualidade, que crescem bonitos sem
precisar de adubos químicos.
E tudo fica mais bonito nos trechos entrecortados pelo Rio Quilombo. O manancial passeia pelo vale,
irrigando a terra e contribuindo para garantir a riqueza da vegetação. De suas margens, a gente observa como os cipós, espinheiros, os galhos das
árvores e as folhas secas enroscam-se, a ponto de impedir a penetração do sol.
Raso em alguns trechos, mais profundo em outros, o rio ostenta água transparente, tão límpida quanto a que se
vende engarrafada por um bom preço. E as pedras espalhadas ao longo do seu leito fazem surgir centenas de pequenas cachoeiras. Cachoeiras que
parecem espelhos quando refletem a luz do sol.
Quem quiser vê-las, e bem maiores, basta olhar em direção às serras ao redor. De longe se percebe a água
escorrendo encosta abaixo, sempre fria e barulhenta. Um barulho inconfundível, que nem vento forte - desses que remexe os galhos das árvores de um
lado para outro - consegue encobrir.
Nesse contexto, onde a natureza se faz tão presente, parece desnecessário falar sobre a riqueza da fauna. Há
bichos de tudo quanto é forma e espécie, aves ostentando os coloridos mais variados. Coisas que se vê e a memória nunca mais consegue esquecer.
Poluição, uma ameaça que paira; e o Vale pode se transformar em deserto - Por tudo que se observa no Vale
do Quilombo, só se pode lamentar ainda mais o que o progresso indiscriminado fez no município vizinho, Cubatão. É simplesmente violento o
contraste entre aquela luxuriante área quase virgem e a vegetação rasteira, raquítica e calcinada do Vale do Rio Mogi, onde se situam as
indústrias.
Imaginem se não parece cena de filme de ficção científica: a mesma montanha apresenta uma de suas encostas cheia
de árvores secas, formando um imenso paliteiro; e outro lado, coberto por um verde exuberante, não atingido pela poluição. É isso que se vê no
morro que separa os vales do Rio Quilombo e do Rio Mogi.
Os poluentes emanados pelas indústrias de Cubatão podem comprometer a região do Quilombo? Por quanto tempo mais
ela resistirá?
Ninguém sabe com exatidão, mas não falta quem diga que o Vale do Quilombo está com os dias contados. Inclusive
porque um estudo da Cetesb - Degradação da Vegetação na Serra do Mar - apresenta um diagnóstico bem negativo em relação a uma área bem
próxima ao Vale do Quilombo.
O estudo assegura que desapareceram por completo as árvores com mais de 10 metros de altura e aquelas entre 50
centímetros e dois metros. Lembra ainda que as árvores de maior porte, remanescentes, apresentam-se despojadas de folhas e até desgalhadas,
completamente secas, e que os vegetais menores mostram, de maneira geral, "estrutura foliar rala e danificada, com folhas queimadas e alteradas em
termos de coloração natural".
O Vale do Quilombo terá o mesmo destino?
Tudo indica que sim. O arquiteto Avelino Russo já declarou: em trechos do Vale do Rio Quilombo, mais próximos da
área da Cosipa, a vegetação já apresenta a degeneração ocorrida no Vale do Rio Mogi.
Agora, somem a isso a instalação de indústrias no próprio Quilombo!
Pólo industiral é tido como única saída para o caos e o desemprego - Os defensores da implantação de um
Distrito Industrial no Vale do Quilombo gostam de usar frases bombásticas: "É a salvação econômica de Santos, que não pode mais viver na
dependência do porto", dizem alguns. "É a saída para o caos econômico, para o elevado índice de desemprego", resumem outros.
Nâo é de hoje que se pensa em transformar o Quilombo em parque industrial. Projeto nesse sentido foi idealizado
em 1965, durante a administração do engenheiro Sílvio Fernandes Lopes, e redimensionado na gestão do interventor Clóvis Bandeira Brasil.
E não faltou festa no salão nobre, em 1974, quando a Cosipa assinou um contrato com a Prefeitura: o Município
cedia à companhia cerca de sete dos 20 milhões de metros quadrados reservados para indústrias e dava-lhe permissão para represar as águas do Rio
Quilombo. O presidente da Cosipa na época, Mário Lopes Leão, chegou a dizer que as unidades a serem implantadas no Quilombo (integrantes da
chamada Cosipa-2) estariam produzindo a partir de 1981.
Mas a crise econômica se acentuou e as obras da Cosipa se resumiram à construção de uma pequena barragem no Rio
Quilombo. O projeto da Prefeitura, por sua vez, continua engavetado.
Melhor assim? Bom, enquanto alguns defendem em altos brados a criação do distrito industrial, técnicos e
ecologistas simplesmente abominam a idéia. Há cerca de dois anos, em visita à região, o engenheiro florestal Álvaro Fernando de Almeida assegurou
que a instalação de indústrias no Quilombo oferece riscos incalculáveis para o equilíbrio da natureza, podendo implicar, inclusive, a médio e
longo prazos, num ataque direto, que ameaçará a própria sobrevivência do homem.
Ele definiu a proposta como "desastrosa" em termos ecológicos e lembrou que a área, considerada um santuário,
age como um ponto de equilíbrio, impedindo que a poluição espalhada pelo complexo de Cubatão atinja níveis insuportáveis. Não teve dúvidas em
dizer que a instalação de um parque industrial no local desencadearia a poluição total do Vale, comprometendo a estrutura de vida de toda a
região.
No ano passado, o prefeito de Cubatão, José Oswaldo Passarelli, saiu em defesa da preservação do Vale do
Quilombo e apresentou a sugestão à subcomissão de Urbanização e Uso do Solo, que trabalha em apoio à Comissão Interministerial que estuda soluções
para a poluição industrial na região. O prefeito Paulo Gomes Barbosa não gostou nem um pouco da idéia: defende a implantação do pólo industrial.
A polêmica em torno do assunto a cada dia se renova. E é bom frisar: os que se mantêm contra a industrialização
da área não são contrários à evolução ou ao progresso, tampouco pretendem ver Santos sempre mergulhada em problemas financeiros. Acham, porém, que
com a natureza não se brinca e que inúmeros exemplos estão aí para comprovar isso. Não querem deixar para as futuras gerações as ruínas de um
caos.
Mexeriqueira, uma árvore comum no exuberante resquício da Mata Atlântica
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