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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO
Quilombo enfrenta séria ameaça (1)

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Publicado em 31/3/1983 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)

Espécies raras da mata atlântica, árvores frutíferas, animais de vários tipos e tamanhos, rios de águas cristalinas e ruínas históricas. Tudo isso está reunido no Vale do Quilombo, uma área de 20 quilômetros quadrados, onde a Prefeitura pretende instalar o Distrito Industrial de Santos. Para alguns, a implantação de indústrias em meio àquele santuário ecológico fatalmente determinará o fim de uma das últimas e mais ricas reservas florestais do Estado.

Os ecologistas consideram o projeto do Município simplesmente abominável e acham que oferece riscos incalculáveis para o equilíbrio da natureza, podendo até mesmo ameaçar a própria sobrevivência do homem na região. Acreditam que, em pouco tempo, o Quilombo poderá se transformar em um novo Vale da Morte, ponto de concentração de poluentes mortíferos, favelas e miséria. Não deixam de fazer outro alerta: até mesmo a poluição emanada pelas indústrias de Cubatão, se não for controlada, provocará a degeneração daquela exuberante área quase virgem.

Em contrapartida, não falta quem considere a implantação do Distrito Industrial como a única saída para o caos econômico, a redenção desta Santos sempre dependente do porto. Enquanto se desenrola toda essa polêmica, as poucas famílias residentes no Vale do Quilombo continuam levando uma vida tranqüila e de muito trabalho, cultivando aquela terra que tudo dá.


Ecologistas temem que a poluição acabe com os rios e as matas

Numa área de cerca de 20 quilômetros quadrados, Santos guarda um exuberante trecho de Mata Atlântica. A imensidão verde conhecida como Vale do Rio Quilombo se conserva quase virgem, mas o perigo da poluição espreita.

Espreita, e bem de perto. Os gases mortíferos emanados pelas indústrias de Cubatão já começaram a afetar a vegetação em alguns pontos e há quem diga que, não demora muito, o Vale estará transformado em um imenso deserto. Tal afirmação não carrega nenhum exagero: basta lembrar que o Vale do Rio Mogi, onde se estabeleceu o parque industrial de Cubatão, exibiu, no passado, um verde luxuriante, entrecortado por rios de águas transparentes.

Como se não bastasse o perigo representado pelo complexo industrial de Cubatão, o próprio Vale do Rio Quilombo deverá receber indústrias e sofrer uma total descaracterização. Já se comenta por lá que a Imobiliária Savoy está alterando o curso do Rio Quilombo e pretende vender terras para indústrias. Mais que isso, existe um projeto da Prefeitura visando a implantação na área do Distrito Industrial de Santos.

Os defensores dessa idéia vêem o distrito como a saída para o caos econômico em que Santos se encontra mergulhada, mas, em contrapartida, alguns se posicionam totalmente contra a iniciativa, por não quererem ver o Quilombo transformado em um novo Vale da Morte. A polêmica continua aberta, porém, não chega a preocupar os moradores da região, uma gente boa que só quer poder viver e trabalhar tranqüila.


Para alegria dos ecologistas, a região ainda não recebeu a unidade 2 da Cosipa: 
a siderúrgica por enquanto se limitou a represar as águas do rio

"A Imobiliária Savoy vai mudar o curso do Rio Quilombo. Quer deixar ele reto para aproveitar melhor o terreno", afirma um morador. "Já está mudando. Quer deixar tudo pronto para vender áreas para as indústrias", assegura outro.

Mais: logo nos primeiros metros da estrada do Vale do Quilombo se descobre, perdidas no meio das matas, plaquetas indicando que as terras pertencem à Savoy. E a imobiliária não deixa por menos: impede a circulação de estranhos a partir de determinado ponto da estrada. Uma estrada que não foi aberta por ela e se constitui no único acesso às casas de algumas famílias.

Tudo indica que coisas muito estranhas andam acontecendo no Vale do Quilombo. Pode a imobiliária modificar o curso do rio? Quais serão as conseqüências dessa alteração? Tem ela o direito de impedir o trânsito?

Essas são apenas algumas questões iniciais. E tudo se torna mais grave porque se trata de uma região objeto de desapropriação por parte da Prefeitura, que pretende implantar lá o Distrito Industrial. Ninguém desconhece que a municipalidade só se tornará efetivamente dona das terras à medida que pagar por elas. Mas, como já existe até um decreto de desapropriação, parece indispensável que a Prefeitura averigúe o que vem ocorrendo na área.

Um santuário ecológico que guarda espécies raras da mata atlântica - Mas, afinal de contas, o que é exatamente esse Vale do Quilombo, que muito santista sequer ouviu falar?

Pois bem. O Vale do Quilombo fica no quilômetro oito da estrada Cubatão-Guarujá, bem juntinho a Cubatão. E não só pertence a Santos, como assume a importância de ser uma das últimas reservas florestais do Estado de São Paulo. Um verdadeiro "santuário ecológico", conforme preferem dizer alguns.

Trata-se de uma imensidão verde, cercada por morros que dão a idéia de protegê-la. Do lado esquerdo da estrada que liga Cubatão a Guarujá, o Vale do Quilombo tem, à direita, a Serra do Jurubatuba e, à esquerda, as encostas da Serra da Boa Vista. O Morro Cabeça de Negro fica ao fundo do vale, mais exatamente ao lado direito do local onde começa a se estreitar em direção a Mogi das Cruzes.

Até hoje não se sabe com exatidão qual a área do Vale do Quilombo, mas calcula-se que tenha uns 10 quilômetros de comprimento por dois de largura. E, além da opulência do resquício de mata atlântica, há que se destacar a riqueza dos mananciais: o Rio Quilombo oferece de 1.200 a dois mil milímetros de água por segundo, enquanto o Rio Jurubatuba permite a retirada de um metro cúbico de água por segundo.

O Vale do Quilombo parece pertencer a um outro mundo. A cada instante se depara com espécies raras de mata atlântica e muitas árvores frutíferas, sempre floridas ou carregadas de frutos. Frutos doces, da melhor qualidade, que crescem bonitos sem precisar de adubos químicos.

E tudo fica mais bonito nos trechos entrecortados pelo Rio Quilombo. O manancial passeia pelo vale, irrigando a terra e contribuindo para garantir a riqueza da vegetação. De suas margens, a gente observa como os cipós, espinheiros, os galhos das árvores e as folhas secas enroscam-se, a ponto de impedir a penetração do sol.

Raso em alguns trechos, mais profundo em outros, o rio ostenta água transparente, tão límpida quanto a que se vende engarrafada por um bom preço. E as pedras espalhadas ao longo do seu leito fazem surgir centenas de pequenas cachoeiras. Cachoeiras que parecem espelhos quando refletem a luz do sol.

Quem quiser vê-las, e bem maiores, basta olhar em direção às serras ao redor. De longe se percebe a água escorrendo encosta abaixo, sempre fria e barulhenta. Um barulho inconfundível, que nem vento forte - desses que remexe os galhos das árvores de um lado para outro - consegue encobrir.

Nesse contexto, onde a natureza se faz tão presente, parece desnecessário falar sobre a riqueza da fauna. Há bichos de tudo quanto é forma e espécie, aves ostentando os coloridos mais variados. Coisas que se vê e a memória nunca mais consegue esquecer.

Poluição, uma ameaça que paira; e o Vale pode se transformar em deserto - Por tudo que se observa no Vale do Quilombo, só se pode lamentar ainda mais o que o progresso indiscriminado fez no município vizinho, Cubatão. É simplesmente violento o contraste entre aquela luxuriante área quase virgem e a vegetação rasteira, raquítica e calcinada do Vale do Rio Mogi, onde se situam as indústrias.

Imaginem se não parece cena de filme de ficção científica: a mesma montanha apresenta uma de suas encostas cheia de árvores secas, formando um imenso paliteiro; e outro lado, coberto por um verde exuberante, não atingido pela poluição. É isso que se vê no morro que separa os vales do Rio Quilombo e do Rio Mogi.

Os poluentes emanados pelas indústrias de Cubatão podem comprometer a região do Quilombo? Por quanto tempo mais ela resistirá?

Ninguém sabe com exatidão, mas não falta quem diga que o Vale do Quilombo está com os dias contados. Inclusive porque um estudo da Cetesb - Degradação da Vegetação na Serra do Mar - apresenta um diagnóstico bem negativo em relação a uma área bem próxima ao Vale do Quilombo.

O estudo assegura que desapareceram por completo as árvores com mais de 10 metros de altura e aquelas entre 50 centímetros e dois metros. Lembra ainda que as árvores de maior porte, remanescentes, apresentam-se despojadas de folhas e até desgalhadas, completamente secas, e que os vegetais menores mostram, de maneira geral, "estrutura foliar rala e danificada, com folhas queimadas e alteradas em termos de coloração natural".

O Vale do Quilombo terá o mesmo destino?

Tudo indica que sim. O arquiteto Avelino Russo já declarou: em trechos do Vale do Rio Quilombo, mais próximos da área da Cosipa, a vegetação já apresenta a degeneração ocorrida no Vale do Rio Mogi.

Agora, somem a isso a instalação de indústrias no próprio Quilombo!

Pólo industiral é tido como única saída para o caos e o desemprego - Os defensores da implantação de um Distrito Industrial no Vale do Quilombo gostam de usar frases bombásticas: "É a salvação econômica de Santos, que não pode mais viver na dependência do porto", dizem alguns. "É a saída para o caos econômico, para o elevado índice de desemprego", resumem outros.

Nâo é de hoje que se pensa em transformar o Quilombo em parque industrial. Projeto nesse sentido foi idealizado em 1965, durante a administração do engenheiro Sílvio Fernandes Lopes, e redimensionado na gestão do interventor Clóvis Bandeira Brasil.

E não faltou festa no salão nobre, em 1974, quando a Cosipa assinou um contrato com a Prefeitura: o Município cedia à companhia cerca de sete dos 20 milhões de metros quadrados reservados para indústrias e dava-lhe permissão para represar as águas do Rio Quilombo. O presidente da Cosipa na época, Mário Lopes Leão, chegou a dizer que as unidades a serem implantadas no Quilombo (integrantes da chamada Cosipa-2) estariam produzindo a partir de 1981.

Mas a crise econômica se acentuou e as obras da Cosipa se resumiram à construção de uma pequena barragem no Rio Quilombo. O projeto da Prefeitura, por sua vez, continua engavetado.

Melhor assim? Bom, enquanto alguns defendem em altos brados a criação do distrito industrial, técnicos e ecologistas simplesmente abominam a idéia. Há cerca de dois anos, em visita à região, o engenheiro florestal Álvaro Fernando de Almeida assegurou que a instalação de indústrias no Quilombo oferece riscos incalculáveis para o equilíbrio da natureza, podendo implicar, inclusive, a médio e longo prazos, num ataque direto, que ameaçará a própria sobrevivência do homem.

Ele definiu a proposta como "desastrosa" em termos ecológicos e lembrou que a área, considerada um santuário, age como um ponto de equilíbrio, impedindo que a poluição espalhada pelo complexo de Cubatão atinja níveis insuportáveis. Não teve dúvidas em dizer que a instalação de um parque industrial no local desencadearia a poluição total do Vale, comprometendo a estrutura de vida de toda a região.

No ano passado, o prefeito de Cubatão, José Oswaldo Passarelli, saiu em defesa da preservação do Vale do Quilombo e apresentou a sugestão à subcomissão de Urbanização e Uso do Solo, que trabalha em apoio à Comissão Interministerial que estuda soluções para a poluição industrial na região. O prefeito Paulo Gomes Barbosa não gostou nem um pouco da idéia: defende a implantação do pólo industrial.

A polêmica em torno do assunto a cada dia se renova. E é bom frisar: os que se mantêm contra a industrialização da área não são contrários à evolução ou ao progresso, tampouco pretendem ver Santos sempre mergulhada em problemas financeiros. Acham, porém, que com a natureza não se brinca e que inúmeros exemplos estão aí para comprovar isso. Não querem deixar para as futuras gerações as ruínas de um caos.


Mexeriqueira, uma árvore comum no exuberante resquício da Mata Atlântica

Veja as partes [2] e [3] desta matéria
Veja Bairros/Quilombo

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