O navio de passageiros da Société Générale de Transports Maritimes à Vapeur (SGTM) foi construído na França e começou a navegar em 1871 A Société Génerale de Transports Maritimes à Vapeur (SGTM) foi fundada em Marselha (França) em 18 de março de 1865, com um capital de 20 milhões de francos. Sua constituição tinha por objetivo
imediato a execução de um contrato de transporte marítimo (a duração prevista desse contrato era de 13 anos) com a Companhia de Minas de Mokta e Hadid.
Estavam previstos nesse contrato o transporte anual de 120 mil toneladas de minério de ferro entre os portos de Bone (Argélia) e Marselha, Sete e Bouc, todos os três em território francês. Uma vez desembarcado em
solo do Hexágono, o minério de ferro seria transportado por ferrovia até as grandes usinas metalúrgicas do Sul e do centro da França.
A fim de poder realizar este contrato, a SGTM passou, imediatamente após sua criação ordens para o Estaleiro Forges et Chantiers de la Mediterranée para a construção de nove vapores a hélice, com casco de ferro e
com capacidade, cada um, para o transporte de 1.200 toneladas de minério.
Deveriam ser sólidos (visto a natureza da carga), econômicos e relativamente velozes para assegurar alta rotatividade entre os portos de embarque e desembarque.
Estes nove vapores receberam os nomes de Alsace, Auvergne, Artois, Bretagne, Dauphine, France-Comté, Lorraine, Normandie e Touraine, nomes estes em
homenagem às regiões da França assim também denominadas.
Estes vapores possuíam quatro mastros e maquinário instalado na popa (ré) – para permitir maior espaço de carga ao centro dos mesmos - e tonelagem próxima a 1.000 toneladas de arqueação bruta (tab).
O primeiro dos nove a ser entregue foi o Alsace, em janeiro de 1866.
Ao mesmo tempo em que se estabelecia a ligação Bone-Marselha em 1866, a direção geral da SGTM dirigia suas vistas para horizontes mais vastos.
Partindo do princípio de que, não existindo então nenhuma ligação de linha marítima regular entre portos do Mediterrâneo e a costa Leste da América do Sul (duas armadoras pioneiras, uma francesa, outra italiana,
haviam falido precedentemente), era chegada a hora da criação de uma rota Marselha-Rio de Janeiro-Buenos Aires.
Foram assim adquiridos, em segunda mão, quatro vapores, de dimensões médias para a época, todos de construção inglesa, aos quais foram dados os nomes de outras quatro regiões francesas: Bourgogne, Poitou,
Savoie e Picardie.
Em setembro de 1868, o Bourgogne realizava a viagem pioneira da SGTM entre Marselha e Buenos Aires com escalas intermediárias em Dacar (Senegal), Cabo Verde, Bahia, Rio de Janeiro e Montevidéu.
Subseqüentemente entraram na Rota de Ouro e Prata (Brasil e Argentina) os outros três vapores e entre as escalas da linha foi incluído o Porto de Santos.
As saídas de cada porto da linha aconteciam por volta do dia 15 de cada mês e, viajando à velocidade máxima de 10 nós (18,5 quilômetros horários), cada vapor realizava o trajeto Marselha-Buenos Aires-Marselha em 60
dias, escalas incluídas.
O desenho do La France era revolucionário para a época,
tanto que o desenho de prancha seria ainda válido 20 anos após
Foto: reprodução, publicada com a matéria
Um ano mais tarde, em outubro de 1869, a SGTM assinava nova ordem de construção ao Estaleiro Forges et Chantiers de la Mediterranée.
Desta vez tratava-se de construir um transatlântico que, por dimensões, capacidade de passageiros e velocidade, seria até essa data o mais imponente a singrar a Rota de Ouro e Prata, superando - e em muito -
seus concorrentes até então.
De comprimento, possuiria 130 metros, de tonelagem se aproximaria das 4 mil t.a.b., de velocidade viajava a quase 12 nós (22 quilômetros) e de capacidade levaria mais de 1.000 passageiros. Nada de similar existia
na época, na linha sul-americana.
Seu desenho também seria revolucionário: afilado, com amplo castelo central e duas curtas chaminés inclinadas, popa com superestrutura e proa (frente) inclinada, suas linhas eram tão de vanguarda que o desenho de
prancha do La France seria ainda válido 20 anos mais tarde!
O La France levava ainda outro superlativo ligado ao seu nome: no momento de seu lançamento ao mar em 1871, era o segundo maior navio mercante jamais construído pelo homem, só perdendo para o gigante de
Isambard Brunel, o Great Eastern.
Em julho de 1871, realiza sua viagem inaugural entre Marselha e Buenos Aires, batendo o recorde de travessia oceânica, com uma média de velocidade superior a 12 nós.
Durante dez anos a partir dessa data, o La France não teve rivais na rota entre o Mediterrâneo e a Bacia do Prata, só sendo superado em velocidade e tonelagem com o lançamento, pela própria SGTM, do par
Navarre e Bearn em 1881 e 1882, respectivamente.
Em termos de comprimento, foi necessário esperar até 1890 para se ver um vapor maior do que o La France na ligação Mediterrâneo-Brasil-Prata. O Alfonso XII, da Companhia Transatlântica, media 133
metros.
No decorrer de toda a década de 80 do século passado (N.E.: século XIX, portanto), a SGTM sustentou uma enorme pressão, provocada pela áspera concorrência oferecida pelas armadoras
italianas e alemãs na rota entre o Mediterrâneo e a América do Sul.
Foi no intuito de se antepor a essa mesma concorrência que a SGTM decidiu-se pela construção do novo par Navarre e Bearn, dois navios gêmeos com tonelagem superior a 4 mil t.a.b. e velocidade de
cruzeiro de 14 nós (26 quilômetros horários).
Em 1885, o La France foi cedido por alguns meses ao governo da França para o transporte de tropas até a Indochina, durante o conflito sino-francês.
No dia 3 de setembro do mesmo ano, o vapor foi vítima de um curioso episódio, ao penetrar, em viagem regular, em porto da Bahia.
Um navio-aviso da marinha Imperial brasileira, Trariapé, despeja uma salva de canhão sobre o La France e a explosão de um obus a bordo deste causa o falecimento de um passageiro italiano.
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A direção da SGTM dirigia as vistas para horizontes mais vastos
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Após a renúncia, por parte da China, à soberania dos territórios da Indochina em abril de 1885, a França passou a exercer total domínio terrestre e marítimo sobre essa região do Sudeste Asiático. Tal fato permitiu
o estabelecimento de novos interesses comerciais e intercâmbio de mercadorias de alto valor, como seda e pérolas.
O aumento desse fluxo comercial atirou várias armadoras hexagonais para o Extremo Oriente e a SGTM não ficou à margem, deslocando o La France para repetidas viagens até Tonkin, no decorrer de 1886.
Foi durante uma escala de rotina no Porto de Las Palmas (Ilhas Canárias, no Oceano Atlântico) que a tragédia da colisão do Sud America e do La France ocorreu. O episódio que
provocaria a perda do Sud America e de 52 pessoas que se encontravam a bordo já foi descrito nesta coluna em 13 de agosto de 1992.
Esta colisão aconteceria apenas alguns meses após uma profunda reforma por que passara o La France, na qual o antigo maquinário do vapor fora substituído por novas máquinas de expansão tríplice, que lhe
aumentavam a velocidade em quase dois nós (3,7 quilômetros horários).
Foi justamente por ter se aproximado do Porto de Las Palmas a grande velocidade que o La France provocou o abalroamento do Sud America, sendo por essa razão julgado culpado dos fatos e vendo-se
obrigada a SGTM a desembolsar vultosa quantia para a armadora italiana La Veloce.
Em meados da última década do século passado, a SGTM decidia reforçar sua frota com a construção do Italie e com a compra do par Les Andes e Les Alpes.
Estes vapores, aliados aos já existentes Espagne, Aquitaine, Provence e Bearn, permitiam à SGTM oferecer três saídas mensais para a América do Sul, com o inteiro trajeto Marselha-Buenos
Aires (ou vice-versa) coberto em apenas 20 dias.
Com tal armamento, a SGTM podia dispensar os serviços do seu antigo navio-capitânia e assim o La France foi vendido para demolição no final de 1895, sendo desmontado, no ano seguinte, no Porto de Marselha. |