Quando, em fins do século XIX, o governo imperial da Alemanha havia decidido que o futuro daquele país passava, entre outras coisas, pela expansão da frota comercial, e pelo
prestígio das grandes unidades de passageiros que poderiam concorrer no Atlântico Norte com os transatlânticos ingleses, foram estabelecidos os princípios que governariam a marinha mercante daquela nação até o início da Primeira Guerra Mundial
(1914). Iniciaram-se assim discussões, com as três grandes companhias de navegação alemãs (a NDL, a Hapag e a Hamburg-Süd), para a
racionalização das linhas internacionais, e isto com a finalidade de programar o melhor uso dos recursos nacionais. Em troca de generosos subsídios dos cofres do governo, as empresas entrariam em um ambicioso projeto de novas construções e de
expansão das linhas que ligavam a Alemanha ao resto do mundo.
Um dos primeiros acordos assinados foi com a NordDeutscher Lloyd (NDL), pelo qual esta companhia se via obrigada a programar saídas regulares de seus navios, para o Extremo Oriente e Austrália.
Em troca, o governo imperial se comprometia a melhorar os portos alemães, construir depósitos de carvão em determinadas localidades ao longo da rota, e financiar a construção de novas unidades de passageiros,
transatlânticos de grande tonelagem para a época e capazes de realizar altas velocidades de cruzeiro.
Como pano de fundo, o governo alemão secretamente alimentava a possibilidade de que essas novas unidades poderiam, caso houvesse necessidade, ser transformadas em cruzadores-auxiliares da Marinha de Guerra. Daí o
requerimento, para a construção desses novos transatlânticos, de que a velocidade mínima de cada um fosse de 22 nós.
Foi nessa época que nasceu também o embrião dessa altamente eficiente organização secreta da Marinha alemã, que ficaria conhecida com o nome de Etappen, e que se distinguiria durante os acontecimentos bélico-navais
da Primeira Guerra Mundial, sobretudo nos dois primeiros anos da guerra corsária.
O Kaiser Wilhelm der Grosse, em cartão postal europeu da época
Vapores expressos - Conseqüentemente ao acordo, a NDL encomendou as duas primeiras unidades de uma série de seis navios, que ficaram conhecidos com o nome genérico de vapores expressos: o
primeiro com o nome de Kaiser Wilhelm der Grosse, ao estaleiro Vulkan; e o segundo, o Kaiser Friedrich, ao estaleiro Schichau, de Dantzig. Estas unidades foram lançadas ao mar respectivamente em maio e outubro de 1897 e o Kaiser
Wilhelm der Grosse logo alcançaria notoriedade internacional, fazendo seu o recorde de velocidade na travessia Oeste-Leste do Atlântico Norte, com velocidade média de 22,35 nós e ganhando, assim, o famoso troféu da Fita Azul.
Por outro lado, o Kaiser Friedrich havia começado desastrosamente sua carreira, pois, durante as provas de mar, em vez de fazer os 22 nós para o que fora construído, mal conseguiu alcançar 20 nós, fazendo
impressão tão ruim que a NDL recusou-se a aceitar o navio das mãos do estaleiro!
Este último se comprometeu a corrigir o problema e, em julho de 1898, a NDL decidiu provar o navio na viagem inaugural entre Bremerhaven (Alemanha) e Nova Iorque. Ao retornar a Bremerhaven, ao fim dessa viagem
redonda, o transatlântico foi recolhido de novo ao estaleiro construtor. Durante a viagem, a velocidade máxima nunca alcançara 20 nós.
Após permanência de três meses no estaleiro e várias modificações nas máquinas, o Kaiser Friedrich voltou a navegar a partir de setembro, realizando mais três viagens redondas para Nova Iorque. Ao cabo da
terceira, a NDL obrigou o estaleiro a retomar o navio, pois este, decididamente, não era capaz de superar 19 nós.
Em junho do ano seguinte, a NDL decidiu recusar definitivamente a propriedade do transatlântico, abandonando-o nas mãos do estaleiro construtor, de Dantzig. No entretempo, a direção da armadora havia tomado a
decisão lógica de fazer construir as outras quatro unidades da série de vapores expressos ao estaleiro Vulkan, responsável pelo bem-sucedido Kaiser Wilhelm der Grosse.
O transatlântico Burdigala realizou tão somente uma viagem redonda na Rota de Ouro e Prata
Quarteto - Entre 1900 e 1906, este estaleiro entregou à NDL o quarteto composto pelo Deutschland (1900), Kronprinz Wilhelm (1901), Kaiser Wilhelm II (1902) e Kronprinzessin Cecilie
(1906).
Após a recusa de posse da NDL, o Kaiser Friedrich foi afretado pelo estaleiro Schichau à empresa Hapag, realizando, por conta desta, dez viagens redondas entre Hamburgo e Nova Iorque. Confirmava-se então o
fato de que, embora fosse confortável e estável em navegação, o transatlântico tinha problemas de propulsão, sendo um grande devorador de carvão. Tão grande era o índice de consumo de combustível que seus marinheiros compuseram uma canção popular
que ironizava o fato.
Em outubro de 1900, a Hapag decidiu, por sua vez, não renovar o contrato de afretamento, e o Kaiser Friedrich melancolicamente foi parar desativado num canto do estaleiro construtor em Ebleing. Ali
permaneceu por bem dez anos!
Foi só em outubro de 1912 que voltaria a navegar, tendo sido adquirido no começo daquele ano pela Compagnie de Navigation Sud Atlantique (CNSA). A CNSA o rebatizou com
o nome de Burdigala, tendo desembolsado, pela sua aquisição, somente um terço do valor original de construção. O navio foi então levado até Le Havre para recondicionamento.
Nas suas três chaminés, agora pintadas de cor creme escuro, apareceram os famosos galos vermelhos, símbolos da empresa. Em 5 de outubro de 1912, zarpou de Bordeaux (França) com destino à América do Sul, escalando
em Lisboa, Dacar, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires.
Seria sua primeira e única viagem nessa rota, pois, no seu retorno à França, foi decidido retirá-lo de serviço, ao menos provisoriamente. O problema de base era sempre o mesmo, alto consumo de combustível rendendo
sua utilização não-econômica!
Transporte de tropas - O Burdigala permaneceria inativo até fevereiro de 1915, quando foi requisitado pela Marinha de Guerra francesa para servir como navio-transporte-de-tropas. Em março, iniciou o
serviço naval, navegando sobretudo no Mediterrâneo, teatro operacional importante naquele segundo ano de guerra. Como navio-transporte-de-tropas, o Burdigala levava o título oficial de Cruzador Auxiliar de 1ª Categoria e efetuou serviço
sobretudo entre Toulon e Salonica.
Claro está que, nessa nova atividade, o aspecto do consumo não tinha a mesma importância do que quando a serviço de um armador privado. Em épocas de guerra - e muitas vezes também fora delas -, os governos não
medem gastos.
A sorte - que não acompanhou o navio em tempo de paz - também não lhe foi favorável em tempo de guerra. No dia 14 de novembro de 1916, o Burdigala, ex-Kaiser Friedrich, chocou-se com uma mina
depositada no Mar Egeu pelo submarino alemão U-73.
A brecha aberta pela explosão foi tal que não permitiu a flutuabilidade, e o Burdigala foi abandonado por seus ocupantes, naufragando num ponto do mar entre as ilhas gregas de Mykonos e Tinos. |