Arquitetura
Feng Shui no espelho
Carlos Pimentel Mendes
Quando é
primavera no Hemisfério Sul, é outono na metade Norte do
planeta. O “mapa do céu”, com os astros e planetas, é visto
de forma contrária pelos habitantes das duas regiões. Se
até os símbolos desenhados num papel ganham sentido diferente
quando desenhados ao contrário (a suástica nazista, por exemplo,
é o desenho espelhado de um signo considerado bom pelos orientais,
e há quem entenda que os signos do Horóscopo deveriam ser
ao menos invertidos ao Sul do Equador), não deveria o Feng Shui
ser também adaptado às condições do hemisfério
austral?
Bem, está formada a polêmica:
os mestres chineses entendem que os milenares ensinamentos devem ser mantidos
na forma original. Mas já é grande o número dos que
defendem uma reformulação nas práticas do Feng Shui
meridional.
Embora residente no Canadá,
o chinês Joseph Yu é
um dos grandes mestres de Feng Shui que defende a mudança nas práticas.
Após citar a inversão das estações do ano,
observa: “Além disso, devido à rotação da Terra,
existe o Efeito Coriolis que faz as correntes do oceano girarem no sentido
horário no Sul enquanto este movimento é anti-horário
no Norte. Parece lógico que os métodos que empregamos no
Feng Shui devem ser modificados quando praticados no Hemisfério
Sul”.
Usando a tradução feita
em suas excelentes páginas pela arquiteta carioca Aline
Mendes, pode-se resumir que, na opinião de Joseph Yu, o espelhamento
do Feng Shui será necessário ou não conforme o nível
em que estiver sendo praticado.
“No nível superficial, que
lida com frio e calor, seco e úmido e talvez com as direções
do vento, vale o senso comum: gostaríamos de construir casas para
receber a maior quantidade de luz solar possível, portanto a frente
da casa deve estar voltada para o hemisfério oposto do planeta”,
conforme a sabedoria ancestral. Daí, a validade das alterações.
Joseph Yu continua: “No nível
de estilo, tornou-se moda falar do Ba Gua. Trata-se do octógono
com o Norte designado a energia da água, o Sul designado a energia
do fogo, o Leste e Sudeste designando a energia da madeira, o Oeste e Noroeste
designados a energia do metal, o Sudoeste e Nordeste designados a energia
da terra.
"No Hemisfério Norte nós
podemos explicar de maneira bastante convincente porque tais energias são
encontradas nessas direções. Isso não faz sentido
para as pessoas abaixo do Equador. Então parece razoável
modificar o Ba Gua para ter a água vindo do Sul, fogo vindo do Norte,
madeira vindo do Leste e Nordeste, metal vindo do Oeste e Sudoeste, terra
vindo do Noroeste e Sudeste. Por causa do Efeito Coriolis, até o
Ba Gua deve girar na direção oposta no Hemisfério
Sul!”
Existem novos argumentos para níveis
mais profundos de aplicação dessa técnica milenar
de harmonização ambiental. Também os australianos
Lindy
Baxter, que propôs as modificações, e Roger
Green, professor com cerca de 5 mil discípulos espalhados pelo
mundo, defendem a mudança para os países abaixo da linha
do Equador. “Na China, o calor vem do Sul e o Norte é gelado. No
Brasil é o contrário”, diz a consultora de Feng Shui Cristina
Souto e Silva, unica representante de Roger Green no Brasil, explicando
que, de acordo com a Escola da Bússola (a corrente tradicional do
Feng Shui), cada ponto cardeal está associado a um elemento da natureza.
Sem mudanças – São
fortes também os argumentos contra as mudanças. Como o de
que a bússola sempre aponta o Norte, em qualquer lugar do planeta.
Os conceitos de quente e frio também são relativos, afinal
a Terra do Fogo está no extremo Sul da América e a Terra
do Gelo (Iceland, Islândia) está no hemisfério Norte...
Os ciclos de tempo não se alteram, pois são baseados na longitude
e não na latitude.
Além disso, vários
estudiosos da área de simbolismos confirmam que a direção
anti-horária é indicativa das forças negativas da
vida. Na magia negra, em várias culturas do mundo, o movimento horário
é substituído pelo movimento anti-horário (a suástica
nazista reúne energias destrutivas, enquanto a inversão desse
símbolo atrai energias positivas, por exemplo). Daí o alerta:
“Essa é uma associaçao muito perigosa para os praticantes
do Feng Shui adaptado ao Hemisfério Sul, que acabam lidando com
o tipo de energia da magia negra sem ter consciência.”
A arquiteta Aline cita, em sua página:
“O antigo nome do Feng Shui era Kan Yu, que significa Céu/Tempo
e Terra/Espaço. O Feng Shui, desde suas origens, significa a análise
dos fatores do Céu e da Terra e sua influência nos seres humanos.
O Ba Guá é, na verdade, uma representação da
divisão do Céu e da Terra em quatro regiões. Ele sintetiza
o Universo, como num holograma, e suas divisões derivam das esquematizações
dos fenômenos astronômicos observados e sua relação
com os ciclos da Terra.” Ou seja, por ter significação universal,
a simbologia do Feng Shui não se restringe ao território
chinês onde surgiu há sete milênios, valendo sem alteração
para toda a Terra.
Chapéu Preto – Essa
não é a única polêmica, existe também
a dissidência Seita do Chapéu Preto (Black Hat Sect Feng Shui),
criada por Lin Yun nos Estados Unidos, na década de 60, alinhada
ao budismo tântrico tibetano. Lin Yun se intitula Grande Mestre,
igualando-se ao Dalai Lama.
Nessa escola, o Ba Guá é
simplificado, eliminando as associações de cores e órgãos.
A orientação leva em conta apenas a porta de entrada do imóvel,
não os pontos cardeais. Não considera o fator tempo e usa
a força do pensamento para moldar a energia (ou seja, cessou a intenção,
acabou o efeito). Para os seguidores do Chapéu Preto, o homem é
o centro do universo, não parte dele como no Feng Shui tradicional.
Os mestres chineses ironizam o grupo de Lin Yun, chamando-o de pseudo Feng
Shui ou fast-food Feng Shui.
Veja também: Feng
Shui, arquitetura com harmonia
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