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Edição 088 - AGO/2000 

Arquitetura

Feng Shui no espelho

Carlos Pimentel Mendes

Quando é primavera no Hemisfério Sul, é outono na metade Norte do planeta. O “mapa do céu”, com os astros e planetas, é visto de forma contrária pelos habitantes das duas regiões. Se até os símbolos desenhados num papel ganham sentido diferente quando desenhados ao contrário (a suástica nazista, por exemplo, é o desenho espelhado de um signo considerado bom pelos orientais, e há quem entenda que os signos do Horóscopo deveriam ser ao menos invertidos ao Sul do Equador), não deveria o Feng Shui ser também adaptado às condições do hemisfério austral? 
Bem, está formada a polêmica: os mestres chineses entendem que os milenares ensinamentos devem ser mantidos na forma original. Mas já é grande o número dos que defendem uma reformulação nas práticas do Feng Shui meridional.

Embora residente no Canadá, o chinês Joseph Yu é um dos grandes mestres de Feng Shui que defende a mudança nas práticas. Após citar a inversão das estações do ano, observa: “Além disso, devido à rotação da Terra, existe o Efeito Coriolis que faz as correntes do oceano girarem no sentido horário no Sul enquanto este movimento é anti-horário no Norte. Parece lógico que os métodos que empregamos no Feng Shui devem ser modificados quando praticados no Hemisfério Sul”.

Usando a tradução feita em suas excelentes páginas pela arquiteta carioca Aline Mendes, pode-se resumir que, na opinião de Joseph Yu, o espelhamento do Feng Shui será necessário ou não conforme o nível em que estiver sendo praticado.
“No nível superficial, que lida com frio e calor, seco e úmido e talvez com as direções do vento, vale o senso comum: gostaríamos de construir casas para receber a maior quantidade de luz solar possível, portanto a frente da casa deve estar voltada para o hemisfério oposto do planeta”, conforme a sabedoria ancestral. Daí, a validade das alterações.

Joseph Yu continua: “No nível de estilo, tornou-se moda falar do Ba Gua. Trata-se do octógono com o Norte designado a energia da água, o Sul designado a energia do fogo, o Leste e Sudeste designando a energia da madeira, o Oeste e Noroeste designados a energia do metal, o Sudoeste e Nordeste designados a energia da terra.

"No Hemisfério Norte nós podemos explicar de maneira bastante convincente porque tais energias são encontradas nessas direções. Isso não faz sentido para as pessoas abaixo do Equador. Então parece razoável modificar o Ba Gua para ter a água vindo do Sul, fogo vindo do Norte, madeira vindo do Leste e Nordeste, metal vindo do Oeste e Sudoeste, terra vindo do Noroeste e Sudeste. Por causa do Efeito Coriolis, até o Ba Gua deve girar na direção oposta no Hemisfério Sul!”

Existem novos argumentos para níveis mais profundos de aplicação dessa técnica milenar de harmonização ambiental. Também os australianos Lindy Baxter, que propôs as modificações, e Roger Green, professor com cerca de 5 mil discípulos espalhados pelo mundo, defendem a mudança para os países abaixo da linha do Equador. “Na China, o calor vem do Sul e o Norte é gelado. No Brasil é o contrário”, diz a consultora de Feng Shui Cristina Souto e Silva, unica representante de Roger Green no Brasil, explicando que, de acordo com a Escola da Bússola (a corrente tradicional do Feng Shui), cada ponto cardeal está associado a um elemento da natureza.

Sem mudanças – São fortes também os argumentos contra as mudanças. Como o de que a bússola sempre aponta o Norte, em qualquer lugar do planeta. Os conceitos de quente e frio também são relativos, afinal a Terra do Fogo está no extremo Sul da América e a Terra do Gelo (Iceland, Islândia) está no hemisfério Norte... Os ciclos de tempo não se alteram, pois são baseados na longitude e não na latitude.

Além disso, vários estudiosos da área de simbolismos confirmam que a direção anti-horária é indicativa das forças negativas da vida. Na magia negra, em várias culturas do mundo, o movimento horário é substituído pelo movimento anti-horário (a suástica nazista reúne energias destrutivas, enquanto a inversão desse símbolo atrai energias positivas, por exemplo). Daí o alerta: “Essa é uma associaçao muito perigosa para os praticantes do Feng Shui adaptado ao Hemisfério Sul, que acabam lidando com o tipo de energia da magia negra sem ter consciência.”

A arquiteta Aline cita, em sua página: “O antigo nome do Feng Shui era Kan Yu, que significa Céu/Tempo e Terra/Espaço. O Feng Shui, desde suas origens, significa a análise dos fatores do Céu e da Terra e sua influência nos seres humanos. O Ba Guá é, na verdade, uma representação da divisão do Céu e da Terra em quatro regiões. Ele sintetiza o Universo, como num holograma, e suas divisões derivam das esquematizações dos fenômenos astronômicos observados e sua relação com os ciclos da Terra.” Ou seja, por ter significação universal, a simbologia do Feng Shui não se restringe ao território chinês onde surgiu há sete milênios, valendo sem alteração para toda a Terra.

Chapéu Preto – Essa não é a única polêmica, existe também a dissidência Seita do Chapéu Preto (Black Hat Sect Feng Shui), criada por Lin Yun nos Estados Unidos, na década de 60, alinhada ao budismo tântrico tibetano. Lin Yun se intitula Grande Mestre, igualando-se ao Dalai Lama.

Nessa escola, o Ba Guá é simplificado, eliminando as associações de cores e órgãos. A orientação leva em conta apenas a porta de entrada do imóvel, não os pontos cardeais. Não considera o fator tempo e usa a força do pensamento para moldar a energia (ou seja, cessou a intenção, acabou o efeito). Para os seguidores do Chapéu Preto, o homem é o centro do universo, não parte dele como no Feng Shui tradicional. Os mestres chineses ironizam o grupo de Lin Yun, chamando-o de pseudo Feng Shui ou fast-food Feng Shui.

Veja também: Feng Shui, arquitetura com harmonia