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CONTÊINER...
Contêiner é solução nas Malvinas/Falklands

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Brasão do arquipélago Falklands

Na década de 1980, explodiu no Atlântico Sul um grave conflito entre Argentina e Inglaterra pela posse de um pequeno arquipélago, reivindicada pelas duas nações. Em 2 de abril de 1982, a Argentina iniciou a guerra, vencida pela Inglaterra em 14 de junho daquele ano. Assim, as Islas Malvinas se tornaram Falkland Islands. Na época, o problema do abastecimento de gêneros naquelas ilhas encontrou no contêiner a solução, depois copiada/adaptada em outras partes do mundo.

O caso dessa instalação portuária incomum foi tema de uma palestra, reproduzida pelo editor de Novo Milênio, então responsável pelo caderno semanal Marinha Mercante em Todo o Mundo do jornal O Estado de São Paulo, na edição de 11 de novembro de 1986:

Cais flutuante do Roadway, no porto de Manaus: um exemplo nacional, na margem do Rio Negro 
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 15/1/1982

Sistema portuário usado nas Malvinas/Falklands

Paulo Romano Moreira (*)

O caso mais comum é a existência dos terminais convencionais para movimentação de conteineres, com o cais construído sobre estruturas fixadas em fundações, o pátio ligando-se diretamente ao cais e sendo devidamente pavimentado, drenado, iluminado e demarcado, com área suficiente para recepção/expedição, estocagem e circulação dos conteineres. Além dos armazéns para consolidação/desconsolidação e de outras instalações de apoio, o terminal convencional ainda possui equipamentos especializados e apropriados à movimentação de conteineres nas interfaces cais/navio, cais/pátio e terminal/acessos por terra.

Entretanto, devido a fatores de emergência, como conflitos armados e variações imprevistas de demanda, e a fatores de custo visando a viabilização de investimentos, novos conceitos de instalações portuárias para conteineres estão surgindo, não-convencionais, de modo a serem atingidos dois objetivos fundamentais, o da rapidez na execução da obra e o menor custo da mesma.

Evidentemente que a boa técnica de engenharia, em quaisquer dos dois casos, exigirá sempre o cumprimento de normas técnicas, segurança da obra e a boa qualidade de sua execução, de modo a garantir o bom funcionamento das instalações após concluídas.

Além disso, deverá haver a indispensável adequação operacional do terminal no sentido de atender ao porto dos navios que o frequentarão, o volume e a natureza da carga que movimentará e o tipo de serviços que se proporá a prover aos usuários, daí as delimitações sobre o comprimento do cais, suas profundidades, os pátios e os tipos de equipamentos para embarque/desembarque na interface cais/navio, na circulação cais/pátio, cais/armazéns, pátios/armazéns, bem como os que serão usados nos pátios para recepção/expedição, estocagem, circulação interna, e nas interfaces com os demais modos de transportes que têm acesso ao terminal. Os armazéns, equipamentos flutuantes, edificações de apoio etc. completam as necessidades das demais instalações portuárias, fixas e móveis.


ITM Flexi-Port com o ITM Mariner  em Port Stanley
Foto: site ITM Offshore Ltd.

Como um exemplo colhido de revistas técnicas especializadas, procuramos condensar informações sobre um terminal para conteineres, não-convencional, construído sobre flutuantes para servir aos ingleses no recente conflito nas ilhas Malvinas/Falklands.

Cabe ressaltar que o sistema portuário brasileiro tem exemplo de instalações portuárias com cais flutuante, como é o caso do porto de Manaus, construído no início do século (N.E.: século XX) segundo projeto inglês para exploração comercial do porto por parte da Manaos Harbour, sucedida pela atual Administração do Porto de Manaus. Essas instalações, com modificações em relação ao acesso aos flutuantes, encontram-se funcionando até hoje com eficiência.

Ainda existem dois outros exemplos brasileiros de projetos de portos flutuantes que merecem citação: a ampliação do porto fluvial de Porto Velho, em Rondônia, e os portos fluviais construídos na Amazônia.

Em Porto Velho, as instalações consistem de uma ponte de acesso apoiando-se, de um lado, em terra, e do outro sobre um flutuante, que é contido por um quadro de pilares, dentro do qual acompanha a variação de nível do rio. A esse flutuante são atrelados outros flutuantes que constituem o cais, sobre o qual é possível a instalação de guindastes, e que permite atracação de navios.

No outro exemplo, referente a portos fluviais construídos na Amazônia, nas cidades de Tabatinga e Coari, ambas no Rio Solimões, e as cidades de Itaquatiara e Parintins, ambas no Rio Amazonas, as instalações portuárias flutuantes se constituem de chatas especialmente construídas e dispostas de tal forma que uma serve para acesso, outra para cais, perpendicularmente à primeira. São instalações essencialmente menores do que as de Manaus e Porto Velho, servindo como embarcadouros quase rudimentares.

Cais flutuante (Cais do Roadway) de Manaus, ainda na épora pré-conteinerização
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 17/1/1982

Terminal para conteineres nas Malvinas/Falklands - Após o recente conflito nas ilhas Malvinas/Falklands, tornou-se necessário e urgente o desenvolvimento do porto local, principalmente em relação à movimentação de conteineres.

A solução do problema foi um novo conceito, que poderá vir a ser utilizado em qualquer outro lugar, chamado de Flexiport pela firma inglesa ITM Offshore Ltd., que o projetou. Esse novo conceito atendeu às exigências tecnológicas do programa Falklands Interim Port and Storage Systems (Fipass), o Sistema Provisório de Portos e Armazenagem das Falklands, pelo qual o governo britânico abriu licitação para ser planejado, fabricado, transportado, instalado e colocado em operação, num prazo máximo de cinco meses, um novo porto em Port Stanley, nas Malvinas/Falklands.

Vista lateral do Cais do Roadway, preparado para variações comuns de 14 m no nível das águas
Foto: Carlos Pimentel Mendes, em 17/1/1982

Flexiport - O novo conceito, que a ITM Offshore Ltda. chamou Flexiport, é de concepção simples. Consiste na adaptação de chatas de 4.000 t, aproximadamente, usadas na navegação costeira de apoio. As chatas, interligadas duas a duas, em geral uma para armazenagem e outra para servir como cais, formam conjuntos que são ancorados em dolphins e se ligam a instalações de terra por meio de uma ponte de acesso.

As chatas são grandes, com 91,4 m de comprimento por 27,4 m de largura, podendo suportar cargas no convés de 15 t/m². São construídas com 36 subdivisões internas, de tanques de lastro; o conjunto possui proteção contra danos e impactos, por exemplo, quando a embarcação atraca com fortes ventos - acontecimento normal no clima das Malvinas/Falklands. Qualquer dano desse tipo pode ser facilmente reparado por equipes de manutenção no local.

O conjunto principal consiste num conjunto de seis chatas, das quais quatro servem como armazéns cobertos, duas são descobertas para servirem como cais para atracação, com mais uma chata pequena, na extremidade, para ligar o conjunto à ponte de acesso. O conjunto possui cerca de 36 mil m³ de armazenagem coberta e aproximadamente 5.000 m² de área aberta no cais, com os tanques de lastro oferecendo espaço adicional para líquidos.

Cada chata é interligada à outra por meio de uma ponte para veículos ou tripulação, de modo que haja total flexibilidade de circulação sobre toda a área. O cais principal totalizou 300 m. As chatas são amarradas aos dolphins, que foram instalados com um sistema de defensas pneumáticas para absorver os impactos de atracação. Na realidade, a ITM afirma que por duas vezes houve colisões de embarcações com as ligações entre as chatas, mas que apenas curvaram as barras, que puderam ser reparadas.

As chatas foram construídas pela firma britânica Harland and Wolff, que fez a conversão efetiva das mesmas. Em dois meses após a concessão do contrato, as três primeiras estavam prontas para serem transportadas para Port Stanley. Na realidade, a ITM decidiu que era mais seguro e rápido transportá-las por navio especializado para cargas pesadas. O primeiro transporte, dessas primeiras três chatas abertas, levou 22 dias de viagem, enquanto a estimativa calculada para que fossem rebocadas flutuando era de 60 dias.

As chatas cobertas foram utilizadas para colocar as estacas e construir os dolphins de amarração, o que levou duas semanas. A ponte de acesso do conjunto às instalações de terra, com extensão de 200 m, foi instalada 48 horas após sua chegada, sendo colocada a flutuar apenas em lastro. Na realidade, ela não está ancorada mas sim flutuando, pois a profundidade em Port Stanley no local é de 20 pés, com uma variação de maré de 5 pés. Na ponte de acesso, o carregamento por eixo simples é de, no máximo, 30 toneladas.

As chatas cobertas proporcionam não só lugar para armazenagem, mas também instalações para uma oficina modular, além de acomodações, sendo a água potável produzida fora. O espaço para a carga tem uma altura livre de 5 m, no interior dos armazéns, sem nenhum suporte interno.


Instalação Flexiport sendo embarcada em um navio semi-submersível da armadora Divy,
especializado em transporte de cargas pesadas, no lago Bangor (Belfast, Irlanda do Norte)
Foto: site Harland & Wolf Ltd.

Operacionalmente, é possível ancorar uma embarcação ro-ro na extremidade da ponte de acesso, a rampa abaixada, no alinhamento das barcaças, enquanto outros navios podem operar normalmente atracados no cais aberto. A experiência mostrou que as áreas do cais, no convés aberto da chata, tornavam-se escorregadias com o trabalho constante, especialmente no tempo úmido, porém atualmente estão sendo realizadas pesquisas sobre a utilização de tintas resistentes para evitar que os conveses fiquem escorregadios nas áreas de cais aberto.

O custo total do Flexiport está estimado em 23 milhões de libras, mas foi admitido pelo ITM como sendo um preço especial. Entretanto, a resposta da economia funciona de tal modo que o projeto se pagará em dois anos, e por apenas uma fração do custo de uma instalação convencional.

Apesar de ser uma estrutura de aço, com tempo de vida bem longo, o Flexiport é uma medida provisória e espera-se que seja substituído por uma nova instalação portuária permanente, com previsão de deixar de ser usado em 1988. O Flexiport poderia então ser transportado para outro lugar ou comprado de volta para o Reino Unido, total ou parcialmente.

Entretanto, a ITM não vê o Flexiport como provisório. Eles crêem que a expectativa de vida é de pelo menos 30 anos para as novas chatas e que há um potencial para esse tipo de projeto em muitos lugares do mundo. De acordo com isso, projetos têm sido desenvolvidos para consertar plataformas de petróleo em mar aberto, operar conteineres como um terminal especializado (se for completado com um porteiner), atuar como uma base em mar aberto para transbordo de granéis etc. Sistemas semelhantes para o Ártico e para hidrovias interiores foram projetados.

Marca da ITM em seu site Web

Com uma variedade tal de aplicações possíveis, a ITM tem estudado com cuidado pontes de acesso em regiões pantanosas, pontes e dolphins de amarração de acordo com características locais, de modo a proporcionar um grande número de possibilidades de emprego do Flexiport. Estão sendo estudados passadiços simples ou multi-passadiços, que podem receber lastro ou, ainda, que sejam flutuantes porém amarrados a estacas ou fixados por ancoragem. Dolphins de amarração podem ser construídos com estacas de modo a poderem receber guindaste etc.

Na realidade, todo o conceito se baseia numa flexibilidade total ao se projetar, visando ao atendimento de necessidades específicas e, segundo informações, a Indonésia, a Índia e a China já demonstraram interesse para aplicações do sistema sob um ponto de vista civil, enquanto os EUA de um ponto de vista militar.

Parece não haver dúvida de que, apesar do Flexiport ter sido criado como medida provisória para atender solução de emergência, o conceito veio para ficar e ainda poderá vir a ser adaptado a muitas instalações portuárias do futuro, ou mesmo servir de embrião para novas idéias que poderão se desenvolver como soluções a desafios até agora julgados insuperáveis.

Cais flutuante do porto de Itacoatiara, no rio Amazonas: rudimentar, mas funcional
Foto: Administração do Porto de Manaus, em agosto de 1989

(*) Paulo Romano Moreira, especialista vinculado à Empresa de Portos do Brasil S.A. (Portobrás, de economia mista). Palestra proferida durante o I Encontro Nacional de Engenharia Portuária, em Guarujá/SP, em setembro/1986.

Em consonância com a posição da seção, face à existência de um conflito internacional sobre a questão, a denominação de Ilhas Malvinas usada originalmente no trabalho foi substituída por Malvinas/Falklands.

Port Stanley, nas Malvinas/Falklands, visto de um navio atracado no cais, cerca de 1985
Foto: site Cool Antarctica

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