CONTÊINER...
Conteinerização no Brasil: panorama em 1992
Início da última década do século XX: discutia-se muito a reformulação geral na atividade portuária, com os preparativos para a entrada em
vigor da Lei de Modernização dos Portos, que surgiria em 1993, modificando costumes trabalhistas e empresariais quase seculares.
A conteinerização das cargas tinha um importante papel nesse debate. Na edição de 10 de novembro de 1992, era publicado no caderno semanal Marinha Mercante em Todo o Mundo do jornal O Estado de São Paulo
este artigo/palestra do presidente da Câmara Brasileira de Conteineres (CBC), que fazia uma radiografia do setor, começando pela inquietação com o destino a ser dado aos scraps, os conteineres inservíveis para o transporte:
Embarque de contêiner em navio atracado no Tecon da margem esquerda do Porto de Santos
Foto: Boletim Estatístico Mensal da Codesp, novembro de 1989
Conteiner: presente e futuro
Sílvio Vasco Campos Jorge (*)
A CBC vem trabalhando com afinco desde o final do ano passado para encontrar uma solução definitiva para o problema da permanência, no Brasil, dos
conteineres inservíveis para o transporte marítimo e terrestre. Hoje é um problema sério que se apresenta, pois no mundo já foram regularizados mais de dois milhões e meio de unidades inservíveis, enquanto que no Brasil ainda não temos uma
legislação específica.
A falta desta legislação está causando séria preocupação e inquietação a todas as partes envolvidas no setor. Para citar alguns, destacamos armadores, companhias leasing,
terminais de conteineres etc.
Pela legislação atual, caso um conteiner se torne inservível para o transporte, seu proprietário ou responsável é obrigado a convocar um fiscal da Receita Federal e, na sua presença,
destruir o conteiner em pedaços que não poderão ter mais de um metro quadrado. O custo desta operação com o oxigênio, mais a mão-de-obra, fica por US$ 150 por conteiner de 20 pés. Após o corte, os pedaços deverão ser carregados e transportados para
um vazadouro público, que no Rio de Janeiro está localizado no quilômetro zero da Estrada Rio-Petrópolis, cujo custo de transporte será de US$ 50, perfazendo um total de US$ 200 por conteiner de 20 pés. Somente com o documento de entrega no
vazadouro público é que poderemos dar baixa da unidade.
Caso o conteiner não esteja totalmente enferrujado ou amassado - de modo que ainda possa ser utilizado para outra finalidade como residência, defesa civil, canteiro de obra, unidade de
armazenagem estática, escola rural e uma infinidade de aplicações, inclusive como foi a construção da nossa Estação Científica na Antártida -, o armador, a leasing ou o seu responsável será obrigado a arcar com o custo de transporte para
outro país onde esta atividade já está regulamentada, pois estas unidades não poderão permanecer em território nacional até 31/12/1992, de acordo com a Normativa 102 - ou então pagar todos os impostos para sua nacionalização.
A preocupação maior é com as companhias leasing, que são responsáveis pelo fornecimento dos conteineres utilizados no comércio exterior brasileiro. Esta preocupação prende-se ao
fato de que a nossa participação mundial neste mercado (aluguel) não chega a representar 1%. Com esse dado, é fácil imaginarmos o que poderá acontecer com a sua comercialização no Brasil.
Especialistas no assunto acabam de dar entrada a um pedido junto às autoridades competentes com sugestões para a solução desse problema.
Outro assunto que já chegou ao conhecimento da CBC é a obrigatoriedade, com a implantação do Siscomex, de que todas as cargas de exportação só poderão ser operadas por terminais que já
tenham a concessão de Terminal Retroportuário Alfandegado (TRA), ou em Zonas Primárias (portos).
É do conhecimento de todos que hoje, no Brasil, só existem oito terminais autorizados a operar como TRA: seis em Santos, um no Rio de Janeiro e um em Salvador. E que esses terminais já
estão com suas capacidades de movimentação praticamente saturadas somente com as cargas de importação.
Quanto à estufagem de conteineres dentro da Zona Primária, todos nós sabemos das inúmeras dificuldades que se apresentam, cuja obrigatoriedade representaria um retrocesso de 20 anos nas
exportações em conteineres.
A CBC, juntamente com a ABE (N.E.: Associação de Comércio Exterior), Syndarma (N.E.: Sindicato
Nacional das Empresas de Navegação Marítima) e Centro Nacional da Navegação Transatlântica, estão preparando um documento que será apresentado às novas autoridades governamentais, mostrando os prejuízos e o colapso que
acontecerá com as exportações brasileiras, caso essa medida venha a ser implantada.
A CBC está trabalhando, também, na revisão da Normativa 109, que regulamenta a entrada do conteiner estrangeiro e seus acessórios em território nacional, destacando-se os seguintes
pontos:
1) Simplificação na internação do conteiner para uso no território nacional.
2) Simplificação na entrada em território nacional de componentes que são específicos para o funcionamento de conteineres tanque, frigoríficos e dry.
3) Incluir como conteiner os novos produtos (unidade de carga) que já estão em uso em outros mercados internacionais.
A CBC vem participando ativamente nos Grupos de Trabalho da ABNT (N.E.: Associação Brasileira de Normas Técnicas) com voto sobre
a aceitação ou não do Brasil da entrada em tráfego no nosso trading nos conteineres de 48 pés (N.E.: tipo de conteiner extra-comprido e extra-alto, que algumas multinacionais intentavam introduzir na navegação
internacional, mas que acabou não sendo aprovado pelas entidades de normatização).
A CBC está participando dos estudos junto à CNT (N.E.: Confederação Nacional dos Transportes) e agora também com o Geipot
(N.E.: Grupo Executivo para o Transporte Multimodal) e a Rede Ferroviária Federal sobre a ligação multimodal no eixo Rio/São Paulo, cuja saturação da Dutra (N.E.: Via
Dutra, entre as duas capitais estaduais) está chegando ao seu ponto máximo.
Sobre o futuro do conteiner no Brasil, se olharmos pelos dados estatísticos que foram apresentados ao longo dos últimos anos, não dá para servir de parâmetro, pois o último que consultei
dava uma movimentação de um milhão e trezentos mil TEU já em 1990, dado este que ficou bem além dos novecentos e quarenta e cinco mil TEU movimentados em 1990, como também aos um milhão de TEU movimentados em 1991. Pelas informações que tenho até o
momento, a movimentação para 1992 deverá ser igual à do ano passado.
Sobre novos mercados, temos que acreditar que o Brasil, com todo seu vasto território e com as diversas dificuldades de transporte, será obrigado a desenvolver um transporte multimodal
nacional, onde certamente o conteiner terá que ser utilizado obrigatoriamente. Além do nosso mercado, deverá haver um incremento no transporte multimodal com o uso do conteiner entre os países que fazem parte do Mercosul, pois teremos várias cargas
saindo do interior de um determinado país para o interior de outro país, utilizando-se mais do que um modal.
Convém destacar, por último, os vários acordos que já foram assinados para o desenvolvimento do transporte fluvial nos rios Paraná/Paraguai, onde estarão envolvidos cinco países
(Bolívia, Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina), cujo desenvolvimento passará, também, pelo conteiner, como o instrumento mais adequado ao transporte de bens manufaturados, ao longo de todo seu trajeto, ou seja, desde Cáceres, no Brasil, até
Buenos Aires, na Argentina.
Nós, que atuamos há vários anos no ramo de conteineres, sabemos que a conteinerização no Brasil já progrediu muito, principalmente com a introdução nos últimos anos da informática no
setor. Com isso, o empresário brasileiro ligado ao setor está plenamente qualificado a responder positivamente a qualquer aumento da demanda do uso do conteiner, tanto no mercado nacional como no mercado internacional.
(*) Presidente da Câmara Brasileira de Conteineres (CBC) |
Na mesma edição, era também destacada a palestra do presidente da CNT:
Brasil muda na onda neo-liberal, diz Thiers "Diante da onda neo-liberal que domina o cenário
econômico internacional, o Brasil também deverá evoluir da fase de Estado empresário e detentor dos grandes investimentos, para o Estado provedor do bem-estar social, preocupado mais com os aspectos da saúde, da educação e do desenvolvimento
harmônico, onde se procurará corrigir as enormes distorções e defasagens existentes entre as várias regiões e classes sociais do País".
A colocação foi feita pelo presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Thiers Fattori Costa, ao falar sobre "A Evolução do Multimodalismo no Brasil", durante o I Congresso
Nacional de Conteiner e Transporte Multimodal, realizado recentemente no Rio de Janeiro. Costa destacou em sua conferência o trabalho produzido na 1ª Conferência Nacional para Integração e Desenvolvimento do Transporte, ocorrida em maio, em
Brasília, onde são analisados diversos aspectos da multimodalidade no transporte, ou seja, sua evolução, a experiência internacional, os principais problemas e as propostas para a efetiva consolidação do transporte multimodal no Brasil.
"Transporte multimodal não é integração simples de duas ou mais modalidades de transporte", frisou o presidente da CNT. "Esta talvez seja a mais importante conceituação para o multimodalismo
no transporte, já que a simples reunião de transporte por várias modalidades não representa nenhuma vantagem operacional relevante, podendo até significar maiores riscos de perdas e avarias nas diversas operações de carga, descarga e transbordo
envolvidas".
Na opinião de Costa, o conceito de multimodalismo pressupõe uma filosofia de serviços porta-a-porta, onde o usuário contrata a realização de toda a movimentação com um Operador de Transporte
Multimodal (OTM). Este, por sua vez, subcontrata as operações nos diversos segmentos, responsabilizando-se, junto ao usuário, pelo deslocamento global, sob comando gerencial único e sob a garantia de um conhecimento multimodal, englobando todas as
modalidades e suas condições particulares de fretes e seguros.
O documento CNT'92 procurou sintetizar as diversas ações necessárias à efetiva consolidação do transporte multimodal no Brasil e previu que, a curto prazo, entre 92 e 94, essas ações seriam
concentradas nos campos institucional, administrativo e operacional, dado que o Estado não terá recursos no nível necessário para fazer a modernização, a expansão e os necessários ajustes em todo o sistema de transporte do País, para o
funcionamento de redes intermodais cobrindo todo o território nacional e apoiando eficazmente o comércio exterior, principalmente com os países da América Latina.
Em 1993, a armadora norueguesa Ivaran alterou sua frota de navios de longo curso, vendendo o navio porta-conteineres Salvador, construído em 1976, que assim chegava ao porto de Santos
pela última vez na linha da Ivaran para o Norte Europeu, em 26/3/1993
Foto: divulgação. Publicada em Marinha Mercante em Todo o Mundo/OESP em 30 de março de 1993
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Também nessa edição, a análise do representante dos exportadores:
A importância do transporte multimodal
Luís Cesário Amaro da Silveira (*)
O crescimento do comércio internacional, onde competir é requisito básico, recomenda soluções que melhorem as condições de oferta - aí incluindo, obviamente,
menores preços.
A fórmula utilizada tem sido a da livre negociação, procurando os países se agruparem em blocos, buscando dessa forma economia de escala. A receita é antiga, porém demonstrou ser a única
eficiente e, por isso mesmo, está sendo utilizada.
Na Ásia vemos o aumento impressionante dos chamados tigres asiáticos, superando deficiência de matérias-primas, com tecnologia e marketing agressivo, e obtendo superávits
excepcionais nas suas balanças comerciais.
Na Europa, o Mercado Comum Europeu visa fortalecer o comércio entre os países que o integram e, ao mesmo tempo, propiciar melhores condições de competição com países da Ásia e da América.
Alguns países da América, com o mesmo objetivo, se agregam ao Nafta e no Mercosul. Neste último, juntamente com Argentina, Uruguai e Paraguai, se insere o nosso país.
De acordo com o que foi resolvido pelos países-membros do Mercosul, as tarifas vão progressivamente diminuindo - o que já vem ocorrendo -, até atingir a tarifa zero em janeiro de 1995. Como
resultado, já se verifica um aumento do comércio dessa área, com ascensão da Argentina para a posição de segundo parceiro comercial do Brasil.
Para operacionalizar esses acordos políticos torna-se necessária, e mesmo imprescindível, a modernização e a melhoria da infra-estrutura, aí incluídos portos e sistemas de transporte.
Com referência ao problema portuário, já foi encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional o PL nº 8/91, atual PL 66/92, que objetiva menores custos e conseqüentemente melhores condições de
competição no mercado internacional.
O sistema de transporte nacional está exigindo uma rápida modificação na sua atual matriz. Indica também uma necessidade de utilização maior do sistema multimodal para que possam ser
utilizados os benefícios de preços que cada modal pode oferecer, de maneira a tornar nossos produtos mais baratos e mais competitivos.
Atualmente o sistema rodoviário responde por 56% das cargas transportadas, a ferrovia por 22%, o aquaviário 21%, o dutoviário e aéreo 1%.
Tal matriz, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), faz com que a soja produzida na área de Rondonópolis pague de frete interno no Brasil o
eqüivalente a 25% do custo da soja na fazenda. Esse percentual cresce à medida que aumenta a distância, chegando, em algumas regiões do Mato Grosso, quase a dobrar. Esse percentual é, em média, de 8% nos Estados Unidos e 10% na Argentina.
Tal situação justifica a decisão da construção, pela iniciativa privada, de duas ferrovias; a Ferronorte como extensão do sistema Fepasa e RFFSA, no Centro-Oeste, e a Ferroeste, como extensão
da RFFSA no Paraná.
Também explica a conclusão e extensão da Ferrovia do Aço pela MBR e ainda uma série de projetos de melhoramentos de ferrovias, aquisição de locomotivas e de vagões feitos por diversos grupos
privados como Votorantim, Quintella, Richco e outros.
Além disso, pelo melhor rendimento e menor consumo do diesel nos modais hidroviário e ferroviário, a utilização do sistema multimodal representa uma economia desse combustível, que em grande
parte ainda é importado e tem o seu preço subsidiado.
Devemos lembrar, ainda, que a utilização de um sistema de transporte racional e menos dispendioso vai ajudar a economia das zonas produtoras mais afastadas e representará uma enorme
contribuição social pela maior capacidade de geração de empregos. Servirá também para diminuir o fluxo migratório que tem se verificado do interior para as cidades, nas últimas décadas, criando enormes problemas sociais nos grandes centros.
Podemos ainda aduzir que o transporte multimodal trará grande contribuição para conservação e segurança das nossas rodovias, ao destinar para os sistemas aquaviário e ferroviário o transporte
de granéis e cargas pesadas. É preciso destacar que o transporte multimodal, para funcionar bem, necessita que todos os sistemas que o integram sejam eficientes, e para isso é preciso que haja um tratamento que não diferencie ou privilegie qualquer
sistema isoladamente.
No sistema multimodal, as menores distâncias são feitas sempre por caminhões, que alimentam sistema hidroviário ou ferroviário, evitando dessa forma os altos custos que ocorrem, como por
exemplo no escoamento de uma safra do Centro-Oeste com transporte rodoviário superior a 2.000 km.
O aumento da utilização de conteineres, elo de integração dos modais, bem demonstra a tendência do emprego do sistema integrado de transporte. Está sendo empregado atualmente nos Estados
Unidos e na Europa o sistema roadrailer, que permite a utilização da própria carreta nas rodovias tracionadas por cavalo-mecânico, ou a mesma carreta acoplada com outras nas ferrovias, constituindo um trem unitário tracionado por uma só
locomotiva. A economia obtida começa pelo menor número de cavalos-mecânicos que tal sistema necessita, além da economia de combustível, pneus, motoristas e desgaste do material de maneira geral.
Tendo em vista que nos próximos dias 19 e 20 de novembro, no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, será realizado pela AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil) o XII Enaex - Encontro
Nacional de Comércio Exterior, consideramos ser essa uma excelente oportunidade para que exportadores e autoridades possam discutir esses problemas, mesmo porque um dos painéis tratará de transporte e modernização dos portos.
(*) Luís Cesário Amaro da Silveira é conselheiro da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) |
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