Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/porto/contei25.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/24/03 15:08:34
Clique na imagem para voltar à página inicial da série Contêiner...

CONTÊINER...
Intermodalismo e o Brasil

Leva para a página anterior

As significativas mudanças introduzidas nos transportes de cargas mudou muito a correlação de forças entre os diversos países competidores no comércio mundial, abrindo novos espaços e provocando uma ampla revisão de conceitos quanto a valores e estratégicas mercadológicas. Esse foi o tema de uma palestra realizada em São Paulo, como relatou o editor de Novo Milênio, então responsável pelo caderno semanal Marinha Mercante em Todo o Mundo do jornal O Estado de São Paulo, na edição de 2 de setembro de 1986:
 


Ferrovia chegou ao Tecon da margem esquerda do porto santista, com pontes sobre o Estuário
Foto: Boletim Estatístico Mensal da Codesp, setembro de 1981

I TRANSTRADE
"Brasil precisa levar carga à porta do comprador, usando o intermodalismo"

"O exportador tem hoje condições de correr à frente do FOB (N.E.: free on bord, livre a bordo - modalidade de comercialização internacional em que a carga passa oficialmente à responsabilidade do importador no momento em que é colocada a bordo do navio) e vender diretamente no destino, e ter ganhos adicionais no transporte terrestre no destino", citou Mário Márcio C. Guimarães, da Integral Internacional Freight Forwarders, em sua palestra sobre "A conveniência do transporte intermodal", apresentada em São Paulo durante o I Transtrade e III Encontro Nacional de Traders.

Inicialmente, ele apresentou um panorama da atual situação do transporte marítimo de carga conteinerizada: "Todos sabemos que com a introdução do around the world service (serviço volta ao mundo), uma revolução no transporte marítimo ocorreu. A mais importante fez com que as teorias do subsídio cruzado, adotadas no passado, caíssem por terra. Essa teoria do subsídio cruzado era de que produtos com valor FOB mais elevado deveriam ter um frete mais alto com o intuito de pagar por mercadorias pobres que teriam um frete mais baixo. Um exemplo seria o material eletrônico, que pagaria US$ 300 por tonelada, e uma tonelada de madeira, US$ 70. Então, a receita do armador seria US$ 370 com duas toneladas de frete, e na realidade o frete médio da tonelada seria de US$ 185. Esta teoria realmente caiu por terra.

"A segunda revolução foi a drástica redução do valor do frete FAK (Freight All Kinds). Por exemplo, em certos trades no exterior nós tínhamos em 1981 um box rate médio de US$ 1.400, hoje está por US$ 850. Por que isso aconteceu? Simplesmente, foi a economia de escala. Tínhamos navios no passado com capacidade máxima de 1.000 TEU. Hoje, temos navios com capacidade de 5.000 TEU, ou seja, a capacidade do navio aumentou cinco vezes. Tendo em vista que o custo de navegação é 43% do custo total, o frete FAK despencou.

"Bem, os armadores chegaram à conclusão de que sozinhos não ia dar, e começaram a introduzir os famosos consórcios de navegação marítima. Ou seja, tendo em vista que um navio destes custa US$ 50 milhões, ele sozinho não vai entrar, não é trouxa. Ele chama 5, 6, 7 armadores, entra num consórcio, e o consórcio opera o navio. Para isso, é necessária a especialização do transporte marítimo em si, porque dificilmente haveria possibilidade de operar um navio desse porte e ainda fazer o land (N.E.: transporte terrestre) nas pontas. Temos um exemplo clásico de uma empresa que não fez o consórcio e hoje em dia está apertada, a United States Lines. A USL resolveu bancar sozinha a construção de 8 a 9 navios desse nível de preço (N.E.: foram 12), e infelizmente entrou numa competição Cut Throat (N.E.: "corte profundo") com a Evergreen, e não se sabe quem vai perder, porque as duas estão tentando se equilibrar mas o custo do capital é muito elevado.

"O europeu, que é mais esperto, entrou mais no esquema do consórcio. Nós temos hoje navios para 4.000 conteineres, com 12 armadores, donos desses navios. Donos, vamos dizer assim, dos slots - o slot é o espaço ocupado por um conteiner de 20 pés num navio -; então, por exemplo, um armador fica com 500, outro com 1.000, outro com 600, outro com 900, e por aí vai. Então, a capacidade financeira dele vai determinar quantos slots ele poderá ter naquele navio. Então, o capital de giro necessário e o total do investimento vão ser em função do capital de sua empresa. Com isso, eles reduzem o transit-time (N.E.: tempo de viagem entre os portos de origem e destino) do navio, diminuindo o número de escalas - em vez de escalar doze portos, escala três. Segundo: diminuem a estadia no porto; e terceiro, aumenta a rotatividade do navio anualmente - então, a capacidade estática do navio se multiplica se for aumentada sua rotatividade. Eles se especializaram - e estão cada vez mais se especializando - no transporte marítimo em si.

"Com isso, surge no cenário mundial do shipping a figura que chamamos de transportation system company (TSC), que é um misto de freight forwarder (transitário) internacional e NVOCC (non vessel operating common carrier) (N.E.: NVOCC é uma espécie de armador sem navio próprio). Esse espaço que o armador cede para a especialização do transporte está sendo paulatinamente ocupado por essas empresas já mencionadas.

"Essas empresas vão se especializando em operações de transporte intermodal, utilizando o navio no modal marítimo. Ou seja, o navio vira simplesmente um transportador de carga para outro porto. Já não é a função específica do armador entregar a carga no destino final (inland). Ele é transportador de um conteiner que já está consignado para outro lugar que não seja o porto, somente no modal marítimo.

"O armador, hoje, sabe que não tem condições de criar um departamento intermodal em sua empresa, já que ele fica preso à regularidade de seu navio, enquanto que as grandes empresas TSC utilizam todos os armadores para que tenham regularidade em seu serviço. A freqüência de um TSC pode ser quase que diária, dependendo do destino, enquanto que se um armador for montar um departamento de transporte intermodal, vai entrar pelo cano, pois não vai ter navio todo dia. Nesse caso, dificilmente ele conseguirá encher um navio, brigando com o TSC, que terá opções diárias no porto.

O TSC tem condições de barganhar o frete em níveis mais baixos e repassar para o cliente exportador.

"Ao mesmo tempo, a quantidade de carga que um TSC possui, tendo em vista que ele atua com muitos exportadores, é grande. Com essa quantidade de carga que ele está coordenando, tem um poder de barganha com o armador que o exportador por si próprio não teria. Ou seja, eu tenho um conteiner, vou lá tentar uma redução no frete, não consigo, porque eu tenho um só. Então, eu entrego ao meu TSC, que pega um aqui, outro ali, e pega 100. Com eles, o TSC chega ao armador e diz que tem 100 conteineres para embarcar no navio, mas quer redução de 20%. O TSC nesse caso tem condições de barganhar o frete em níveis mais baixos e repassar para o cliente exportador.

"Há um ganho também para o exportador no nível de carga embarcada pelo TSC, pois ele faz parte de um microcosmo que jutnamente com os outros faz um volume grande de mercadoria que poderá obter redução especial no frete.

"O armador também ganha com isso, porque com a existência desses serviços deixa de existir o ships convenience (N.E.: unitização da carga por conveniência do armador, que assume então esses custos), porque o mesmo não vai mais receber 500 quilos de um, três toneladas do outro etc., o que para ele não interessa. O que interessa são 4.000 conteineres, 3.000 conteineres. Ele raciocina em outra esfera. Vai haver o fim do ships convenience para o armador, e deixar de existir o LCL (N.E.: less than container load, lote de carga inferior à capacidade de um conteiner, enquanto FCL designa o conteiner plenamente carregado), que será transformado em FCL (full-container load) pelo TSC.

"Ao mesmo tempo, na parte operativa (no Brasil ainda não é tão definida como no exterior) nós temos o container freight station e o container yard. O container yard é exatamente onde ficam os conteineres FCL que irão direto para o costado do navio. O container freight station é a área que recebe a carga break bulk (N.E.: carga geral solta), onde será feita a operação de estufagem. Com o término do LCL, o armador não terá que trabalhar com os dois tipos de terminais. Operativamente só trabalhará com o conteiner yard. Quem conhece o porto sabe que operar com dois terminais um navio é uma loucura.

"Com isso tudo, o que está acontecendo hoje é que nesse novo dimensionamento o exportador tem condições de colocar sua mercadoria em qualquer lugar do mundo, tem condições de correr à frente do FOB e entregar a mercadoria no destino final. Ele expande seu controle até um FOI Zurique (N.E.: FOI = free on inland, modalidade de exportação em que a carga é entregue ao importador, já com todos os custos embutidos no preço de venda, em local designado no interior do continente), por exemplo. Na norma ICC 400 temos cinco ou seis modalidades de fazer esse tipo de venda. Então, o exportador tem condições de ter ganhos adicionais no transporte in land no destino. Terá um documento, que nós chamaríamos de Combined Transport Document (Combidoc), que permite a negociação do crédito no banco (entregando a carga onde quer que seja) e receber o mesmo não embarcando a carga no navio (shipped on board) mas sim entregando a essas empresas especializadas (recepted for shipment). É um documento que já existe em todo o mundo ocidental, e creio que logo chegaremos lá, porque já é previsto no ICC 400 (norma que rege as trocas internacionais de crédito documentário).

"O que eu sinto hoje é que no Brasil, não sei se por falta de conhecimento ou falta de ambição por ganho adicional, não existe essa necessidade ou essa curiosidade de se tentar vender lá, na fábrica do comprador. Normalmente, quando se conversa com o exportador, ele diz que sua venda é FOB ou CIF porto não-sei-o-quê. E não quer mais saber de nada.

"É um ledo engano, porque usando certas empresas especializadas, o ganho - inclusive o do destino - pode ser repassado para o exportador. Seu importador talvez tenha que pagar um frete muito superior porque está importando um conteiner. Mas, se aquela empresa que faz aquele tipo de operação consegue colocar em Zurique 100 conteineres, o frete que ela vai ter de in land de Gênova para Zurique vai ser de, por exemplo, US$ 450 por conteiner de transporte ferroviário, enquanto se fosse um, vai sair por US$ 800.

"Existe portanto a possibilidade de que essa diferença de frete no in land no exterior seja ganha pelo exportador brasileiro. Então, é hora de se botar no bolso os adicionais que o importador pagaria tendo em vista a quantidade mínima de carga que está importando. É um lucro adicional, que não vejo hoje ninguém preocupado com ele.

"Hoje, por exemplo, você quer mandar carga para o Hawaii. Veja o jornal: para o Hawaii não há navio. Mas, você tem condições, utilizando os TSC, de colocar carga em qualquer lugar do mundo, fazendo o transbordo, claro, que é previsto no ICC 400, caso vá em conteiner (break bulk é outro caso, já não seria permitido). Temos condições de colocar qualquer carga documental/fisicamente em Honolulu, não diretamente porque não tem navio direto, mas via Los Angeles. Quer dizer, é hora de se começar a pensar em se ganhar o máximo que se pode em cima do frete, não só marítimo, mas em todos os modais existentes até o destino final. Está na hora do Brasil começar a atingir a porta do comprador, deixar esse negócio de vender FOB ou CIF só e começar a ganhar em cima deles, pois eles ganham em cima da gente há muito tempo.

"É claro que para isso é necessário, primeiro, firmas que tenham representantes no destino, porque vai haver mudança de propriedade da mercadoria em si, e não é qualquer um que faz esse tipo de operação", completou o palestrante.

Por sua vez, Inácio J.O. Gusmão, da Nautilus, citou: "Nós precisamos vender CIF e comprar FOB. Temos de negociar o frete desde a porta do exportador, no caso da importação, até a nossa porta, e vice-versa. Nos EUA existe a figura do NVOCC, que é o non vessel operating common carrier, que já foi aprovado no Brasil, na importação, e estão nas esferas governamentais tentando aprovar o OTM (N.E.: Operador de Transporte Multimodal), que seria a mesma coisa agora ao inverso, mas que vai demorar algum tempo, pois o País não tem uma rede ferroviária e rodoviária suficiente; ademais, temos uma área geográfica muito grande para o intermodalismo; nos EUA você tem uma concentração, com uma rede ferroviária perfeita e rodoviária, enquanto no Brasil você tem meia dúzia de exportadores em Campinas, no Vale do Paraíba, falando só em São Paulo, e fica difícil conseguir consolidar. Com o tempo e empresas especializadas, isso será possível".

Leva para a página seguinte da série