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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ
Invasões, a face oculta do município

Os turistas geralmente não conhecem este outro lado, o das mazelas

Se para os turistas a cidade está bem à vista, muitos de seus problemas formam uma outra face de Guarujá, com suas favelas, como foi registrado, em 1º de julho de 1967, na edição de lançamento do agora extinto jornal Cidade de Santos (exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda):

Eis a face oculta de Guarujá

Guarujá do turismo não tem segredos, está à vista de todos. É a zona urbana da cidade: praias bonitas, ruas asfaltadas, arranha-céus, casa de engenharia arrojada, jardins e praças bem tratados.

A outra face do Município, que engloba o Distrito de Vicente de Carvalho (antiga Itapema) e os demais bairros da zona suburbana, essa é diferente. Ali vive a população de 365 dias por ano. O povo que sofre os problemas de falta de água, luz, urbanização, escolas e assistência médico-sanitária.

Nos fins de semana, ou na temporada, os 123 km² de Guarujá (toda a ilha de Santo Amaro) mostram só o lado alegre do mundo.

Muita pressa atrapalha - Guarujá cresceu depressa e por isso sofre. A rede de esgotos, por exemplo, é privilégio da praia das Pitangueiras, ou menos que 5% da área do Município. Apenas no centro da cidade todas as ruas são pavimentadas, enquanto nos bairros só escapam à terra as vias principais (com isso, áreas antes cobertas de mangue ficam alagadas quando chove). A distribuição de água também é deficiente e quem bebe de torneira sabe que ela é apenas clorada e nada mais.

Grupos escolares, só dois, um na zona urbana e outro em Santa Rosa. Em Vicente de Carvalho há um grupo do Estado e tempos atrás o Mercado Municipal daquele distrito também foi usado para a instalação de algumas classes. Escolas isoladas municipais estão espalhadas pelos bairros, mas não são poucas aquelas em que apenas funcionam os dois primeiros anos. Bons motivos para que o número de vagas esteja sempre abaixo da procura.

O Ginásio Estadual já foi transformado em Colégio, no papel. Por enquanto, os estudantes secundários esperam a construção de duas classes para a instalação de laboratórios dos cursos do 2º ciclo. Há ainda uma Escola Normal, dois cursos de alfabetização de adultos, alguns cursos de datilografia e de corte e costura.

Transporte coletivo, drama à parte. É realizado por uma empresa particular e não vai além do trecho entre o ferry-boat e o centro da cidade, mais o circuito praia das Pitangueiras-Bertioga. Outra companhia explora o serviço Guarujá-Vicente de Carvalho, com horários mais espaçados.

Todos querem morar e invadem - Vicente de Carvalho, grande aglomerado humano que cresceu ignorando o que mandam as regras do urbanismo. É produto de invasões, resultado da busca desordenada de lugar para morar, solo de gente que chegou há não muito tempo e hoje constitui uma população jovem.

Uma das chamadas cidade-dormitório do operariado da Baixada Santista, Vicente de Carvalho sofre as conseqüências do desenvolvimento rápido e sem rumos definidos. São problemas socio-econômicos e urbanísticos de difícil solução:

- de um lado, por causa das más condições geográficas, as exigências frustradas de urbanização, drenagem da várzea e combate às endemias;

- de outro, como resultado inevitável do crescimento demográfico, ilegalidade da posse de terrenos, deficiências das redes de água e luz, esgotos, falta de escolas, de casas, transporte (inclusive na ligação a Santos, com reflexos negativos sobre o abastecimento da população e sua movimentação de e para o trabalho).

Pai-Cará, o refúgio - Quando, em 1956, o desabamento dos morros de Santos deixou muitas famílias desabrigadas, a invasão de Vicente de Carvalho ganhou impulso. À falta de terrenos para a localização de novas residências, a área pertencente ao Condomínio Pai-Cará Sociedade Civil, que se encontrava abandonada, foi tomada pelos flagelados, que ali construíram seus casebres. Depois, levas de operários não-qualificados continuaram a chegar, a levantar novos barracos, para eles a única maneira de aproveitar as ofertas do mercado de trabalho da Baixada. Em 1958, alguém definiu a situação de Pai-Cará como de calamidade pública.

Mas toda aquela gente não podia ser desabrigada. E em julho de 58 o governador Jânio Quadros assinou o decreto 33.265 para declarar de utilidade pública e desapropriar uma área de 2.235.479 m².

A lentidão burocrática não deixaria de marcar o andamento do processo, e enquanto ele pulava de uma repartição para outra, o afluxo de novos habitantes não cessava, até se intensificava. Agora eles vinham de vários pontos do País, principalmente do Nordeste, atraídos pela possibilidade de adquirir terrenos a baixo preço e com maiores facilidades de pagamento.

Mutirão ajuda muito - Dois anos se passaram. Em novembro de 1960 o Estado percebeu que o problema requeria solução urgente e novo ato atribuiu ao IPESP a administração da gleba (decreto 37.468). A autarquia pediu a colaboração da Prefeitura de Guarujá, da City e da Cia. Docas de Santos antes de tomar as primeiras providências:

- para impedir a ocupação de área maior, proibiu a extensão dos serviços de energia elétrica a novas casas sem autorização prévia;

- para arejar a área invadida, construiu um grupo escolar e um posto sanitário do lado que permanecera abandonado; com isso, os moradores sentiram-se atraídos a mudar e permitiram divisão mais racional dos lotes.

De grande valia foi a boa-vontade dos moradores, que se organizaram em mutirões para eles próprios executarem o projeto de urbanização (de autoria de Francisco Prestes Maia). Os serviços de arruamento, remoção de casas e extensão da rede provisória de energia elétrica foram feitos com um mínimo de despesas para o IPESP, que de outra forma gastaria muitos milhões de cruzeiros velhos. O trabalho, sempre nos fins de semana e feriados, permitiu a abertura de 15 km de ruas, remoção de umas 200 casas e extensão de alguns milhares de metros de fios.

Para lá, os subúrbios - Guarujá continua, tem seus subúrbios. Em primeiro plano, 964 casas onde vivem quase 4 mil pessoas. É o trecho compreendido entre as praias de Guaiuba e Perequê, inlcuindo várias vilas ao Norte, que chegam até o cais dos ferry-boats. O rio Santo Amaro separa essa área do Distrito de Vicente de Carvalho.

A praia de Perequê é atração turística. É predominantemente um núcleo de pescadores, onde as residências dos veranistas têm linhas mais modestas em comparação com o que se vê no resto da ilha.

Da praia das Pitangueiras, depois de passar pelo morro de Itaipu, chega-se à de Guarujá. Ali, algumas casas grandes e luxuosas contrastam com as demais, de tipo médio. Mais para a frente ficam as praias do Tombo e Guaiuba, com uns poucos loteamentos que ainda não receberam melhoramentos públicos. Entre as duas, a praia de Monduba, com o forte dos Andradas. As habitações primitivas, pertencentes a pescadores que moram nessas praias, foram recuadas para o sopé dos morros, em nome de uma urbanização que ainda não veio.

Vilas passam mal - Alguns dos bairros operários são as Vilas Santo Antonio, Primavera, Santa Rosa, Funchal. Como moradores na área, pedreiros, funcionários do ferry-boat, operários dos estaleiros, empregados no comércio e indústria da Baixada vivem mal. São eles que limpam as valas cheias de água putrefata e, quando chove, muitas ruas ficam alagadas. A ponto de um dia terem sido obrigados a construir chatas para se locomover. Em poucos trechos dos bairros há iluminação pública. Em igual situação estão os bairros populares mais perto do ferry-boat.

Na entrada da cidade, o morro da Glória é favela desde 1950. Nas casas de madeira e pau-a-pique vive uma população feita de nordestinos em maior parte, quase todos empregados na construção civil. Para subir o morro, degraus cavados na pedra ou na terra. Luz elétrica, que todos os dias é fraca, chega a faltar nas épocas de temporada.

Não há teatros em Guarujá. Só cinemas, bibliotecas, uma estação de rádio (com sede em Santos) e um jornal semanal, editado em Vicente de Carvalho (A Estância de Guarujá).

As capelas e igrejas quinhentistas atestam a tradição católica do povo. A paróquia de Santo Amaro é responsável pela criação de uma maternidade e um parque infantil, além de outras obras de assistência social e educacional. Há também três igrejas protestantes e centros espíritas.

No campo da saúde pública, a Sociedade Beneficente de Guarujá é responsável pela obra do Hospital de Santo Amaro.

Para atividades recreativas, o Jóquei Clube de Guarujá, o Clube Náutico Samambaia, o Iate Clube de Santos e outros locais de reunião.

Mas não esqueçam da outra face de Guarujá.

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