Eis a face oculta de Guarujá
Guarujá do turismo não tem segredos, está à vista de todos. É a zona urbana da
cidade: praias bonitas, ruas asfaltadas, arranha-céus, casa de engenharia arrojada, jardins e praças bem tratados.
A outra face do Município, que engloba o Distrito de Vicente de
Carvalho (antiga Itapema) e os demais bairros da zona suburbana, essa é diferente. Ali vive a população de 365 dias por ano. O povo que sofre os
problemas de falta de água, luz, urbanização, escolas e assistência médico-sanitária.
Nos fins de semana, ou na temporada, os 123 km² de Guarujá (toda a ilha de Santo
Amaro) mostram só o lado alegre do mundo.
Muita pressa atrapalha - Guarujá cresceu depressa e por isso sofre. A rede de
esgotos, por exemplo, é privilégio da praia das Pitangueiras, ou menos que 5% da área do Município. Apenas no centro da
cidade todas as ruas são pavimentadas, enquanto nos bairros só escapam à terra as vias principais (com isso, áreas antes cobertas de mangue ficam
alagadas quando chove). A distribuição de água também é deficiente e quem bebe de torneira sabe que ela é apenas clorada e nada mais.
Grupos escolares, só dois, um na zona urbana e outro em Santa Rosa. Em Vicente de
Carvalho há um grupo do Estado e tempos atrás o Mercado Municipal daquele distrito também foi usado para a instalação de algumas classes. Escolas
isoladas municipais estão espalhadas pelos bairros, mas não são poucas aquelas em que apenas funcionam os dois primeiros anos. Bons motivos para que
o número de vagas esteja sempre abaixo da procura.
O Ginásio Estadual já foi transformado em Colégio, no papel. Por enquanto, os
estudantes secundários esperam a construção de duas classes para a instalação de laboratórios dos cursos do 2º ciclo. Há ainda uma Escola Normal,
dois cursos de alfabetização de adultos, alguns cursos de datilografia e de corte e costura.
Transporte coletivo, drama à parte. É realizado por uma empresa particular e não vai
além do trecho entre o ferry-boat e o centro da cidade, mais o circuito praia das Pitangueiras-Bertioga. Outra
companhia explora o serviço Guarujá-Vicente de Carvalho, com horários mais espaçados.
Todos querem morar e invadem - Vicente de Carvalho, grande aglomerado humano
que cresceu ignorando o que mandam as regras do urbanismo. É produto de invasões, resultado da busca desordenada de lugar para morar, solo de
gente que chegou há não muito tempo e hoje constitui uma população jovem.
Uma das chamadas cidade-dormitório do operariado da Baixada Santista, Vicente
de Carvalho sofre as conseqüências do desenvolvimento rápido e sem rumos definidos. São problemas socio-econômicos e urbanísticos de difícil
solução:
- de um lado, por causa das más condições geográficas, as exigências frustradas de
urbanização, drenagem da várzea e combate às endemias;
- de outro, como resultado inevitável do crescimento demográfico, ilegalidade da posse
de terrenos, deficiências das redes de água e luz, esgotos, falta de escolas, de casas, transporte (inclusive na ligação a Santos, com reflexos
negativos sobre o abastecimento da população e sua movimentação de e para o trabalho).
Pai-Cará, o refúgio - Quando, em 1956, o
desabamento dos morros de Santos deixou muitas famílias desabrigadas, a invasão de Vicente de Carvalho ganhou impulso. À falta de
terrenos para a localização de novas residências, a área pertencente ao Condomínio Pai-Cará Sociedade Civil, que se encontrava abandonada, foi
tomada pelos flagelados, que ali construíram seus casebres. Depois, levas de operários não-qualificados continuaram a chegar, a levantar novos
barracos, para eles a única maneira de aproveitar as ofertas do mercado de trabalho da Baixada. Em 1958, alguém definiu a situação de Pai-Cará como
de calamidade pública.
Mas toda aquela gente não podia ser desabrigada. E em julho de 58 o governador
Jânio Quadros assinou o decreto 33.265 para declarar de utilidade pública e desapropriar uma área de 2.235.479 m².
A lentidão burocrática não deixaria de marcar o andamento do processo, e enquanto ele
pulava de uma repartição para outra, o afluxo de novos habitantes não cessava, até se intensificava. Agora eles vinham de vários pontos do País,
principalmente do Nordeste, atraídos pela possibilidade de adquirir terrenos a baixo preço e com maiores facilidades de pagamento.
Mutirão ajuda muito - Dois anos se passaram. Em novembro de 1960 o Estado
percebeu que o problema requeria solução urgente e novo ato atribuiu ao IPESP a administração da gleba (decreto 37.468). A autarquia pediu a
colaboração da Prefeitura de Guarujá, da City e da Cia. Docas de Santos
antes de tomar as primeiras providências:
- para impedir a ocupação de área maior, proibiu a extensão dos serviços de energia
elétrica a novas casas sem autorização prévia;
- para arejar a área invadida, construiu um grupo escolar e um posto sanitário
do lado que permanecera abandonado; com isso, os moradores sentiram-se atraídos a mudar e permitiram divisão mais racional dos lotes.
De grande valia foi a boa-vontade dos moradores, que se organizaram em mutirões para
eles próprios executarem o projeto de urbanização (de autoria de Francisco Prestes Maia). Os serviços de
arruamento, remoção de casas e extensão da rede provisória de energia elétrica foram feitos com um mínimo de despesas para o IPESP, que de outra
forma gastaria muitos milhões de cruzeiros velhos. O trabalho, sempre nos fins de semana e feriados, permitiu a abertura de 15 km de ruas, remoção
de umas 200 casas e extensão de alguns milhares de metros de fios.
Para lá, os subúrbios - Guarujá continua, tem seus subúrbios. Em primeiro
plano, 964 casas onde vivem quase 4 mil pessoas. É o trecho compreendido entre as praias de Guaiuba e Perequê, inlcuindo várias vilas ao Norte, que
chegam até o cais dos ferry-boats. O rio Santo Amaro separa essa área do Distrito de Vicente de Carvalho.
A praia de Perequê é atração turística. É predominantemente um núcleo de pescadores,
onde as residências dos veranistas têm linhas mais modestas em comparação com o que se vê no resto da ilha.
Da praia das Pitangueiras, depois de passar pelo morro de Itaipu, chega-se à de
Guarujá. Ali, algumas casas grandes e luxuosas contrastam com as demais, de tipo médio. Mais para a frente ficam as praias do Tombo e Guaiuba, com
uns poucos loteamentos que ainda não receberam melhoramentos públicos. Entre as duas, a praia de Monduba, com o forte dos
Andradas. As habitações primitivas, pertencentes a pescadores que moram nessas praias, foram recuadas para o sopé dos morros, em nome de uma
urbanização que ainda não veio.
Vilas passam mal - Alguns dos bairros operários são as Vilas Santo Antonio,
Primavera, Santa Rosa, Funchal. Como moradores na área, pedreiros, funcionários do ferry-boat, operários dos estaleiros, empregados no
comércio e indústria da Baixada vivem mal. São eles que limpam as valas cheias de água putrefata e, quando chove, muitas ruas ficam alagadas. A
ponto de um dia terem sido obrigados a construir chatas para se locomover. Em poucos trechos dos bairros há iluminação pública. Em igual
situação estão os bairros populares mais perto do ferry-boat.
Na entrada da cidade, o morro da Glória é favela desde 1950. Nas casas de madeira e
pau-a-pique vive uma população feita de nordestinos em maior parte, quase todos empregados na construção civil. Para subir o morro, degraus cavados
na pedra ou na terra. Luz elétrica, que todos os dias é fraca, chega a faltar nas épocas de temporada.
Não há teatros em Guarujá. Só cinemas, bibliotecas, uma estação de rádio (com
sede em Santos) e um jornal semanal, editado em Vicente de Carvalho (A Estância de Guarujá).
As capelas e igrejas quinhentistas atestam a tradição católica do povo. A paróquia de
Santo Amaro é responsável pela criação de uma maternidade e um parque infantil, além de outras obras de assistência social e educacional. Há também
três igrejas protestantes e centros espíritas.
No campo da saúde pública, a Sociedade Beneficente de Guarujá é responsável pela obra
do Hospital de Santo Amaro.
Para atividades recreativas, o Jóquei Clube de Guarujá, o Clube Náutico Samambaia, o
Iate Clube de Santos e outros locais de reunião.
Mas não esqueçam da outra face de Guarujá. |