Estas ruínas, da Igreja de Santo Antonio do Guaibê,
recebem todos os anos a prova de devoção do povo de Bertioga,...
Foto publicada com a matéria
Festa de caiçara não teve bate-pé a Santo Antonio
Quatro séculos de tradição ficaram de lado este ano, nos
festejos em louvor a Santo Antonio do Guaibê, padroeiro de Bertioga: por causa da chuva, ou porque assim manda o "progresso" (interpretações de quem
foi à festa), os caiçaras não compareceram, como todos os anos. E no lugar dos sons primitivos de seus instrumentos musicais - rabeca, viola, tambor
- o povo ouviu marchas tocadas pelas bandas da Força Pública e dos filhos dos empregados da Petrobrás. Também não houve o bate-pé, à noitinha, dança
que o caiçara sempre juntou ao canto de suas músicas. Outra substituição: um conjunto espanhol aceitou convite para cantar e dançar sobre o tablado,
ao ar livre e sob a chuva.
Modificações como essas nunca se viram na festa que se repete desde a época em que
José de Anchieta era o pároco da pequena igreja local, hoje em ruínas. Dia 10 foi a primeira vez.
Antonios não foram - Antonio o Santo, Antonios sempre foram os quatro homens
que transportavam o andor com a imagem, durante a procissão, da matriz de São João até o forte. Este ano, quando
o padre chamou os voluntários, logo se apresentaram quatro. Mas nenhum se chamava Antonio.
Saiu a procissão. No andor, o Santo Antonio talhado em madeira do século XVII não foi
levado para a capela do forte. Depois de percorrer as ruas da cidade, ladear a praia e passar defronte à subprefeitura
(N.E.: na época, Bertioga era subdistrito de Santos), o cortejo voltou à matriz,
onde houve missa.
Milagre de luz - Ao cair da noite, as ruínas da igreja de Santo Antonio do
Guaibê, do outro lado da barra, foram iluminadas com velas e archotes. Era o simbolismo do "Milagre dos Anjos", que, segundo as "Cartas
Jesuíticas", teria inspirado Anchieta a ir conter a revolta dos Tamoios, em Iperoig.
Segundo a lenda, pouco antes de partir para Iperoig, Anchieta foi ao templo para orar.
De repente, ouviu cânticos de anjos e a igreja se iluminou por inteiro, enquanto um raio de luz descia do céu. É para lembrar essa luz que os
caiçaras acendem velas e archotes na igreja.
O teatro do jesuíta - Por volta das 20 horas, a Escola de Arte Dramática de São
Paulo representou, no mesmo tablado em que dançara o conjunto de música típica espanhola, o Auto de Vila Vitória, de José de Anchieta. Para
finalizar os festejos, crianças dançaram a quadrilha.
...que se manifesta na procissão dos archotes e vários festejos; um deles é o bate-pé
Foto publicada com a matéria
Rabeca dá nota diferente - O "Bate-Pé" que não houve na festa deste ano é só
uma das músicas do caiçara. Ele também criou a "Cana Verde", "Cirandinha", "Camerita", "Porfica", "Pasquinhos" e outras.
As notas musicais de seus instrumentos de corda têm nome e tonalidades diferentes da
escala clássica. O modo de tocar também é diferente, do que é bom exemplo a rabeca, instrumento semelhante ao violino: ao invés de ser apoiada na
parte inferior do queixo, é sustentada junto ao peito.
O caiçara faz sua rabeca a canivete, a madeira é a "caixeta". A cola é extraída de uma
flor chamada "sumari", assada e batida até transformar-se em grude. Ele diz que "essa cola dura trinta anos".
Nas suas manifestações folclóricas, o caiçara exprime a influência decisiva do índio e
do jesuíta. As músicas e os cânticos são, em maior parte, o resultado do ensinamento religioso aplicado ao modo de sentir do silvícola. O ritmo é
rústico, as letras são piedosas. Os versos, num linguajar confuso, meio-idioma entre Tupi e Português. É o que se nota principalmente nas letras de
músicas feitas em épocas nas quais o processo de aculturação era bem menor. São palavras trocadas, expressões típicas, usadas quase sempre para o
aproveitamento musical de motivos locais. |