HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ
Região quase teve um aeroporto internacional
"Santos há de ser
um centro importante de aviação, em breve futuro, e o povo paulista, com os progressos feitos em todos os ramos do conhecimento humano, não ficará atrás
dos outros estados sob o ponto de vista aeronáutico", assim terminou seu discurso o capitão-tenente aviador naval Virginius Brito de Lamare, durante
recepção em sua homenagem em dependências do Clube XV, em 19/10/1919, dois dias depois de terminar histórico raid aéreo Rio de Janeiro-Santos. De
fato, a região de Santos chegou a ser por várias décadas cogitada para receber um aeroporto internacional, e teve até pista de
pouso da companhia francesa Air France. Porém, o grande projeto do aeroporto internacional não chegou a sair do
papel, e mais de 80 anos depois desse discurso, divergências políticas regionais dificultam até mesmo a instalação de um aeroporto metropolitano na
Baixada Santista.
Contou o jornalista e pesquisador J. Muniz Jr., em seu livro Episódios e Narrativas da Aviação na Baixada
Santista (edição comemorativa da Semana da Asa de 1982, Gráfica de A Tribuna, Santos/SP) que, da mesma forma como as autoridades brasileiras,
desde o século XVI, sempre se preocuparam em manter o porto fortificado, para proteger a população dos ataques de índios e piratas, ao surgir a aviação
ficou evidente a necessidade de guarnecer o porto com um núcleo de defesa aérea, como parte da Defesa Aérea do Litoral Brasileiro.
Assim, já por volta de 1920, como resultado daquele discurso e dos esforços do capitão De Lamare, ocorriam os
primeiros estudos para a implantação de um posto de aviação que operasse com hidroplanos. A Praia do Góes, junto à entrada do canal da Barra de Santos,
na ilha de Santo Amaro, foi cogitada para a construção de um hangar que abrigasse os hidroaviões que amerissassem nas águas da Ponta da Praia.
Com o desenvolvimento do projeto, concluiu-se que o sítio de Conceiçãozinha (N.E.: onde em
1981 foi inaugurado o Terminal de Conteineres da Margem Esquerda do Porto de Santos) tinha melhores condições para aquela instalação, ao se
aterrar os mangues ali existentes. A área, com 500 metros de frente e 2 mil metros de fundo, foi entregue pelo governo estadual ao federal.
"De acordo com o noticiário da época - relatou J. Muniz Jr. -, a Marinha deveria construir o hangar com o apoio
dos poderes públicos estaduais e municipais, pois o governo federal, além do envio de seis hidroplanos para o serviço de patrulhamento da costa,
investiria cerca de 600 contos de réis no empreendimento".
Dr. César Lacerda de Vergueiro (foto: revista Flama)
Quem
apresentou na Câmara os projetos da base aeronaval santista foi o deputado federal por São Paulo (de 1913 a 1930), Dr. César Lacerda de Vergueiro,
nascido em Santos em 11/6/1886, e que também dirigiu os jornais Correio Paulistano e Diário de Santos. Entre os projetos de sua autoria,
aliás, estão as construções dos prédios dos Correios e Telégrafos em São Paulo e Santos; da estrada de rodagem entre São Paulo e o Rio de Janeiro; do
monumento dos Andradas em Santos. Ele foi ainda presidente do Aeroclube do Brasil e grande incentivador das viagens aéreas.
Depois da instalação do primeiro centro de aviação naval na Ponta do Galeão, no Rio de Janeiro, a partir de 1921,
existia certa urgência na implantação de novos centros, para receber os aeroplanos em trânsito e fazer manutenção, abastecimento e reparos. Aprovada
(pelo Aviso Reservado 42.681, de 5/12/1921) a criação de um aeródromo na região, e contratada a Companhia Construtora de Santos para as obras, ocorreu
em 22/10/1922 a solenidade de lançamento da pedra fundamental do Posto de Aviação Naval, com a presença do presidente da República, Dr. Epitácio da
Silva Pessoa, entre outras autoridades civis e militares. Estavam então em Santos o encouraçado São Paulo e uma esquadrilha de hidroaviões da
Escola de Aviação Naval do Rio de Janeiro.
Foto do lançamento da pedra fundamental da base aeronaval em Conceiçãozinha, com o presidente Epitácio
Pessoa, o presidente estadual paulista Washington Luís, o ministro J.P.Veiga de Miranda, o capitão DeLamare (de alamar e espada), o deputado Lacerda de
Vergueiro e outras autoridades
Apesar do festivo lançamento da pedra fundamental, a obra não foi iniciada, pois, de acordo com o parecer dos
técnicos da Companhia Construtora, o local era inadequado e inseguro para tal construção, exigindo grande volume de aterro só na preparação do terreno
para a pista de pouso e decolagem das aeronaves. Outra área foi então escolhida, com as mesmas dimensões, junto ao canal de acesso a Bertioga, na ponta
da Bocaina, onde existia uma vila à beira-mar.
Pelo decreto 16.062, de 6/6/1923, foram feitas as desapropriações necessárias nessa vila e logo em seguida
iniciadas as obras, com alguns prédios sendo inaugurados em dezembro de 1924. Em 1925, já estavam concluídas "duas bases residenciais, um quartel para
praças, fossos e canalização da água e esgoto e um forno de incineração", conforme um relatório da época. Em seguida, o fim das verbas destinadas ao
projeto provocou a demora e até a paralisação das obras.
Vista aérea da Base de Bocaina em fins da década de 30, já com a pista Leste-Oeste,
vendo-se ainda o antigo povoado
Muitos nomes - Com a reorganização da Aviação Naval e a criação do Corpo de Aviação da Marinha (pelo
decreto 20.479, de 3/10/1931), a defesa do Litoral Brasileiro foi dividida em cinco setores (decreto 32.570, de 23/3/1933), sendo o Centro de Aviação
Naval de Santos enquadrado no setor Centro, que tinha como sede principal a Base de Aviação Naval do Galeão, no Rio de Janeiro.
"A partir de 1934 - relatou J.Muniz Jr. -, com o início das atividades do Correio Aéreo Naval no Litoral Sul, o
Centro de Aviação Naval da Bocaina passou a funcionar como base subsidiária daquele serviço aeropostal, dando apoio à linha Rio de Janeiro-Rio Grande do
Sul, época em que eram utilizados aviões Waco-C.O., com flutuadores. Da Base da Bocaina partiam dois aviões semanais a serviço do CAN, um para o Litoral
Norte, passando porUbatuba e São Sebastião, e outro para o Litoral Sul, tocando em Iguape e Cananéia, ambas, regressando no mesmo dia, utilizando os
dois únicos aviões Waco existentes na Unidade". Em 1935, com a nova reorganização da Aviação Naval, a instalação santista passou a ser denominada Base
de Aviação Naval, ao mesmo tempo em que era ampliada com novas pistas e instalações.
Objetivando formar aviadores civis para a Reserva Naval Aérea de Segunda Categoria, foi ali fundado em 1/11/1936
o Aeroclube de Santos, cujos alunos passaram a receber instruções de vôo dos oficiais-aviadores da Bocaina. Em 7/9/1938, foi inaugurada nesse local a
Linha Aérea do Litoral, para levar a mala postal e executar um serviço regular de transporte de passageiros pelo litoral paulista. No ano seguinte (pelo
Aviso 1.625, de 16/10/1939), foram aprovadas as Regras de Evoluções Locais para a base.
Com a criação do Ministério da Aeronáutica (decreto-lei 2.961, de 20/1/1941), e extinção do Corpo de Aviação da
Marinha, a base foi transferida para o novo ministério, agora com o nome de Base Aérea de Santos. Já então possuía duas pistas gramadas para decolagem e
pouso das aeronaves terrestres, entre outras instalações. Ampliada, já com pista em cimento para aeronaves, tornou-se Base de Segunda Classe, pela
classificação dada no Aviso 13 de 1942.
Declarado o Estado de Guerra (31/8/1942), a Base Aérea de Santos passou a servir como sede do 13º Corpo de Base
Aérea da Aeronáutica, e seus aviões iniciaram um serviço de patrulhamento aéreo do litoral paulista, projetando-se até a cidade portuária de Paranaguá
(PR). O alerta só foi interrompido em 11/1945, depois da realização de 1.246 missões de patrulhamento (em 2.255 horas 40 minutos de vôo).
Em 26/8/1947, nova denominação: Destacamento de Base Aérea de Santos. Com o enquadramento do Município de Santos
na lei 121 (de 22/10/1947), como área de excepcional importância para a defesa nacional, o Destacamento ganhou a missão de zelar pela defesa das
instalações portuárias e indústrias de toda a Baixada Santista, como aliás já fazia desde os tempos de guerra, além de atuar em busca e salvamento de
aeronaves e embarcações acidentadas e de náufragos, no transporte de pessoas enfermas e outras atividades. Em 1/1/1951, o Destacamento voltou a ser Base
Aérea (portaria 17, de 16/12/1950), retornando apenas dois meses depois à condição de Destacamento (em 10/3/1951).
Prédio do comando da Base Aérea, cerca de 1980, vendo-se à esquerda o hangar do Esquadrão Aéreo (foto:
jornal Cidade de Santos)
Citou J. Muniz Jr. que, "durante os contratempos políticos que ocorreram em novembro de 1955, o então ministro
da Aeronáutica, tenente-brigadeiro-do-ar Eduardo Gomes, deslocou-se do Rio de Janeiro para a Base Aérea de São Paulo (em Cumbica), vindo em seguida para
o Destacamento de Base Aérea de Santos, onde hasteou sua insígnia de quatro estrelas e passou a transmitir suas ordens até o desfecho final daquela
situação político-militar".
Durante as comemorações do Ano Santos Dumont, em 1956, a pedra fundamental da base, esquecida em Conceiçãozinha,
foi levada para a Bocaina. Com a Revolução de 1964, foram ativados ali o Destacamento Especial de Segurança e a Guarnição de Aeronáutica, desativados em
4/8/1964. Também funcionaram ali uma Escola de Formação de Soldados e a formação de Oficiais Administradores da Aeronáutica.
Em 8/9/1967 (portaria 059/GM-3), foi criado o Centro de Instrução e Emprego de Helicópteros, inaugurando outra
importante fase da história dessas instalações. Tanto que, em 20/1/1970, o antigo Destacamento foi desativado, surgindo no lugar o Centro de Instrução
de Helicópteros (CIH), em paralelo ao Núcleo de Instrução de Helicópteros. Em 26/2/1971, foi desativado o Centro, ficando só o Núcleo, que em 22/7/1971
passou a ser denominado centro de Instrução de Helicópteros (CIH), único do gênero na América do Sul. Em 30/4/1973, pelo decreto 72.162, o CIH foi
extinto, com a ativação da Ala 435, que em 21/2/1975 realizou a formatura da Primeira Turma Especial de Estagiários do Grupo de Pilotos de Helicópteros.
Nova reformulação na Força Aérea Brasileira (FAB) e a Ala 435 retomou o nome de Base Aérea de Santos (portaria
131/GM-3, de 15/6/1979), abrigando o Primeiro Esquadrão do 11º Grupo de Aviação (decreto 83.538, de 4/6/1979). A cerimônia de reativação da base ocorreu
na manhã de 1/8/1979.
Alunos pilotos do Aeroclube e oficiais-instrutores e mecânicos da Base no campo da Bocaina,
em maio de 1941 (foto: revista Flama)
Aeroclube - Como citado mais acima, o Aeroclube de Santos foi fundado em dependências da base da Bocaina
em 1936, tendo como primeiro presidente o engenheiro Ismael Coelho de Souza e como primeiro aparelho de treinamento um Moth Trainer doado pelo Aeroclube
do Brasil. Mas, já em 5/1922 foi instalada a Escola de Aviação Civil de Santos, funcionando na praia do Gonzaga, sob a direção do célebre aviador Roland
Garros.
Em 22/10/1942, o Aeroclube de Santos ganhou nova sede social, na Rua D. Pedro II, 76, e nos anos seguintes as
instalações operacionais foram transferidas da Bocaina para o antigo campo da Air France, que a partir de julho de 1942, devido ao Estado de Guerra,
fora ocupado pelo II Corpo de Base Aérea, recebendo várias melhorias.
Na Semana da Asa de 1947, o Aeroclube teve a primazia de levar a cabo a primeira procissão aérea de São Paulo,
quando um de seus aparelhos transportou a imagem de Nossa Senhora de Loreto, padroeira dos aviadores, e o bispo diocesano de Santos, D. Idílio José
Soares, pelos céus da região. Em 1967, o aeroclube foi declarado de utilidade pública.
Instalações do Aeroclube de Santos, em Praia Grande (foto do jornal Cidade de Santos em 1982)
Aeroporto internacional? - A partir de janeiro de 1930 (quando o hidroavião Guanabara, primeiro a
ir ao Norte do Brasil, escalou em Santos na rota Rio de Janeiro-Porto Alegre), tornou-se rotineira a chegada de hidroaviões com passageiros, encomendas
e malas postais, amerissando no canal da Ponta da Praia (onde existia uma estação flutuante) e entrando pelo Estuário até a base aeronaval da Bocaina.
No dia 8/1/1930, a companhia Nyrba inaugurava seu serviço regular entre Argentina, Uruguai e Brasil, incluindo
escalas em Santos, como a feita no dia seguinte pelo hidroavião Buenos Aires, com capacidade para 20 passageiros. O movimento foi crescendo nos
anos seguintes e em 1938 foi registrada pela Companhia Docas de Santos a escala em Santos de 625 hidroaviões, com 4.540 toneladas de registro e 2.345
tripulantes.
Em fins de 1947, o deputado Lincoln Feliciano apresentou projeto (número 138) na Assembléia Legislativa de São
Paulo, para que fosse estudada e autorizada a construção de um aeroporto internacional no Campo da Aviação (na atual Praia Grande), mediante um crédito
de Cr$ 15 milhões. Dois anos depois, um projeto semelhante foi apresentado na Câmara Federal pelo deputado Antônio Feliciano. Justificando a obra,
alegou o deputado federal que "Santos é a segunda cidade do Estado de São Paulo e, como porto, é um dos mais importantes da América do Sul. Reclama de
há muito a construção de um aeroporto à altura de seu progresso".
Esse projeto previa a construção do aeroporto internacional "em terrenos de propriedade da União, por estar
desapropriado da S.A. Air France, pelo decreto-lei nº 6.870, de 14/10/1944, com a área total de 134.339 m²". O terreno, já ocupado pelo Aeroclube de
Santos desde 1946, deveria ter ampliada para 1.600 metros a pista então de 850 metros, já usada pelos aviões da empresa aérea Real.
Aliás, essa empresa chegou a inaugurar em 10/4/1949 uma linha Praia Grande-Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que
a Vasp anunciava que seus aviões continuavam saindo da Base Aérea da Bocaina - que também servia a empresas como a Transportes Aéreos Limitada (TAL). Na
época, os passageiros contavam com um serviço de bar junto ao hangar, e eram transportados por lanchas que saíam e chegavam no antigo pontão da
Santense, atrás do prédio da Alfândega santista.
Apesar dos planos grandiosos, para até mesmo um aeroporto internacional, o século XXI começou sem sequer uma
definição para o local do aeroporto metropolitano, em meio à disputa política entre os municípios de Guarujá, Praia Grande e Itanhaém. Enquanto isso,
foram construídos os aeroportos de Congonhas, Viracopos e Guarulhos-Cumbica, todos com capacidade para operar o tráfego internacional...
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