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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - BIBLIOTECA NM
Cais de Santos, de Alberto Leal (29)

 

Clique na imagem para voltar ao índiceAlberto Antônio Leal nasceu em Santos em 1908, falecendo em 1948. Foi médico, romancista, novelista, teatrólogo, cronista e radialista. Sua obra mais conhecida foi o romance Cais de Santos, de 1939.

O exemplar número 171, reencapado, sem a capa original de Luigi Andrioli, tem 212 páginas e foi editado e impresso pela Cooperativa Cultural Guanabara (Rua do Ouvidor, 55, 1º andar, Rio de Janeiro). Nesta transcrição - baseada na 1ª edição existente na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos (SHEC) -, foi atualizada a ortografia:

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Cais de Santos

Alberto Leal

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Greve

O corpo de Lú foi para o necrotério do Saboó. Já foi examinado pelo médico-legista, e as companheiras podem velá-lo, agora.

Vieram todas as mulheres da pensão Pekim, e até de outras pensões vizinhas ou distantes. Todas atraídas pela comunhão de um destino igual, talvez igual até na morte.

Vieram a Ruiva, a Pintada, a Gafanhota (pediu licença ao professor), a Baiana e as outras mulatas todas.

Só a madama Polsaski não veio.

A Ruiva trouxe flores, a Gafanhota pagou as velas, a Pintada rezou um pai-nosso.

Lú tinha economias. Quem as herdou foi o armador, com a conta do enterro de segunda.

A Baiana garantiu, porém, que a madama herdou mais que o armador.

***

À noite, em sinal de pesar, as mulheres combinaram não trabalhar.

Madama Polsaski disse que era bobagem, e que ela não podia ter prejuízo, deixando de vender bebidas uma noite inteira.

As mulheres teimaram e a polaca ameaçou? poria a Aurora no olho da rua, porque já lhe devia quinze dias de pensão; tomaria o quarto da Negrinha, que devia dez dias; confiscaria o baú da Baiana, que não pagara a última semana.

A Ruiva reuniu o mulherio no seu quarto e disse que lançava um empréstimo interno. Todas as mulheres que tivessem dinheiro se cotizavam e emprestavam às três companheiras ameaçadas de despejo e do seqüestro dos trastes.

A idéia foi aceita: uma emprestou 2$000, outras 10$000, outras 5$000. Mesmo assim, não chegou.

Então a Ruiva mandou o mulatinho garçom por no prego o broche de turmalina, o anel de ouro, um relógio de níquel.

A Rosalina empenhou uma correntinha de 14 quilates, presente de um marujo do Minas, e a Mariazinha entregou um crucifixo de prata, que nunca saía da sua cabeceira. Madama Polsaski foi paga, mas continuou rosnando e xingando as mulheres, porque queriam pôr luto uma noite pela companheira morta.

Às oito horas chegou o primeiro freguês, reclamou as mulheres. A polaca bateu de porta em porta, ameaçando e prometendo abatimento na diária. Nenhuma furou a greve.

Então o freguês desceu as escadas, zangado, dizendo que nunca mais voltaria ali.

Para evitar novos descontentamentos, madama Polsaski mandou fechar a porta da rua, e num fundo de caixa de sapatos a Ruiva escreveu: Esta noite a pensão Pekim não Funciona. de luto porque morreu... - como era o nome dela, afinal?

- Bote o que saiu no jornar - sugeriu a Negrinha.

E a Ruiva aceitou a idéia, continuou escrevendo: Conchita-Margot, tambem conhessida por Lú, nossa companhêra.

Mariazinha entrou no quarto da Baiana:

- Você m'empresta um santo, Baiana? É p'ra rezá p'ra ela.

A mulata abriu o baú, escolheu uma imagem na coleção e disse:

- Leva Santo Onofre. Ele gosta de credo e tu só sabe rezá o credo, Mariazinha.

Na rua, um marinheiro parou à porta, leu o papelão de caixa de sapatos, descobriu-se e foi andando, de cabeça baixa.

Bonde com reboque na linha 8, defronte ao Mercado Municipal, no bairro do Paquetá

Foto: Museu do Bonde - Santos/SP