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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - BIBLIOTECA NM
Cais de Santos, de Alberto Leal (23)

 

Clique na imagem para voltar ao índiceAlberto Antônio Leal nasceu em Santos em 1908, falecendo em 1948. Foi médico, romancista, novelista, teatrólogo, cronista e radialista. Sua obra mais conhecida foi o romance Cais de Santos, de 1939.

O exemplar número 171, reencapado, sem a capa original de Luigi Andrioli, tem 212 páginas e foi editado e impresso pela Cooperativa Cultural Guanabara (Rua do Ouvidor, 55, 1º andar, Rio de Janeiro). Nesta transcrição - baseada na 1ª edição existente na biblioteca da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos (SHEC) -, foi atualizada a ortografia:

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Cais de Santos

Alberto Leal

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Conversa

- Psiu!

- Que é?

- Não dá bom dia p'ros vizinho?

- Bom dia.

- Chi! A sinhora parece que zangada comigo.

- Não estou, não senhora. Porque havia de estar?

- Pois é! Eu a Lú, Luisa, sabe? e a sinhora?

- Eu me chamo Graciema.

- Bonito nome. É estrangêro?

- Brasileiro.

- O meu nome é franceis: Louise. Meu pai era norte-americano. Adivinhe de onde era a minha mãe?

- Sei lá, dona Lu!

- Não adivinhava mesmo! Era de Vladivostoqui. Ui - ia caindo de cima do caxão, que vale que segurei no muro - Sabe onde é que fica?

- O que?

- Vladivostoqui!

- Depois que torcer esta roupa vou ver no dicionário...

- Não percisa: é na Ásia! Minha mãe era ase...asietica!

- Asiática. Gente amarela. A senhora também sofre de amarelão?

- Eu não! Até tenho boa saúde. Também, não bebo. Nunca bebi, acredita?

- A senhora é que sabe se eu devo acreditar ou não.

- bem. vendo que a sinhora não gosta mesmo de mim. Vô descê do caxote. Eu subi no muro só p'ra conhecê a sinhora, sabe? Mais a sinhora não gosta das vizinha... Faiz treis dias que morando aí e eu só agora lhe vejo no quintar.

- Não é por nada, dona Luíza, é que tenho que lavar toda esta roupa e o tempo é pouco, desculpe.

- Ah! vendo. Eu também lavo rôpa. Mais tem mancha de óleo de vapô que não sai mesmo!

- Eu tiro todas.

- Eu vô buscá uma blusa do meu home, quero aprendê a tirá. A sinhora me ensina?

- Ensino, sim.

Lú sobe ao quarto e volta correndo.

- Tá qui. É esta, na manga; uma bruta mancha.

- Olhe, a senhora põe gasolina num pires, e deixa a mancha dentro uma meia hora, depois...

Mais cum'é que eu vô dexá a mancha dentro do piris se eu não sei tirá ela?

- Ora, dona Luísa! A senhora deixa a parte do casaco que tem a mancha dentro da gasolina, entendeu?

- Tava brincando, eu entendi. Lá na minha terra...

- Pois é. Depois, passa sabão de soda, um pouco de cinza, põe no sol. Sai tudinho!

- Sabia tirá com tesoura. A sinhora sabe, com tesoura?

- Não sei, não.

- É assim: a gente pega na tesoura e corta, direitinho, toda a mancha. Depois, no buraco que ficô, prega fazenda iguar ou parecida: tá pronto! Viu?

- A senhora é engraçada, dona Lú!

- Na minha terra, na... no Egipito, sabe?

- A senhora é africana?

- Eu não! Cruiz! do Egipito. morena, mais porém branca - qué vê cumo aqui no braço onde não pego sór eu mais clara?

- É mesmo.

- Dona Graciema: que é que a sinhora acha dos home, hein?

- Acho que são como os cachorros: uns lambem a mão da gente, outros mordem...

- No finar, tudo cachorro. Eu também acho!

- Diga uma coisa, dona Lú: o seu marido lhe bate?

- Quar nada: é louco por mim!

- Porque esta noite a senhora gritou que assustou a gente?

- Foi porque ele quis rasgá meu pinhoar, sabe? Um todo preto, de passarinhos corolidos. Quarqué dia le mostro: uma beleza! Comprei no contrabando; todinho de seda japonesa!

- Seu marido quis rasgar porque não gosta?

- A sinhora é tão inocente, dona Graciema! O seu marido também não fica nervoso, às vezes, de querê rasgá as suas rôpas; p'ra andá mais depressa? Não fica?

Graciema não responde. Está longe, num mato do Paquetá, onde Praxedes Lloyd lhe rasga as vestes íntimas: eu caso, Graciema, dêxa que eu caso!

- Pois é: o meu Praxedes às vezes qué rasgá o meu pinhoar. Estes homes são tudo uns semvergonha... O pior é que a gente gosta! Eu gosto, e a sinhora, hein, dona Graciema?

Graciema não ouve. Está torcendo umas calças do Agenor, com os olhos tão distantes, que Lú desce do caixote e vai para dentro, ler outro capítulo do novo romance que comprou mesmo na porta de casa: "Rosalina, a que morreu pura como um lírio..." e com uma "Observação: este livro pode ser lido também por meninas."


Praça da República em 1921

Foto: Acervo José Carlos Silvares/Santos Ontem