CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA
Narciso de Andrade (10)
Artigo publicado na seção Tribuna Livre do jornal santista
A Tribuna, em 5 de janeiro de 2008, página A-13:
TRIBUNA LIVRE
Narciso, poeta dos ventos e das maresias
Paisagem certamente inspirou-o a compor seus textos iluminados
Maurílio Tadeu de Campos (*)
"Com tanto navio para partir
minha saudade não sabe onde
embarcar..."
(Narciso de Andrade)
Narciso de Andrade Neto nasceu em São Paulo, no dia 20 de
julho de 1925. Ainda pequeno veio com a família para Santos. Entusiasmado pelas letras, em 1948 iniciou carreira de repórter no antigo O Diário,
de Santos, órgão dos Diários Associados, de propriedade de Assis Chateaubriand. Passou, também, a publicar seus poemas em O Diário, no
suplemento Hoje é Domingo. Fez parte de um grupo de intelectuais santistas que se reuniam aos domingos para discutir literatura. "Eles me
acolheram me estimularam e, com seu exemplo e sua fidelidade, ajudaram a fomentar em mim ainda mais a paixão pelo livro, pela literatura, pela
poesia", disse Narciso.
Em 1949, já casado, saiu do O Diário e foi trabalhar na
Companhia Docas de Santos e, um ano depois, transferiu-se para a Companhia City (responsável pelo fornecimento
de energia elétrica e pelo serviço de bondes). Sua produção literária, no entanto, evoluiu, na produção de crônicas e poemas.
Em 1951 começou a publicar seus versos na página literária de A Tribuna. Sob a influência
da obra de Garcia Lorca, de Fernando Pessoa e de Carlos Drummond de Andrade, aprimorou-se e intensificou sua produção literária.
Em 1957 formou-se em Direito na primeira turma da
Faculdade Católica de Santos. Na Companhia City, passou a trabalhar como chefe do departamento jurídico, cargo
que ocupou até aposentar-se, em 1984.
Escreveu ainda para o suplemento literário do jornal O Estado de S. Paulo, na época
dirigido por Décio de Almeida Prado.
Na década de 60, foi convocado a compor uma comissão municipal de cultura. Segundo Narciso, essa
comissão foi formada "Por pessoas consideradas rebeldes", entre elas Patrícia Galvão, a Pagu.
Os poemas de Narciso de Andrade continuaram a ser publicados em A Tribuna, muitos deles
ilustrados pelo artista plástico Lúcio Menezes.
Com tantos poemas publicados em jornais, Narciso de Andrade editou apenas um livro, Poesia
Sempre, em 2006, pela Editora Unisanta. Quando era questionado sobre isso, dizia: "Sempre foi difícil encontrar editor disposto a investir em
poesia".
Narciso continuou, no entanto, a escrever para A Tribuna, atividade que se intensificou na
década de 90, quando publicava uma crônica, sempre aos domingos. Só interrompeu essa atividade em 2001, por problemas de saúde.
No dia 29 de dezembro de 2007, Narciso de Andrade embarcou num navio que o levou para outro porto,
onde estão os poetas encantados; deixou que a saudade preenchesse nossos corações, para que não ficássemos tristes e lembrássemos dele para sempre,
com muita alegria.
Do seu apartamento, no bairro da Ponta da Praia, pode-se ver
toda a orla da Baía de Santos e seus "crepúsculos modorrentos". Essa paisagem, com certeza, inspirou Narciso a colocar no papel textos iluminados,
belos e carregados de mensagens que refletem o senso crítico do homem que conseguiu traduzir seu tempo, sua Santos e seu porto.
(*) Maurílio Tadeu de Campos é escritor. Membro da
Academia Santista de Letras. |
Artigo publicado na seção Tribuna Livre de A Tribuna,
em 12 de janeiro de 2008, página A-15:
HOMENAGEM PÓSTUMA
A foto foi feita no Café Paulista em
1997. Nela, aparecem o poeta e escritor Narciso de Andrade, falecido no último dia 30, o memorialista Dario Gonçalves, o historiador Jaime Caldas e
o advogado Benê Siqueira, além do leitor que enviou esta foto, Laire Giraud
Foto-legenda publicada na seção Imagem do
Passado, do jornal A Tribuna, em 4/1/2008, pág.A-13
TRIBUNA LIVRE
E o navio do Narciso partiu...
Cidade lhe deve um preito de gratidão por tudo o que fez
Carlos Pinto (*)
"Com tanto navio para partir
minha saudade não sabe onde
embarcar..."
(Narciso de Andrade)
Por certo o Bar Regina está para a
revolução cultural de Santos como foi a Semana de 22 para a revolução cultural brasileira. Claro que não estamos analisando tais momentos, à luz do
que foi a revolução cultural chinesa, carregada de simbologia ideológica. Mas, tanto o Bar Regina como a Semana de 22 obtiveram o resultado de tirar
Santos e o Brasil da mesmice cultural. Cada qual a seu tempo e guardadas as devidas proporções.
E foi lá, no Bar Regina, que avistei, pela vez primeira, o poeta Narciso de Andrade. Com tantos
outros companheiros que já partiram: Serafim Gonzalez, Nelson Penteado de Andrade, Maurice
Legeard, Roldão Mendes Rosa, Plínio Marcos, entre outros. Os incansáveis batalhadores pela
expressão autêntica da arte nacional, pela modernização e progresso da cultura santense.
Longas noites de troca de idéias, de informações, de críticas, de elogios, de projetos que
pudessem impulsionar o barco da arte santista. Ouvindo os relatos de Patrícia Galvão, os conselhos de Geraldo Ferraz.
Posteriormente fui encontrar o Narciso no extinto O Diário, ali na Rua do Comércio, onde me iniciei no jornalismo, colaborando com
Rosinha Mastrângelo e Jorge Guerreiro no caderno de artes.
Narciso foi sempre um homem afável, um poeta voltado para o cais, as praias, os navios, os ventos
e as marés... Falava de Santos, apesar de ter nascido na Capital, com o amor que poucos filhos desta terra possuíam. Servia à Cidade. Não se servia
dela. Tivemos amigos comuns, como Décio de Almeida Prado, que por muito tempo foi diretor do suplemento literário do Estadão.
A Cidade deve a Narciso de Andrade um preito de gratidão por tudo que fez, e por tudo que produziu
para exaltá-la. Dos criadores do ponto de discussão cultural do Bar Regina, era seguramente seu último expoente. Com sua partida, a Cidade fica mais
empobrecida em seus aspectos éticos, culturais e de princípios humanísticos. Escreve a última página dos remanescentes da efervescência cultural dos
anos 50 e 60, que, além do Bar Regina, se reuniam no Clube de Arte, ao lado de Gilberta e Oscar von Pfhul, Miroel Silveira,
Evêncio da Quinta, José Greghi Filho e tantos outros batalhadores da arte de Santos.
Em sua derradeira viagem, seus amigos se reuniram no Paquetá
com a intenção de ouvi-lo mais uma vez, mesmo que em silêncio, ditar seus versos de partida:
"Ah! Receber todos os adeuses, todos os abraços, todos os olhares de ida e volta
e permanecer ancorado na paisagem imutável"
Narciso está ancorado em nossos corações e na paisagem praiana de Santos, para a eternidade.
(*) Carlos Pinto é jornalista. |
Artigo publicado na seção Tribuna Livre de A Tribuna,
em 19 de janeiro de 2008, página A-15:
Ilustração do chargista Max, publicada com a
matéria
TRIBUNA LIVRE
Narciso, poeta dos ventos e das maresias
Seria hora de um movimento para preservar seu trabalho
Telma de Souza (*)
Acredito, como muitas pessoas, que as cidades têm alma. Não me
refiro à paisagem urbana, à maneira e aos costumes de seus habitantes e a outras peculiaridades que as cidades revelam, de forma explícita, a quem
nelas vive ou aos visitantes que, mais atentos, percebem tais detalhes. Falo sobre algo que é uma soma de todos esses fatores, mas, que, ao mesmo
tempo, é algo diferente, pois que não é concreto, já que é mais sentimento do que matéria.
A algumas pessoas, mais do que a outras, é dado o dom de captar essa alma, que se esconde e se
revela a cada rua, a cada esquina, a cada praça, a cada passo que se dá na cidade onde se vive. Mais do que isso, tais pessoas têm ainda o poder da
mágica de, por meio da sua arte, transmitirem aos outros, com incrível nitidez, os contornos dessa alma, revelando-lhes não apenas a sua existência,
mas a possibilidade de também senti-la.
O escritor e poeta Narciso de Andrade, que há pouco nos deixou, sabia realizar essa mágica como
poucos. E, ao efetuar essa misteriosa transmutação de percepção e sentimento em palavras, permitiu que muitos de nós, santistas, enxergassem e, mais
do que isso, "sentissem" melhor a cidade onde vivíamos.
Eu, infelizmente, pouco contato tive com Narciso de Andrade, mas desfrutei do privilégio de
conviver bastante com seu poetirmão Roldão Mendes Rosa, que, como ele, também possuía o dom de expressar em poesia todo o amor que sempre
sentiu por esta terra. O que sempre me impressionava em ambos, além de sua sensibilidade em perceber a alma de Santos no que ela tem de mais sutil e
belo, era a sua postura de se opor, de maneira às vezes até radical, a quaisquer ameaças à integridade dessa alma, e o faziam não por meio de
saudosismo ou culto ao passado, mas sempre em defesa do futuro da cidade e de seus habitantes.
O único livro de poesias de Roldão Mendes Rosa - Poemas do Não e da Noite - foi publicado,
em 1992, já após a sua morte, por iniciativa da Prefeitura de Santos, na época em que era eu prefeita, cabendo a Narciso, junto com a esposa de
Roldão, Laura, realizar a compilação do material a ser editado. O único livro de Narciso - Poesia Sempre - foi lançado em 2006, em iniciativa
da Editora Unisanta. Foi bom que pelo menos isso tenha acontecido, mas acho muito pouco, para dois artistas com obras tão vastas (ambos escreviam
também crônicas, contos e ensaios literários) perdidas em milhares de folhas de papel jornal onde deixaram impressa a quase totalidade de sua arte.
Não faço idéia do quanto dessas obras ainda possam ser resgatadas, mas seria este um bom momento
para organizarmos um movimento destinado a preservar e, principalmente, divulgar o que ainda for possível. Não se trata apenas de um mais do que
justificado reconhecimento a dois grandes artistas e cidadãos santistas, mas também uma oportunidade de homenagearmos e defendermos a alma da nossa
cidade, sem saudosismos ou culto ao passado, mas, como professavam os dois poetas, em nome do futuro.
(*) Telma de Souza, presidente do Instituto de
Políticas Públicas da Baixada Santista (IBS). Foi prefeita de Santos (1989-1992) e deputada federal (PT-SP) por três mandatos consecutivos. |
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