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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA
Narciso de Andrade (9)

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Artigo publicado no jornal santista A Tribuna, em uma segunda-feira, 31 de dezembro de 2007, páginas 1 e C-8:
 

POESIA PERDE NARCISO DE ANDRADE - Paulistano de nascimento e santista de coração, Narciso de Andrade publicou seu primeiro livro em 2006

Foto: arquivo (Marcelo Justo) - 1/12/2006, publicada com a matéria, na primeira página

Conhecido como o poeta dos ventos e das maresias, morreu sábado, aos 82 anos, Narciso de Andrade Neto, que por quase 50 anos foi cronista de A Tribuna. Ao lado de Roldão Mendes Rosa, Narciso era considerado um dos mais importantes poetas da atualidade santista. Ainda assim, publicou seu primeiro livro somente em 2006

O mar, apreciado da janela de seu apartamento,

era uma das grandes paixões e inspirações de Narciso

Foto: Marcelo Justo - 1/12/2006, publicada com a matéria

ADEUS - Familiares e amigos se despediram do poeta e escritor que faleceu na noite de sábado e foi sepultado ontem, no Paquetá

Morre Narciso de Andrade, o poeta dos ventos e das maresias

Um dos grandes nomes da literatura santista, Narciso lançou seu primeiro e único livro, Poesia para Sempre, em 2006

Da Redação

Foi sepultado na tarde de ontem, no Cemitério do Paquetá, o poeta Narciso de Andrade, que faleceu na noite de sábado, de infecção generalizada, após permanecer cinco dias internado na Casa de Saúde.

No velório realizado pela manhã na Beneficência Portuguesa, familiares e personalidades da Cultura compareceram para prestar uma última homenagem ao escritor que tinha Santos no coração e na alma, e conseguia como ninguém retratar com maestria a paisagem da Cidade em forma de prosa e verso.

Andrade deixou a viúva, Amélia Carolina de Souza Andrade, quatro filhos, seis netos e três bisnetos.

Os filhos Mário Sérgio e Narciso de Souza Andrade estavam bastante emocionados. Mas reconheciam que a luta do pai contra a doença havia chegado ao fim.

"Ele descansou mesmo agora. Minha mãe está consciente disso. É só o que nos consola no momento. A saudade, com toda a certeza, é muito grande", afirmou Mário Sérgio.

Como principal característica da personalidade do pai, Mário Sérgio não titubeou em citar o bom humor. "Era algo que contagiava a todos que estavam perto. Tinha um carisma enorme, impulsionado principalmente pela sua bondade e disposição de ajudar o próximo".

Narciso de Souza Andrade conta que o pai sempre procurou cultivar nos filhos e nos parentes próximos o amor pela cidade de Santos. "Quando éramos crianças, ele nos levava para conhecer os pontos turísticos como o Bonde do Monte Serrat e a Ponta da Praia, além de tantos outros locais bonitos. Fui um privilegiado porque tive a oportunidade de conhecer com detalhes o visual que serviu como fonte de inspiração de tantas poesias bonitas".

Ele lembrou que o pai respirava arte 24 horas por dia. "Era algo impressionante. Era dedicação em tempo integral para a inspiração, que vinha de forma natural e espontânea".

3 meses

é a idade que o poeta tinha quando veio com a família para Santos. Cidade que Narciso adotou como sua terra natal

 

A jornalista Ivani Cardoso, que foi editora de Cultura de A Tribuna, lembra o período em que Narciso de Andrade colaborou escrevendo crônicas para as edições de domingos do jornal, no antigo caderno AT Especial. "Foi um privilégio enorme tê-lo como colaborador. Ainda mais conhecendo sua obra na poesia, que nos últimos tempos vinha sendo mais reconhecida".

Ex-secretária municipal de Educação, Sílvia Bittencourt teve contato com a obra de Narciso de Andrade aos 14 anos de idade. "Só vim conhecê-lo pessoalmente muito tempo depois. Ele era uma pessoa muito agradável e carinhosa. Para a cultura foi uma perda irreparável".

Ao lado de Amélia, a companheira de 58 anos, ele encontrou cumplicidade

Foto: Marcelo Justo - 1/12/2006, publicada com a matéria

Vida dedicada a elevar a cultura da Cidade

Conhecido como o poeta dos ventos e das maresias, Narciso de Andrade Neto nasceu na Capital no dia 20 de julho de 1925. Mas com três meses de idade sua família veio para Santos, Cidade que adotou como sua legítima terra natal. E encontrou na arte uma forma de expressar toda a sua admiração pela paisagem do litoral.

Neto de um influente político da segunda metade do século 19, que virou nome de praças em Itanhaém e em Santos, iniciou os estudos primários no Colégio Santista, onde Roldão Mendes Rosa (1924-1989) também poeta ou o poetirmão, como os dois se autodefiniam.

O irmão de Narciso, Nelson Penteado de Andrade, foi pintor e seguiu os passos de outro célebre artista, Benedito Calixto.

Anos mais tarde, juntamente com o amigo Roldão, Narciso aderiu ao movimento cultural denominado Pesquisismo, que tinha como objetivo renovar as atitudes em relação à literatura, tornando-a mais atual e próxima da época. Os integrantes pesquisavam o que se publicava no Brasil e no exterior, e discutiam o que era escrito.

 

"Posso dizer que é melhor insistir e nunca abandonar

o instinto de poeta que o santista tem"

Narciso de Andrade

Depois de casar com Amélia em 1949, Narciso, que trabalhava como jornalista no extinto Diário de Santos, passou a buscar novas fontes de renda. Foi trabalhar na Companhia Docas de Santos, onde permaneceu por um ano até se transferir para a Companhia City, que respondia pelo fornecimento de energia elétrica e pelo serviço de bondes.

Em 1953 começou a estudar Direito na Faculdade da Sociedade Visconde de São Leopoldo, atual Universidade Católica de Santos (UniSantos). Formou-se em 1957 e como funcionário da Companhia City, chegou a ocupar o cargo de chefe do departamento jurídico até 1984, quando se aposentou.

Já a literatura, nunca abandonou. Em 1957 passou a escrever para o suplemento literário do jornal O Estado de São Paulo, que era dirigido por Décio de Almeida Prado. E durante 49 anos colaborou com A Tribuna, uma atividade interrompida somente em 2001, por causa de problemas de saúde.

Mesmo desenvolvendo uma intensa atividade literária, Andrade só teve lançado seu primeiro livro em dezembro de 2006, intitulado Poesia Sempre, pela Editora Unisanta, que sintetizava parte de sua rica obra. No dia 3 daquele mês, o poeta concedeu sua última entrevista para A Tribuna.

A obra de Narciso de Andrade foi tema de um trabalho de conclusão do curso de letras do jornalista Evandro Siqueira, da TV Tribuna, apresentado em 2006.

Filhos se despedem com poesia

Foto: Alexander Ferraz, publicada com a matéria

Frases

"Com a perda de Narciso de Andrade, a poesia em Santos ficou mais triste" - Reinaldo Martins, vereador do PT e ex-secretário municipal de Cultura.

"Era uma alma pura, sem maldade no coração. Estava sempre disposto a ajudar um amigo mais necessitado" - Júlio Bittencourt, amigo.

"Narciso era um grande poeta e deixou uma obra interessante. Hoje não se encontra mais poetas com a força dele e do pessoal que freqüentava o Bar Regina, no Gonzaga" - Carlos Pinto, secretário de Cultura.

"Ele foi um irmão para mim. Eu o admirava como poeta e advogado. Lamento muito a sua morte" - Nildo Serpa Cruz, advogado.

"Narciso e Roldão, a dupla voltou a se reunir. Santos provavelmente nunca mais verá coisa igual, em qualidade e afinidade" - Clóvis Galvão, editorialista de A Tribuna.

Reinaldo Martins

Foto: Alexander Ferraz, publicada com a matéria

"Sua ligação com o mar é muito evidente em sua obra. Era um legítimo poeta do mar" - Sylvia Bittencourt, ex-secretária municipal de Educação.

"Como poeta, cronista e como pessoa, ele foi o grande colaborador de A Tribuna e um exemplo para todos nós que lidamos com a palavra" - Beth Capelache de Carvalho, editora de Cultura.

"Narciso, o cronista de nossa época, vai embora em um momento especial. Ele trocou sua forma de homem e agora é um poeta imortal" - Lúcia Teixeira Furlani, presidente da Unisanta.

"O que me marcou no Narciso foi a paixão que ele tinha pelo mar, algo que vinha da alma. Com sua morte encerra-se um ciclo de grandes valores da literatura santista" - Ana Maria Sachetto, jornalista.

Sylvia Bittencourt

Foto: Alexander Ferraz, publicada com a matéria

Poesia

de Narciso de Andrade

Cais

Com tanto navio para partir,

minha saudade não sabe onde embarcar...

 

A água comove a pedra

que parece fermir levemente

Na oscilação breve das marolas

Há homens malogrando olhares

Vagos, indecisos, alongados,

(completa ausência de tempo.

O calendário se desfaz nas sombras, na brisa e na anatomia recortada do estuário)

 

Cambia todos os tons

esta angústia à flor da água

Não há gaivotas nem quaisquer

outros pássaros oceânicos.

Todavia, aquela espuma

brilhante sugere o roçar

logo de algum.

 

Vem do passado a romântica

sugestão de velas pandas.

Itinerários de descobertas,

roteiros de constelações,

ilhas remotas habitadas

por estranhos povos inocentes

pele morena, olhos ariscos,

porte severo, movimentos puros

de corpos ao vento e ao sol.

 

Sirene arrepiando

a epiderme do meio-dia

Silenciosamente pesados

firmam-se nas horas os navios,

fortuitos donos do porto,

transitórios proprietários

de metros de alvenaria

que fazem a maior tristeza

da imensa nostalgia portuária.

 

Ah! receber todos os adeuses,

todos os abraços, todos os olhares de ida e volta

e permanecer ancorado na paisagem imutável.

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