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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - Valdomiro Silveira
Valdomiro Silveira (7)

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No dia 13 de novembro de 1973, o jornal paulistano O Estado de São Paulo registrou na página 18 o centenário de Valdomiro Silveira (Acervo Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):

Há 100 anos nascia Valdomiro Silveira

Nilo Scalzo

Com a renovação dos estudos literários em nossos dias, inspirada na linguística, em que a obra de criação é vista antes de tudo como uma forma de linguagem conotativa, impõe-se a revisão crítica de alguns autores, principalmente dos que deram particular ênfase aos problemas da expressão, com base na pesquisa dos falares regionais. Está nesse caso a obra de Valdomiro Silveira, cujo centenário de nascimento se comemorou domingo passado.

Situado no grupo de autores regionalistas, que deram à literatura brasileira, nas primeiras décadas deste século (N. E.: século XX), uma contribuição pessoal, diferente das letras urbanas de influência francesa, representadas pelos parnasianos e simbolistas, Valdomiro Silveira é apontado, ao lado de Afonso Arinos, como o iniciador do regionalismo em nossa literatura.

Cronologicamente, sua atividade literária precedeu a de Arinos, pois seu primeiro conto regionalista, Rabicho, foi publicado em 1894, no Diario Popular, de São Paulo. Contudo, somente a partir de 1920, com a publicação de Os Caboclos, os contos escritos desde 1891 foram reunidos em livros. Em todos eles, a mesma norma, a do regionalismo ,que viria a se constituir numa das linhas de força da literatura brasileira, desde que a ela se filiam autores como Afonso Arinos, Monteiro Lobato, Carvalho Ramos, Simões Lopes Neto e, mais recentemente, Guimarães Rosa, para citar apenas alguns.

O regionalismo - Diferente do regionalismo romântico de Bernardo Guimarães, Alencar, Taunay e Franklin Tavora, para os quais a região era tomada como um cenário em que os personagens desenvolviam suas ações, e diverso também do romance regionalista do Nordeste, surgido após a publicação, em 1928, de Bagaceira, de José Americo de Almeida, que assume uma atitude eminentemente crítica na análise do homem e dos problemas, a "literatura sertaneja" de Valdomiro Silveira, Afonso Arinos, Simões Lopes Neto, Monteiro Lobato e outros vai procurar reproduzir de maneira fidedigna a vida do homem do sertão, por meio da adaptação, no plano literário, de sua linguagem regional.

Paradoxalmente, daí decorrem em grande parte a riqueza e a fraqueza dessa corrente literária. Somente os grandes escritores conseguiram alcançar seus propósitos sem cair na caricatura, sem fazer literatice, em nome da descrição do que era autenticamente brasileiro.

Valdomiro Silveira tem quatro livros publicados: Os Caboclos (1920), Nas Serras e nas Furnas (1931), Mixuangos (1937) e Leréias (1945). Conhecedor dos clássicos da língua - era grande ledor de Camilo -, o escritor soube, no entanto, encontrar a fórmula ideal para seus contos, reproduzindo com fidelidade a fala caipira, com seus modismos, sua sintaxe, seu léxico e até mesmo sua fonética, ao mesmo tempo que escrevia com naturalidade e fluência.

O dialeto caipira paulista está presente em toda sua obra que, no dizer de Agenor Silveira, teve a preocupação de "reproduzir o mais fielmente possível os vícios e modismos que afetaram a língua-mãe numa zona cuja extensão abrangerá passante de duzentos mil quilômetros quadrados (metade de São Paulo, Sul de Minas, trechos do Paraná e parte do Rio de Janeiro)".

Como os demais escritores de sua época, Valdomiro Silveira tinha a formação de um contista realista quanto à estrutura da narrativa. Contudo, não raro a própria sugestão dos motivos dialetais acabava determinando uma forma de lirismo que extravazava os limites do conto realista para cair na reflexão contemplativa.

É o que se vê em Pena de Pato, por exemplo, em que o caboclo enlevado pelo canto das "agregadinhas" se recorda, com melancolia, dos amores passados. Já em Camunhengue, um de seus contos mais conhecidos pela dramaticidade, é a transcrição da linguagem oral que dá força ao tema. Minado pela doença que exigia seu retiro, o caboclo se prepara para partir:

"Sá Januaria chamava-o, chorando desesperada. E ele perguntou-lhe de repente:

- Eu volto, sim, eu volto: você quer que eu deite na sua cama? Ah? não quer, pois antão? O mundo é mesmo assim!

Recomeçara a chover miudamente, o sol passava frouxo e sem quentura pelas cordilheiras d'água, quando o Zeca Esteve bateu o talão nas ancas da mula e disse com voz em que havia uma tristeza infinita e um desespero inenarrável:

- Adeus, então, meu povo dalgum tempo!"

Leréias, seu livro póstumo que tem como subtítulo Histórias contadas por eles mesmos, encerra uma sequência de narrativas em que os narradores se dirigem a um suposto ouvinte. Lançando mão do discurso direto, o escritor praticamente não intervém na história que é contada por meio de fala do narrador. Essa forma de diálogo fingido que dá nova dimensão à narrativa seria amplamente empregada por Guimarães Rosa, posteriormente.

O homem - Nascido em 11 de novembro de 1873, em Cachoeira Paulista, no Vale do Paraíba, e transferindo-se ainda menino para a cidade de Casa Branca, Valdomiro Silveira soube manter sempre vivo o sentimento das coisas de sua terra. Desde cedo, acostumou-se a ouvir a linguagem caipira dos caboclos da região, a qual iria constituir material precioso na construção de sua obra.

Escreve seus primeiros versos na adolescência, os quais são publicados em jornais do interior e no Estado. Depois de concluir o curso de Direito no Largo de S. Francisco, vai para Santa Cruz do Rio Pardo como promotor público. Contos enviados a jornais e revistas do Rio são acolhidos por Olavo Bilac.

No começo do século, torna-se amigo de Euclides da Cunha e Martins Fontes e passa a colaborar assiduamente no Estado. Com a fundação em 1909 da Academia Paulista de Letras, ocupa a cadeira número 29, cujo patrono é Paulo Eiró.

Tendo fixado residência em Santos, é um dos líderes civis da Revolução Constitucionalista de 1932. Elege-se deputado à Constituinte Federal, no ano seguinte, mas desiste do posto ao ser convidado pelo dr. Armando de Sales Oliveira, a ocupar a Secretaria de Educação e Saúde Pública do Estado. Assume também a Secretaria da Justiça até 1935, quando vai para a Constituinte Paulista, de que vem a ocupar a presidência. Nessa época, conta o professor Ernesto Leme, seu par na Assembleia, Valdomiro, que não suportava ver seu nome escrito com W, corrigia pachorrentamente, com a caneta-tinteiro, os envelopes da correspondência antes de se inteirar de seu conteúdo.

Retorna a Santos em 1937, após o golpe da ditadura getulista. Morre a 10 de junho de 1941.

 

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