Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult008m17.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 04/27/14 11:18:13
Clique na imagem para voltar à página principal

CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - O "Vulcão" - BIBLIOTECA NM
Martins Fontes (13-II-03)

Clique na imagem para voltar ao índice da obraO livro Martins Fontes, do escritor e historiador Jaime Franco, foi publicado em agosto de 1942, tendo sido composto e impresso nas oficinas da Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltda., da capital paulista, com capa produzida por Guilherme Salgado.

 

A obra faz parte do acervo de Rafael Moraes transferido à Secretaria Municipal de Cultura de Santos e cedida a Novo Milênio em fevereiro de 2014, pelo secretário Raul Christiano, para digitação/digitalização (ortografia atualizada nesta transcrição - páginas 139 a 143):

Leva para a página anterior

Martins Fontes

Cavaleiro do Amor

Cavaleiro da Arte

Cavaleiro do Ideal

Jaime Franco - SANTOS - 1942

Leva para a página seguinte da série

II – CAVALEIRO DA ARTE

3

Perdurou, apesar destas reações do simbolismo, a escola parnasiana revolucionária que produziu, entre nós, poetas de gênio: Raimundo Correia, Vicente de Carvalho, Alberto de Oliveira, Goulart de Andrade, Bastos Tigre, muitos outros, finalmente Olavo Bilac, e ultimamente Martins Fontes, todos príncipes da poesia brasileira. Foi a mais poderosa corrente literária do Brasil, uma das mais fecundas em obras notáveis, perfeitas, imortais.

Martins Fontes, dirigindo-se a Goulart de Andrade, dizia-lhe que escrevia em verso como Leon Dierx e Raimundo Correia que não sabiam escrever doutra forma, metrificando e rimando o que sentiam ou pensavam, para demonstrar agilidade. Comentou que um jornal do Rio dissesse mal do parnasianismo, que era brônzeo, marmóreo, frio.

Martins Fontes chamou aos críticos de imbecis e cavalgaduras porque julgaram o parnasianismo pelos versos de Heredia e Francisca Júnia, únicos e geniais espécimes frios, marmóreos e brônzeos. Em matéria de Arte, esses críticos, que na época eram Medeiros e Albuquerque e José Veríssimo, metiam os pés pelas mãos.

O parnasianismo os deslumbrava porque encerrava a perfeição sobre-humana. Os seus adeptos, á parte Heredia, são no fundo românticos, exemplares sacerdotes da Arte amoral, eruditos, lapidários da frase, dizendo tudo com primor, graça, leveza, lirismo, humorismo, desde o heroico ao trágico.

Martins Fontes, estudando o parnasianismo, sempre se considerou aprendiz. A glória, a dor, o exotismo, o amor, tudo se condensa nesta escola que teve influência salutar e disciplinadora sobre os nossos melhores poetas, depois de 1885, porque, antes a Arte, entre nós, foi pilhéria, brinco de burguês; não havia rimadores no Brasil, com exceção dos poetas de gênio: Gonçalves Dias e Castro Alves.

Machado de Assis, romancista de feição romântica com tendência realista, foi poeta parnasiano modelar. Depois do parnasianismo, tanto na França como no Brasil, abriu-se um abismo na Arte. Simbolistas, hidropatas, neuropatas, decadentes, nefelibatas, futuristas e versilibristas não deixaram nada, incapazes da boa ação de uma bela frase durante toda a existência, quanto mais durante uma hora, conquanto buscassem a novidade, no desespero eterno de descobrir qualquer coisa que impressionasse o burguês bovino, ou provocasse a risada.

O simbolismo, segundo Martins Fontes, como exceção à pandemia literária, teve o mérito de encantar, não pelo que existe de palpável no corpo da frase, mas pelas sugestões produzidas por uma espécie de fluído verbal que não se compreende mas que se adivinha, pela alma, pelo invisível do pensamento, pela música, pelo vago, incerto e misterioso da ideia figurada no símbolo.

Martins Fontes, por isso, considerava o eminente Eugénio de Castro o poeta da sua paixão, um dos maiores gênios literários da Humanidade, a quem o Brasil ainda não prestou a sua homenagem de reconhecimento ao influxo cultural que proporcionou a muitos dos nossos poetas, entre os quais o santo e querido Amadeu Amaral.

Martins Fontes votava horror ao dadaísmo que era a imediata correlação enre o som e a cor, a sinopsia ou visão colorida. Notava-se em todos a falta de sinceridade. Positivamente, a pesquisa contínua, a procura acurada, a luta para obter a expressão exata levam ao tormento, como a compreensão, a lucidez, a genialidade conduzem à desesperança, dizia Martins Fontes numa saudação a Vargas Vila.

Não obstante, louvou a mística de Alphonsus de Guimaraens, que soube cultivar o simbolismo como expressão superior da arte requitada, com estranhas invocações de misteriosas regiões da fantasia e de seres imaginários, hiperbólicos.

A forma é imutável como o nosso corpo. Para alterar-se a métrica, temos de alterar a flor. Arte parnasiana muda-se quando se puder moldar o corpo noutro ser. Enquanto os sentidos forem como os de hoje, a Arte se manterá em moldes definitivos. A expressão nunca mudou. Ainda é a de Camões, Dante ou Hugo. É preciso, pois, desancar bengaladas no fandanguassu dos libratelhos modernistas, aconselhava Martins Fontes. Ele se revoltava contra a profanação dos poetas mistificadores que fizeram escola, cometendo crimes de lesa-arte com o futurismo espaventoso, para dar na vista, fazendo flores de papel e nunca flores naturais.

A geração de Martins Fontes, todos mestres a rigor da forma, praticou a disciplina de Leconte, de Mendès, Sullys, Silvestres. Na solidão, cinzelavam joias conforme as regras, calando ambições estéticas e dores, com a aspiração suprema de serem autores dum livro somente, para, na posteridade, alcançarem a glória, porque a arte deve ser objeto raro e imortal.

Martins Fontes conheceu essa notável geração da nossa renascença literária que foi unida no culto ao parnasianismo. Ele formou o seu temperamento de artista sob a direção do mestre insigne, Olavo Bilac. Foi admitido às tertúlias célebres da Confeitaria Colombo, que classificou de catedral, serralho, bazar, cenáculo, colmeia, Casa da Alegria, Torre do Tombo, onde como as abelhas fabricando cera e produzindo o mel, os poetas e artistas trabalhavam, multiplicando-se.

Esgotavam as forças, exaurindo tesouros do cérebro. Cada um deles se reconhecia num poeta proletário, servidor fiel da arte, discutiam as ideias, os pensamentos, as ironias. Enfim, cumpriam o fadário, iguais às abelhas. Era a roda literária na máxima expressão da virtude juvenil, onde poetas, pintores, músicos e filósofos esqueciam dores velhas, a cantar. Amavam-se e só pela morte é que se separaram, naquela vida fraternal e ascendente. Sempre, sem artifícios, cada qual, sendo crente da Amizade, demonstraram a personalidade com alta e independente pureza; refletiram a Natureza, espalhando a originalidade no grandio e no sublime. A probidade em Arte foi, para esses sacerdotes do Amor e da Beleza, a sua força genial.

Martins Fontes viveu saudoso daqueles "belos tempos da loucura e do sonho da mocidade". Martins Fontes, em convivência com tão notáveis homens de letras, acompanhou-os nas peregrinações aos lugares pitorescos do Rio de Janeiro. Eram convescotes de boêmios talentosos. Recitavam-se poesias, diziam-se frases de elevado espírito, faziam-se discursos audaciosos, revolucionários, em apoteose à Beleza eterna.

Martins Fontes, discípulo predileto daqueles mestres, fez-se poeta e consagrou a vida inteira à arte literária. A revelação nasceu com o primeiro livro de versos, "Verão", que ele entregou aos acasos do vento, tendo o consolo de também ter dado a sua flor. Trabalhou-o, religiosamente, sem desejar sequer o êxito, cumprindo os cânones da sua liturgia, de alma volvida para o Azul. Quando o viu escrito, teve saudades do tempo em que o sonhou, porque então para si o livro "Verão" era belo. Depois, surgiram novas produções que vieram marcar, na literatura brasileira, lugar proeminente.

As almas gêmeas do Príncipe Lisuarte estavam encarnadas nos variados tipos de que sempre Martins Fontes me falava. Martins Fontes e os outros parnasianos, profissionais da gaia-ciência, que escreviam à pressa os folhetins em verso; eles, caleidoscopistas do comentário inédito, do motivo faceto, imaginoso e vivo, dos casos raros e sensacionais – pincarizavam no rimário em frase fina e fugaz ou tratavam de bordar um assunto que se julgasse um foguete multicor.

Os companheiros traziam-lhe à lembrança a fonte luminosa de Ssantos, no Gonzaga, em frente ao mar, que reproduz a auraora do Brasil, como sua imagem imitando um vulcão a fulgir sobre a areia. Ela parece escada que liga a Pátria ao Céu e se compara, pelas maravilhas siderais, aos mestres e amigos da sua geração.

Martins Fontes, como no-lo contava, teve, na adolescência, a alegria e a glória de pertencer a uma comunidade que acreditava que, em nosso tempo, com a técnica iniciada por Dante, de acordo com o nosso ouvido, fisiologicamente, resumindo a cultura universal, o parnasianismo, pela sua disciplina, pelo exemplo sacerdotal dos seus poetas, diversíssimos, inúmeros, originais, impecáveis, apaixonados, merecia o fervor da nossa gratidão, a flama erguida do nosso amor; à roda de homens que foram espiritualmente a maior grandeza do Brasil, em todos os tempos, passados e futuros, porque a força dessa geração não será ultrapassada, nem mesmo igualada.

Jamais brilhará no Brasil outro cenáculo igual àquele que Martins Fontes pertencia, viveiro de homens de talento, sonhadores puros, espelhos encantados da terra maravilhosa. Dessa geração, quando Martins Fontes chegou ao Rio de Janeiro, somente não conheceu Paula Ney, Pardal Mallet e Raul Pompeia. Todos os outros foram seus íntimos.

A roda se formava diariamente na Confeitaria Colombo, das dezesseis às dezenove horas, ou se reunia em casa de Coelho Neto. Pareciam loucos. Os paradoxos estalavam como fogos de artifício. Facécias e trocadilhos envolviam as faiscações de mil prodígios da fantasia.

A Confeitaria Colombo, vasta sala forrada de espelhos, parecia feira, bazar ou praça pública, onde aqueles poetas líricos, obedecendo à técnica parnasiana, estabeleciam o gabinete de trabalho nas mesas, imaginando-o numa biblioteca, com a garrafaria das prateleiras por livros.

Aí, concertavam duelos à bengala; saudavam-se, falavam e escreviam tudo em verso, bem rimado – reclamações, participações, descomposturas, discursos, discussões, praticando unicamente a poesia cósmica, pindari-cômica, molieresca, ronsardizante, que fazia sorrir porque encerrava, na perfeição funambulesca, num dado poema de forma fixa, um imprevisto qualquer, em que cintilava a rima inédita, uma palavra rebarbativa, um dito picaresco e original sobre fatos diários dos jornais da época, sobre a política, a literatura e a sociedade. A roda se partia de madrugada no Mercado Municipal.

Martins Fontes, comparando esses operários da Beleza, servidores da Arte, escravos da Amizade, às abelhas, com as quais, exceto na castidade, eram parecidos, na adaptação recíproca, na predileção das flores, no amor das corolas coloridas dos nectários, no trabalhar sem esperar a mínima recompensa, na perfectibilidade, na pertinácia, no sacrifício, no produzir o mel -, dava-se por pago de muitas torturas da vida, de muitas lágrimas choradas na solidão e no silêncio, porque viveu nessa roda literária, porque fez parte dessa mocidade radiosíssima, porque foi amado como soube amar.

A poesia brasileira se eleva em três píncaros – Gonçalves Dias, Castro Alves, Olavo Bilac. A geração de Martins Fontes foi a auréola desses cumes. E Martins Fontes, lembrando a Oscar Lopes, numa balada, como seria alegre escrever-se uma revista sobre "A glória da Confeitaria Colombo", rimando essa evocação em colaboração com todos os companheiros da roda a que ambos pertenceram – sentenciou: o tempo há de erguer um monumento em bronze e em mármore a esse esplendor de juventude, espelho encantado da Pátria Moça, da Terra Ardente!