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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 413)

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Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 17 de maio de 1963 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Primeira impressão

Lydia Federici

Encontramo-nos num cruzamento. Onde outras pessoas, virando o pescoço para todos os lados, também esperavam uma brecha para atravessar. Todos estavam na beira da calçada. Pisando o meio-fio. Prontos para dar uma boa acelerada logo que possível.

Foi quando ela chegou. Uma senhora bem vestida. Forte. Risonha. Risonha de lábios, de olhos. Risonha até no balanceio exuberante dos braços. Chegou ao fim da calçada e, com toda a naturalidade, pôs o primeiro pé a rua. Antes de colocar o segundo, um braço já a agarrara. E três vozes, uma grossa, outra esganiçada pelo nervoso, a terceira muito autoritária, fizeram-na estacar.

“Cuidado, dona. Não vê que os carros estão passando?”

Ela olhou o homem. Um operário baixo e atarracado. Com os braços musculosos guardando ainda vestígios de cal. Olhou-o admirada. Com ar de quem nãoestava compreendendo a razão da observação. Por que a segurara?

O rapaz, apesar de meio encabulado, começou a falar. “Essa gente que anda de automóvel, dona, não respeita quem caminha. A rua é deles. Se a gente se descuida, está no chão. Vendo o carro por baixo”.

Ela continuava em dúvida. Mas agradeceu. E só atravessou a rua quando todos, aproveitando um claro, cruzaram, apressados, para o passeio fronteiro. Como caminhássemos juntas, lado a lado, achei-me na obrigação de reforçar as palavras do rapaz. E ouvi uma história que, se de um lado me orgulhou, de outro me eixou carregada de preocupação.

Ela viera, havia pouco, do Norte. Mas norte, norte. Não nordeste. Não entendi bem se da capital do Amazonas. Ou do Pará. Seu que falou em Manaus. E citou BBBelém. Làé que não se podia brincar na rua. Os automóveis podiam ter breques. Mas os motoristas não os usavam. Aqui? Gente boa. Atenciosa. Gentil. Respeitadora. Assim que chegara, reparara. Os carros entravam nas curvas devagar. Paravm para deixar os outros automóveis passarem. Estava farta de ver automobilistas interoperem sua caminhada para dar passagem a colegiais.

“Mas, minha senhora. Eles param porque há sempre um guarda que os faz parar. Não reparou?” Ela não se convenceu. Perguntou-me se em todas as esquinas, em todas as quadras, havia guardas. E na avenida da praia? Era só pôr os pés na rua. Os caros diminuíam a marcha. Livravam a passagem. Logo que chegara, na primeira vez que fora para a rua, ao avançar, distraída, viu um carro brecar. Bem a seu lado. Ela estacara. O motorista, com um gesto galante, convidara-a a prosseguir. Muito gentis e atenciosos eram os santistas. Respeitavam os passantes. Falava por experiência.

Ai! Como convencer aquela senhora risonha do contrário? Como explicar-lhe que sua primeira experiência, por casualidade, era a exceção de uma regra de pressa e prepotência? Naquele dia não o consegui. Repiso, hoje, a advertência. Cuidado com os automóveis, minha senhora.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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